Tradição de violência
Pedro J. Bondaczuk
A vida política da Guatemala sempre teve uma característica central: a violência. Não se sabe explicar bem a razão, mas nos raros períodos de liberdade e democracia plena que o país ostentou, a intolerância e o sectarismo predominaram.
Para um observador desavisado, que tome os dados frios referentes a essa República centro-americana, sem fazer maiores análises ou entrar em detalhes sobre distribuição de renda e outros quesitos sociais, parecerá que tudo anda bem por ali. Afinal, a renda per capita anual do guatemalteco é uma das mais altas da América Central, girando em torno de US$ 1.100.
A mortalidade infantil, posto que elevada (75 óbitos para cada mil nascimentos), não chega a ser dramática. A inflação praticamente inexiste. Tudo parece um paraíso.
Por trás desses números, contudo, escondem-se armadilhas terríveis para os que pesquisam a realidade social da América Latina. A economia guatemalteca concentra-se quase toda mo campo, pois é na agricultura que se fundamenta a base de suas exportações. E ali repete-se o mesmo quadro desolador que se verifica entre todos os latino-americanos.
Emergem as figuras dos todo-poderosos “terratenientes”, a minoria privilegiada que não se contenta com um pedaço de chão para cultivar, mas que é dona, praticamente, de todas as terras do país. O restante da população são camponeses carentes e desassistidos, que sequer têm mais o recurso da esperança.
Para conservarem seus seculares privilégios, os barões da agricultura desse país não dão lá grande importância à democracia. Aliás, esta até pode lhes ser nociva, na medida em que procura promover reformas sociais. Não é por acaso que desde 1930, apenas um presidente civil, eleito através do voto livre, tenha chegado à Presidência da República. Na Guatemala, esse cargo é decidido numa autêntica “ação entre amigos”. E todos eles militares, é claro!
Olhando, portanto, os números friamente, sem maiores considerações, também no que se refere à vida institucional guatemalteca, o leitor desavisado tem tudo para incorrer em erro. Em 147 anos de independência, desde quando se separou de uma efêmera e inviável Federação Centro-Americana em 1838, o país teve exatos 38 governos. Isso dá uma idéia de um governante a cada três anos e meio. Parece ser uma grande rotatividade, quase a ideal. Só que a realidade dos fatos é muito mais tenebrosa do que a frieza dos números.
Para que o leitor tenha uma idéia da ausência de democracia na vida guatemalteca, basta informar que a primeira eleição rigorosamente livre dessa República centro-americana, a mais populosa (e talvez a mais violenta) do continente, ocorreu apenas há 35 anos, em 1950.
E o fato não voltou mais a se repetir até este ano, quando tudo leva a crer que o pleito de amanhã, cujo primeiro turno se revestiu de plena normalidade, será dos mais honestos que se possa esperar. Resta, somente, que o civil que for eleito, e possivelmente o escolhido será Venício Cerezo Arévalo, governe com prudência. Mantenha-se rigorosamente numa posição centrista, para que tenha condições de se equilibrar nessa diabólica corda-bamba.
Caso venha a pender demais para a direita, despertará a ira das guerrilhas, confinadas às partes mais remotas do país. Com isso, a violência poderá crescer, gerando a necessidade de uma intervenção armada. Se vier a mostrar tendências esquerdizantes, os militares, afinados com a doutrina de segurança dos Estados Unidos, lhe darão o clássico “bilhete azul” mal ele esboce essa ação.
Terá que agir, como se diz no jargão popular, “acendendo uma vela para o santo e outra para o diabo”. Essa é a única forma, no quadro atual da América Central, para um presidente civil conseguir completar seu mandato.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 7 de dezembro de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A vida política da Guatemala sempre teve uma característica central: a violência. Não se sabe explicar bem a razão, mas nos raros períodos de liberdade e democracia plena que o país ostentou, a intolerância e o sectarismo predominaram.
Para um observador desavisado, que tome os dados frios referentes a essa República centro-americana, sem fazer maiores análises ou entrar em detalhes sobre distribuição de renda e outros quesitos sociais, parecerá que tudo anda bem por ali. Afinal, a renda per capita anual do guatemalteco é uma das mais altas da América Central, girando em torno de US$ 1.100.
A mortalidade infantil, posto que elevada (75 óbitos para cada mil nascimentos), não chega a ser dramática. A inflação praticamente inexiste. Tudo parece um paraíso.
Por trás desses números, contudo, escondem-se armadilhas terríveis para os que pesquisam a realidade social da América Latina. A economia guatemalteca concentra-se quase toda mo campo, pois é na agricultura que se fundamenta a base de suas exportações. E ali repete-se o mesmo quadro desolador que se verifica entre todos os latino-americanos.
Emergem as figuras dos todo-poderosos “terratenientes”, a minoria privilegiada que não se contenta com um pedaço de chão para cultivar, mas que é dona, praticamente, de todas as terras do país. O restante da população são camponeses carentes e desassistidos, que sequer têm mais o recurso da esperança.
Para conservarem seus seculares privilégios, os barões da agricultura desse país não dão lá grande importância à democracia. Aliás, esta até pode lhes ser nociva, na medida em que procura promover reformas sociais. Não é por acaso que desde 1930, apenas um presidente civil, eleito através do voto livre, tenha chegado à Presidência da República. Na Guatemala, esse cargo é decidido numa autêntica “ação entre amigos”. E todos eles militares, é claro!
Olhando, portanto, os números friamente, sem maiores considerações, também no que se refere à vida institucional guatemalteca, o leitor desavisado tem tudo para incorrer em erro. Em 147 anos de independência, desde quando se separou de uma efêmera e inviável Federação Centro-Americana em 1838, o país teve exatos 38 governos. Isso dá uma idéia de um governante a cada três anos e meio. Parece ser uma grande rotatividade, quase a ideal. Só que a realidade dos fatos é muito mais tenebrosa do que a frieza dos números.
Para que o leitor tenha uma idéia da ausência de democracia na vida guatemalteca, basta informar que a primeira eleição rigorosamente livre dessa República centro-americana, a mais populosa (e talvez a mais violenta) do continente, ocorreu apenas há 35 anos, em 1950.
E o fato não voltou mais a se repetir até este ano, quando tudo leva a crer que o pleito de amanhã, cujo primeiro turno se revestiu de plena normalidade, será dos mais honestos que se possa esperar. Resta, somente, que o civil que for eleito, e possivelmente o escolhido será Venício Cerezo Arévalo, governe com prudência. Mantenha-se rigorosamente numa posição centrista, para que tenha condições de se equilibrar nessa diabólica corda-bamba.
Caso venha a pender demais para a direita, despertará a ira das guerrilhas, confinadas às partes mais remotas do país. Com isso, a violência poderá crescer, gerando a necessidade de uma intervenção armada. Se vier a mostrar tendências esquerdizantes, os militares, afinados com a doutrina de segurança dos Estados Unidos, lhe darão o clássico “bilhete azul” mal ele esboce essa ação.
Terá que agir, como se diz no jargão popular, “acendendo uma vela para o santo e outra para o diabo”. Essa é a única forma, no quadro atual da América Central, para um presidente civil conseguir completar seu mandato.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 7 de dezembro de 1985).
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