Talento mercenário
Pedro J. Bondaczuk
Tempos atrás, ao encontrar-me com um amigo jornalista que não via há muito (o encontro deu-se num salão de barbeiro muito famoso na cidade), fizemos aquele contato inicial, digamos, protocolar. Primeiro, dissemos, um para o outro, as mentirinhas costumeiras, como “puxa, você não envelheceu”, ou “você está com boa aparência” e assim por diante.
Em seguida, trocamos informações sobre as respectivas famílias. Na sequência, a conversa derivou para nossas atividades. Nesta altura do papo, disse-lhe que estava lançando novo livro (na ocasião era o meu segundo, “Por uma nova utopia”), achando que receberia um montão de elogios do amigo e promessas de aquisição da obra e de divulgação, mesmo que feitas somente da “boca para fora”, sem a mínima intenção de cumprir.
Que nada! O tal do amigo (e trata-se, a despeito de tudo, de amigo mesmo, cuja amizade já foi testada e comprovada), com a franqueza que sempre o caracterizou, jogou uma ducha de água fria no meu entusiasmo, que chegava às raias da euforia. Fria somente não. Ducha gelada ou, como queiram (expressando-me no meu estilo um tanto exagerado que se vale a todo o momento de superlativos), ducha geladíssima.
Meu interlocutor olhou-me fixamente nos olhos, pôs a mão amigavelmente em meus ombros e soltou a bomba: “Sai dessa, Pedrão! Ser escritor é uma fria! Você conhece algum que seja rico, ou pelo menos remediado? Pois é, continue como jornalista que você se dará melhor. Olhe que você tem família grande para sustentar!”.
Meu amigo achava que por causa do lançamento do novo livro eu iria sair do jornal em que estava trabalhando para dedicar-me exclusivamente à literatura, como se isso fosse corriqueiro ou sequer possível no Brasil. Claro que eu não faria essa bobagem (como nunca fiz). Sempre fui um sujeito muito centrado, com os pés no chão e, apesar de sonhador, e de lutar pela concretização dos meus sonhos, sei distinguir as coisas. A intenção do amigo era a melhor possível, a de alertar-me para uma realidade que sempre conheci de sobejo: a de que em nosso país (e em várias outras partes do mundo), não dá para sobreviver “só” de literatura.
Por coincidência, nesse mesmo dia li numa reportagem da revista Manchete – que o barbeiro deixava à disposição dos clientes numa mesinha de centro enquanto estes esperavam a vez de cortar o cabelo e fazer a barba – dando conta de que os mais talentosos escritores norte-americanos estavam a soldo da indústria cinematográfica. Trabalhavam para os grandes estúdios de Hollywood, ora transformando livros famosos de clássicos da literatura em roteiros adaptados para o cinema e a televisão, ora produzindo os seus, originais e exclusivos.
Se nem na terra de Tio Sam, onde os homens de letras, convenhamos, são muito mais valorizados, eles não conseguem sobreviver só de literatura (claro que, como em tudo na vida, há exceções), que dirá no Brasil! Lá, quando o sujeito esgota uma edição de 50 mil exemplares, diz-se que seu livro foi um fracasso comercial. Há escritores absolutamente desconhecidos no exterior que esgotam edições de bolso de 50 milhões (sem nenhum exagero), vendidas, via de regra, em estações de metrô.
Outro amigo meu classificou os literatos contratados da indústria cinematográfica como “talentos mercenários”. Entende que literatura não é para dar lucro, mas, no máximo, para recuperar o investimento. Discordo! Quem foi que disse isso?! Quem estabeleceu (se é que alguém fez isso) que literatura não pode ou não deve gerar lucros? Sem estes, não apenas livros, como qualquer outro tipo de produção – artística ou não – torna-se inviável. Ademais, alguns desses escritores escrevem roteiros tão bons, tão instigantes e tão criativos, que fazem sucesso simultaneamente: no cinema e na literatura. Querem um exemplo? O falecido Sidney Sheldon. Poderia citar muitos outros, mas não o farei.
Em literatura, há duas espécies principais de livros: os de entretenimento, sem nenhuma preocupação de debater idéias e conceitos, e os que suscitam reflexões, informações e aprendizados, mesmo que se trate de obras de ficção. Ambas são literatura. Há alguns puristas, por exemplo, que se recusam a admitir o valor literário dos livros da grande dama do conto policial, Ágatha Christie. Ou de Arthur Conan Doyle, o criador do Sherlock Holmes. Ou, para citar nome mais contemporâneo, de Ian Fleming e do seu agente 007. Os mais enjoados chegam a contestar, até, Edgar Alan Poe. Aí já é passar dos limites!!!
Se acham que é fácil escrever para entreter o grande público, por que não tentam competir com esses escritores? Tentem! Vão quebrar a cara! Quanto aos que se dedicam exclusivamente ao cinema (alguns firmam contratos de exclusividade), estes souberam dar o passo certo e unir o útil ao agradável. A utilidade, óbvio, está nos altos salários que recebem, sem correr nenhum risco. O aspecto agradável, por sua vez, é estarem fazendo o que mais gostam e a atividade para a qual estão preparados: literatura.
