Thursday, June 23, 2011







Material e ferramenta

Pedro J. Bondaczuk

Sejam quais forem as circunstâncias que nos afetem, a vida tem que continuar. Compete-nos extrair lições das coisas negativas que nos acontecem e aproveitar ao máximo as boas, pois como dizia a personagem vivida pela atriz Vivian Leight, no filme “O vento levou”: “amanhã é outro dia”.
Mas, deixemos a filosofia barata de lado e vamos ao que interessa. Com o que se faz boa literatura, aquela que transcende o autor e se consolida na memória dos povos e se insere para sempre na categoria dos “clássicos”?
Paul Valéry diria que se faz com palavras. Sem dúvida, sem elas não existiriam textos e, portanto, livros, óbvio. Mas não são quaisquer palavras que constroem uma obra literária e nem se pode se limitar a jogá-las ao léu, por acaso, sem nenhuma ordem ou critério. Elas têm que ser cuidadosamente escolhidas e combinadas de tal sorte que tenham coerência e sentido. Caso contrário... Escrever-se-á muito e não se dirá nada.
Karl Krauss, escritor austríaco, célebre por sua irreverência, garantiu que as palavras são “prostitutas”. E explicou: “dão-se para qualquer um”. Com elas, podem se elaborar textos sublimes e transcendentais, além de expressar o bom e o sagrado. Mas elas, também, se prestam a caluniar, difamar e espalhar desídia e ódio. Ou seja, são, simultaneamente, o “material” para se construir o mau e o profano. Dependem, pois, de quem as utiliza. Krauss também disse que o escritor tem a magia de transformar essas “prostitutas”, as palavras, em “imaculadas virgens”. A comparação é um tanto forte, todavia procede.
Um edifício, para ser construído, não depende apenas de tijolos, areia, pedras, cal e cimento, tomados isoladamente. Usando um único desses materiais, sem a presença dos outros citados, não se faz sequer uma casinha de cachorro, quanto mais uma edificação sólida, elevada, segura e duradoura. Tome um monte de pedregulhos, por exemplo. O que você fará com eles isoladamente? Nada!
Junte-lhes, no entanto, na dose certa, a areia, a cal e o cimento e você terá o concreto. Com ele, você dará sustentação não apenas a uma casa, mas, juntando-lhe a indispensável ferragem, ao mais alto dos edifícios que algum arquiteto possa projetar.
Com as palavras ocorre o mesmo. Isoladas, de pouco servem. Mas junte-lhes emoção e razão, realidade e fantasia, raciocínio e informação e, sobretudo, experiência e criatividade, muita criatividade, tudo misturado, na dosagem correta, e você terá o surgimento de uma obra literária consistente e duradoura, que se faz com suor, sangue, lágrimas e vísceras, mas também com paixão, vigor, entusiasmo e vida.
Para trabalhar com esse material, contudo, precisamos de ferramentas. A nossa, foi se modernizando ao longo do tempo, até chegar ao que hoje é. Começou com uma pena de aves, talvez de galinha, talvez de pato ou talvez de ganso. Evoluiu para outra, mas feita de metal. Chegou às eficientes canetas. Passou, no final do século XIX a ser a máquina de datilografia. E hoje... são os modernos, práticos e racionais computadores.
Ferramentas, todos sabem, não são boas e nem más. São úteis. Mas dependem de quem as manipula. Em mãos inábeis, podem servir, até, de instrumentos de destruição. Um martelo, por exemplo, utilizado para o fim a que foi inventado, é utilíssimo. Se você usá-lo, porém, para bater cegamente em tudo o que vê, servirá, somente, para destruir. E em mãos homicidas tende a transformar-se mesmo em arma letal. Idêntica constatação serve para o machado, as picareta, a enxada, a faca etc.
Todos esses ingredientes, portanto, tornam possível a elaboração de uma obra literária grandiosa e que transcenda o autor. Ela, contudo, não se faz por si só. Nada nasce do nada, por geração espontânea. Atrás da ferramenta é preciso que haja o operário hábil e qualificado. Sem ele, de nada valerá, igualmente, o material, por mais adequado e selecionado que seja. Uma grande obra literária, portanto, se faz com você, caríssimo escritor. Faz-se com sua autodisciplina, conhecimento, criatividade, magia, talento etc.
O sujeito mais chato, desses que põem reparo em tudo, dirá que esqueci de mencionar que uma grande obra se faz também com “verdade”. Para responder-lhe, todavia, emprestaria as palavras de Pablo Neruda, muito mais sábio e vivido do que eu que, ao cabo de uma vida agitada, mas sumamente produtiva, constatou, abismado: “A verdade é que não existe verdade!”.

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1 comment:

Tania Camargo said...

achei que quem tinha dito que as palavras sao prostitutas tinha sido o carlos drummond de andrade, nao foi nao?? bom, vai ver ele ouviu o karl krauss e tava citando... mas ele nao falou deste, entao acho estranho... ele disse que as palavras sao prostitutas porque saem da minha boca de um jeito e chegam no ouvido do outro, de outro jeito, "ao gosto do fregues", pelo que lembro - li há muitos anos atrás...