Tuesday, January 31, 2012







Espera-se bom senso

Pedro J. Bondaczuk

Os olhos e os corações dos povos do mundo, pelo menos das pessoas que têm a exata consciência do que a corrida armamentista nuclear representa de risco para toda a humanidade, estarão concentrados, hoje, na cidade suíça de Genebra. Ali, dois líderes, representando duas concepções antagônicas de vida, estarão tentando superar uma cordilheira de obstáculos e demonstrar, um ao outro, que embora tão diferentes em seus objetivos e métodos, podem conviver pacificamente, sem lançar mão da mútua agressão para solver suas pendências.

Enquanto Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev conseguem romper o gelo de seis tormentosos anos de um relacionamento deteriorado e apodrecido entre as superpotências, iniciados com a estúpida invasão soviética ao Afeganistão, determinada por um líder com "know-how" nesse expediente, o truculento Leonid Brezhnev, grupos poderosos, em Washington e Moscou, fazem o possível (e até o impossível) para levar ao fracasso essas negociações que hoje se iniciam. Que outra explicação haveria, por exemplo, para o vazamento, aos jornalistas, da carta do secretário de Defesa norte-americano, Casper Weinberger, escrita a seu presidente? Nessa mensagem, recorde-se, o colaborador de Reagan aconselha que ele não se deixe influenciar pelo magnetismo pessoal de seu interlocutor e não renove o acordo Salt-II, conseguido em 1979 e que, segundo os observadores ocidentais e orientais, embora não homologado pelos respectivos Parlamentos, foi respeitado pelas partes até aqui.

Como explicar, por outro lado, a intensa celeuma despertada pelos soviéticos em torno dessa troca normal de comunicações entre colaboradores de um mesmo governo pregando, por causa disso, um endurecimento por parte de Gorbachev? É evidente que um possível tratado para pôr fim à corrida armamentista (e quem sabe, para reduzir significativamente os arsenais já existentes) irá contrariar ambições de grupos poderosos, tanto nos Estados Unidos, quanto na União Soviética, embora com motivações diferentes.

A indústria de armamentos, e mais do que ela, a que versa especificamente sobre os de caráter nuclear, envolve importâncias gigantescas em dinheiro. Milhões de pessoas sobrevivem hoje às custas da fabricação de artefatos capazes de levar todos nós (e dez milênios de civilização) a um irremediável fim. É algo tão paradoxal quanto o próprio homem. São os dois instintos básicos do "homo sapiens", o tânico (de autodestruição) e o erótico (de preservação da espécie) aflorando em âmbito coletivo. Circulação e concentração de riquezas, por outro lado, implicam em poder. E os que conquistaram esse poderio às custas das distorções do relacionamento internacional, mesmo sabendo que o "equilíbrio do medo" é uma "roleta russa" capaz de nos exterminar a todos, aceitam o desafio. Mas envolvem nessa maluca aposta não apenas a si próprios --- o que, se fosse assim, até seria perdoável, embora não recomendável.

Arriscam, isto sim, bilhões de seres inocentes, a maioria dos quais sequer tem noção do grande risco a que o Planeta todo está exposto, apenas porque duas sociedades resolveram brincar de deuses. Decidir tomar em suas mãos o destino de um Planeta que não criaram, que ajudaram a tornar um pouco mais insuportável e que, num assomo de paranóia, pretendem destruir de vez.

É por isso que os olhares das pessoas de boa vontade estão voltados com tamanha ansiedade para Genebra. Essa é a razão porque os corações dos que amam a vida, a despeito do pesadelo em que muitos a buscam transformar, estão torcendo para que a razão, aquilo que distingue o homem das outras feras, prevaleça sobre o fanatismo ideológico e que Reagan e Gorbachev se deixem levar pelos seus mais sadios instintos. Os de sobrevivência, de vida grupal, de perpetuação da espécie e de solidariedade entre seres iguais. As ideologias, por mais obcecantes que sejam, não conseguem obscurecer no ser humano aquilo que ele possui de melhor, se houver uma vontade consciente por trás dele. E essa é a principal torcida dos que ambicionam, acima de qualquer outra coisa, a paz entre todas as nações. Que apenas prevaleça o bom senso e nada mais.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 19 de novembro de 1985)

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