Riqueza e pobreza
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas, em geral, apegam-se excessivamente às coisas. Esse tipo de observação é dos mais simples de se fazer: basta atentarmos não só para os que nos cercam, mas para a nossa própria atitude (salvo uma ou outra exceção). Esse tema, referente à riqueza e pobreza, à escandalosa opulência e ostentação e à escabrosa e agressiva miséria, é um dos mais abordados por pregadores de todas as religiões, por filósofos, por economistas, sociólogos, políticos e intelectuais de praticamente todas as disciplinas, ideologias e matizes, sem que haja sequer a mínima sombra de remota perspectiva de consenso. Também escrevi muito (e certamente ainda escreverei) a respeito, embora se trate de um assunto que me incomode, me enoje, me assuste e me faça descrer da racionalidade humana. O aprofundamento nesse tema, todavia, o seu tratamento indo fundo, às suas raízes, é, mesmo que não pareça, dos mais renitentes tabus.
Se você é pobre e aponta o dedo acusador para os sistemas que não apenas fazem vistas grossas, mas incentivam o escandaloso e absurdo acúmulo de riquezas em poucas e privilegiadas mãos, não tardarão a surgir vozes acusadoras, garantindo que sua posição, em defesa da justiça social, é fruto da sua inveja. Que, na verdade, você advoga em causa própria. Que, se fosse rico, não pensaria desse jeito e não defenderia nada disso. Pode até ser que tenham razão. Ou não.
Caso, no entanto, você seja afortunado – e nem precisa ser milionário, bilionário ou trilionário, mas ter fortuna razoável, que lhe garanta conforto e tranqüilidade e à sua família – e se defender teses redistributivas, é mais do que certo de que será desafiado da seguinte forma: “Se você está tão preocupado com a miséria e os miseráveis, por que não partilha os ‘seus’ bens com eles?”. Sim, por que não?
Intimamente, não há quem não esteja convencido que esse sistema concentrador de rendas e de recursos é perverso, insano, injusto e sem sentido. Todavia, tente mexer no “sagrado” princípio do direito de propriedade! Será imolado em praça pública, eliminado como se fosse uma peste que deva ser contida antes que se transforme em epidemia.
Quem tem, apega-se, apaixonadamente, a seu carro, à sua casa, a seu barco, a seus objetos de arte e, principalmente, àquilo que lhes possibilita adquirir todos esses objetos: o dinheiro. E, claro, tudo simultaneamente. Quem não tem nada disso, faz das tripas coração para ter esses bens, alçados em ideais supremos. Mais da metade do tempo de nossa vida gastamos na tentativa de conseguir “propriedades”, cuja posse vai determinar, sobretudo, nossa posição social, nosso “status”, a avaliação que os outros farão de nós. Pretextos não faltam para justificar essa atitude. Caso obtenhamos esses bens e tenhamos polpuda conta bancária, seremos vistos como empreendedores, como pessoas de elevada capacidade e bem-sucedidas, como vencedores, mesmo que para conseguir tudo isso tenhamos enganado, explorado, subjugado, humilhado e, em casos extremos, até matado milhares e milhares de pessoas.
Agimos como se da posse dessas propriedades dependesse a nossa sobrevivência. Não depende. Pelo menos, não de todas que nos empenhamos em conquistar. Ademais, o foco do problema não está nem mesmo nos bens em si, mas na sua “quantidade”. E na ação adotada para a sua obtenção. Precisamos de poucas, pouquíssimas coisas para viver. Para obter os objetos dos nossos desejos, contudo, não titubeamos em sacrificar valores que realmente importam: amor, amizades, solidariedade etc. Isto quando não transgredimos a moral ou as leis. Perdemos a grandeza com a perda da perspectiva.
Apesar de ser constatação óbvia, ao alcance do mais bronco dos mortais, muitos ainda se fazem de desentendidos e se esquecem que do mundo nada levamos. E nem viemos a ele para levar qualquer coisa, mas para deixar: idéias, obras, princípios e exemplos. Corre-se atrás de “riquezas” que não passam de quinquilharias e desperdiça-se um tempo enorme, precioso e irrecuperável, com o ato mesquinho de juntar, de acumular e de gozar de falsos e ilusórios prazeres sensoriais, em detrimento do essencial.
Viemos nus ao mundo e será dessa forma despojada que um dia o deixaremos. O profeta Maomé constata, com simplicidade e sabedoria: “A verdadeira riqueza de um homem é o bem que ele faz no mundo”. E isso não basta? Claro que sim! Pelo menos deveria bastar. Não somente é o bastante, como até sobeja. Afinal, só os atos de bondade nos garantem a única imortalidade possível: a da memória. O resto... são vidros, que confundimos com diamantes. Quantos, contudo, pensam dessa maneira? Ou melhor, quantos agem nesse sentido? Pensar nisso até que se pensa, mas... na hora de agir...
Porém, as coisas que tanto valorizamos, e que achamos que sem elas jamais seremos felizes, são enganadoras. Riqueza, por exemplo, ninguém possui de fato, já que tudo o que temos, no terreno material, tudo, rigorosamente tudo, é nosso transitoriamente. Ou seja, “nos pertence”, apenas, enquanto estivermos vivos. Ao morrermos, será do primeiro que se apossar desses bens (legal ou ilegalmente). Ou estou dizendo alguma inverdade? Ou alguém já levou para a sepultura tudo o que amealhou? E, mesmo que levasse (o que seria uma aberração), para o que lhe serviria?
Projetando o tema em um cenário mais amplo, coletivo, nacional e internacional, a mínima lógica nos indica que a maior riqueza que uma nação pode ter é o seu povo. E quanto mais esclarecido ele for, mais apto será para atuar em conjunto, num esforço concentrado, que é o único e árduo caminho do desenvolvimento. No panorama mundial, no do inter-países, não existem, por exemplo, as loterias que tornem povos inteiros ricos da noite para o dia, graças ao fator do acaso, num eventual golpe de sorte.
Não há quinas ou senas para nações. As sociedades nacionais fazem-se grandes, fortes e respeitadas pelo talento, pelo empenho e pela determinação de sua gente. E pelo tanto de justiça social que haja nessas sociedades. Este é o único meio para determinado povo se desenvolver. Não existem países poderosos com populações fracas, carentes, não instruídas, sem artes, ciências, tecnologias e culturas vigorosas, Caso existissem, a injustiça (pois haveria uma concentração de riquezas absurda nas mãos de uma minoria) seria tão aberrante, que em pouco tempo eles se dissolveriam no caos, na violência e na anarquia. Temos muitos exemplos de sociedades desse tipo, na África e na Ásia, em permanente estado de caos.
A absoluta maioria das pessoas vive sem saber por que e, principalmente, “para que”. Despende o melhor de sua capacidade e de suas energias, tanto físicas, quanto mentais e espirituais, em busca de miragens, de fantasias, de ilusões, ou seja, do que entendem como “riqueza”. Esta mensagem, divulgada há algum tempo pelo Greenpeace, na internet, deveria ser objeto de reflexão permanente, diária, de cada um de nós. Diz: “Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come”. Será preciso chegarmos a tanto para salvar nosso pobre Planeta, que pede socorro, sem que ninguém o ouça?! Se for, quando isso vier a acontecer (se vier), estejam certos: será tarde demais. Voltarei, certamente, ao assunto.
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