Sunday, June 26, 2011







Cargo nada atraente


Pedro J. Bondaczuk


O Haiti, que tem registrados, na sua história, feitos extraordinários, de heroísmo e de pertinácia dos pais de sua independência, é, hoje, um país marcado pela tragédia, representada pela miséria, violência e ignorância. Seus indicadores econômicos e sociais são simplesmente deprimentes, fazendo com que sua sociedade seja, disparadamente, a mais atrasada do Hemisfério Norte.
Apesar da soma monumental de problemas que essa República caribenha tem, no entanto, ela que divide a Ilha Hispaniola com a República Dominicana, a sua mais alta magistratura nacional ainda desperta cobiça. Aliás, o poder, por menor que seja, sempre tem esse condão. Fascina e vira a cabeça de qualquer um.
Vinte e três políticos disputam, hoje, em meio a um clima extremamente violento, os votos de 2,1 milhões de haitianos, 85% dos quais analfabetos e, portanto, facilmente manobráveis. Há 30 anos que a população local não exercita esse direito de decisão.
Na última eleição presidencial, um homem, que então era tido até como um santo, obteve a consagração nas urnas. Tratava-se de um médico, que havia erradicado diversos surtos epidêmicos nas regiões mais insalubres do Haiti e que tinha merecido reportagens de capa nas mais ilustres publicações do mundo, pelo seu exaltado “espírito humanitário”.
Seu nome? François Duvallier. Isso mesmo, o verdugo que anos mais tarde se apresentou aos olhos do mundo como um dos mais terríveis tiranos, dos tantos caudilhos loucos que desgraçaram as impotentes sociedades nacionais do Terceiro Mundo, foi eleito na qualidade de “humanista”.
Na época houve até insinuações de que ele mereceria o Prêmio Nobel da Paz e alguns chegaram mesmo a comparar esse médico, que se dizia “idealista”, ao sublime benfeitor da humanidade, Albert Schweitzer.
O que corrompeu essa personalidade? Que processo de degradação moral o atingiu ao ponto dele formar uma das polícias mais cruéis e sanguinárias dos nossos tempos, os apavorantes Tontons Macoutes, cuja tradução, significativamente, é “bichos-papões”? O que fez com que esse apóstolo da ciência médica, que um dia jurou minorar as dores de seus semelhantes, participasse, pessoalmente, de sessões de torturas diárias nos pirões nauseabundos das masmorras de Port-au-Prince?
Certamente os haitianos devem estar pensando em tudo isso, neste momento decisivo de sua vida nacional. Em quem confiar? Qual a melhor proposta? Quem está sendo sincero? Este é um dilema que será impossível solucionar hoje, diante das urnas, pelo preocupado eleitor. Oxalá Deus o ilumine para que ele saiba escolher bem o futuro condutor desse paupérrimo país!

(Artigo publicado na página 23, Internacional, do Correio Popular, em 29 de novembro de 1987).

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