Sunday, June 05, 2011







Convenção de Genebra é violada pelos 2 lados

Pedro J. Bondaczuk

As emissoras de televisão do mundo todo mostraram, durante a semana, no auge dos combates no Golfo Pérsico, na fase terrestre da Operação Tempestade no Deserto, milhares de soldados iraquianos se rendendo não somente aos oficiais da coalizão, mas a qualquer um que fosse ocidental. Até mesmo a jornalistas norte-americanos e britânicos.

Cenas chocantes, de desespero e terror, foram mostradas, como se fossem as coisas mais naturais. Uma, particularmente, chocou a opinião pública. Foi a que mostrou um jovem --- não devia ter mais do que 21 anos --- se destacando de seus companheiros e beijando os pés de seu captor.

Quando o Iraque, na primeira semana de guerra, exibiu pilotos ocidentais na sua televisão nacional, levantou-se uma justificada gritaria mundial contra essa atitude. Afinal, a Convenção de Genebra exige que os capturados no campo de batalha sejam tratados com cortesia e dignidade.

O gesto de Saddam Hussein, utilizando esses reféns para fins propagandísticos, recebeu justas e procedentes críticas de toda a sorte. Até porque os soldados mostrados apresentavam marcas visíveis de espancamento e sua dignidade e integridade física não foram respeitadas.

Todavia, se a atitude iraquiana foi digna de reprovação, o mesmo vale para a dos aliados, ao exibirem, em triunfo, os amedrontados camponeses do Iraque, maltrapilhos, muitos até sem calças, travestidos de militares, arrebanhados compulsoriamente para lutar, se entregando e se humilhando, perante os olhos de milhões de telespectadores.

Um campo de batalha, evidentemente, não é um lugar de passeio turístico ou local de piquenique. A cada segundo, a vida dos que estão nele permanece por um fragílimo fio. Um bombardeio, um passo em falso sobre uma mina, um tiro mesmo que perdido, e quem está ali deixa de existir.

Nem mesmo os mais curtidos e veteranos soldados estão sempre psicologicamente preparados para suportar essas terríveis tensões de combate. Não é fácil ter de matar, para não ser morto, alguém que sequer se conhece. O instinto de preservação tende a ser mais forte do que dignidade, patriotismo ou qualquer outro "princípio" inventado pelo homem --- certamente por alguém que nunca lutou, mas sempre fez propaganda da guerra --- nesse momento terrível.

Os mais descontrolados, evidentemente, se rendem e se humilham ao máximo diante do captor para preservar a vida e a integridade física. Daí a Convenção de Genebra proibir a exibição de prisioneiros. As duas partes violaram, portanto, esse princípio.

Como os derrotados --- um exercício cínico de maniqueísmo --- têm que passar perante a opinião pública como os grandes vilões --- já é uma tradição --- até para justificar as atrocidades cometidas pelos vencedores, que são inevitáveis numa guerra, apenas os iraquianos foram, são e serão censurados por essa violação.

As duas exibições, todavia, nas respectivas televisões, apenas serviram a odiosos propósitos, como propagandas desnecessárias, inclusive, para o próprio resultado da batalha.

(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular., em 3 de março de 1991).

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