No Brasil, infelizmente, quase não temos essa (e a rigor nenhuma outra) opção. Se quisermos um lugar ao sol, teremos que nos arriscar. Alguns (os que podem) criam as próprias editoras. Foi o caso, no passado, de Monteiro Lobato. Ou de Fernando Sabino e Rubem Braga, que se associaram numa empresa (que não foi muito longe), para publicar suas obras e as de amigos.
Outros (entre os quais, eu), a cada novo livro pronto, fazem a “romaria”, que nas suas vidas já virou rotina, às editoras, buscando convencer alguma delas a apostar em seu novo romance, ou conto ou no seu volume de poesias, com os riscos de encalhe inerentes, conseqüência das dificuldades, sobretudo, de distribuição e de divulgação. Considero o escritor brasileiro um herói, por desafiar todos os conhecidos (e os desconhecidos também) obstáculos e persistir em sua luta para poder fazer chegar o fruto do seu talento ao legítimo destinatário: o leitor.
Quem nos dera sermos “talentos mercenários”, como alguns críticos classificam os práticos homens de letras norte-americanos que conseguem transformar em dinheiro o produto do seu raciocínio e sua sensibilidade. Mesmo que queiramos fazer essa aposta, (infelizmente) não temos como. Aqui, temos que ser idealistas na marra!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
Tempos atrás, ao encontrar-me com um amigo jornalista que não via há muito (o encontro deu-se num salão de barbeiro muito famoso na cidade), fizemos aquele contato inicial, digamos, protocolar. Primeiro, dissemos, um para o outro, as mentirinhas costumeiras, como “puxa, você não envelheceu”, ou “você está com boa aparência” e assim por diante.
Em seguida, trocamos informações sobre as respectivas famílias. Na sequência, a conversa derivou para nossas atividades. Nesta altura do papo, disse-lhe que estava lançando novo livro (na ocasião era o meu segundo, “Por uma nova utopia”), achando que receberia um montão de elogios do amigo e promessas de aquisição da obra e de divulgação, mesmo que feitas somente da “boca para fora”, sem a mínima intenção de cumprir.
Que nada! O tal do amigo (e trata-se, a despeito de tudo, de amigo mesmo, cuja amizade já foi testada e comprovada), com a franqueza que sempre o caracterizou, jogou uma ducha de água fria no meu entusiasmo, que chegava às raias da euforia. Fria somente não. Ducha gelada ou, como queiram (expressando-me no meu estilo um tanto exagerado que se vale a todo o momento de superlativos), ducha geladíssima.
Meu interlocutor olhou-me fixamente nos olhos, pôs a mão amigavelmente em meus ombros e soltou a bomba: “Sai dessa, Pedrão! Ser escritor é uma fria! Você conhece algum que seja rico, ou pelo menos remediado? Pois é, continue como jornalista que você se dará melhor. Olhe que você tem família grande para sustentar!”.
Meu amigo achava que por causa do lançamento do novo livro eu iria sair do jornal em que estava trabalhando para dedicar-me exclusivamente à literatura, como se isso fosse corriqueiro ou sequer possível no Brasil. Claro que eu não faria essa bobagem (como nunca fiz). Sempre fui um sujeito muito centrado, com os pés no chão e, apesar de sonhador, e de lutar pela concretização dos meus sonhos, sei distinguir as coisas. A intenção do amigo era a melhor possível, a de alertar-me para uma realidade que sempre conheci de sobejo: a de que em nosso país (e em várias outras partes do mundo), não dá para sobreviver “só” de literatura.
Por coincidência, nesse mesmo dia li numa reportagem da revista Manchete – que o barbeiro deixava à disposição dos clientes numa mesinha de centro enquanto estes esperavam a vez de cortar o cabelo e fazer a barba – dando conta de que os mais talentosos escritores norte-americanos estavam a soldo da indústria cinematográfica. Trabalhavam para os grandes estúdios de Hollywood, ora transformando livros famosos de clássicos da literatura em roteiros adaptados para o cinema e a televisão, ora produzindo os seus, originais e exclusivos.
Se nem na terra de Tio Sam, onde os homens de letras, convenhamos, são muito mais valorizados, eles não conseguem sobreviver só de literatura (claro que, como em tudo na vida, há exceções), que dirá no Brasil! Lá, quando o sujeito esgota uma edição de 50 mil exemplares, diz-se que seu livro foi um fracasso comercial. Há escritores absolutamente desconhecidos no exterior que esgotam edições de bolso de 50 milhões (sem nenhum exagero), vendidas, via de regra, em estações de metrô.
Outro amigo meu classificou os literatos contratados da indústria cinematográfica como “talentos mercenários”. Entende que literatura não é para dar lucro, mas, no máximo, para recuperar o investimento. Discordo! Quem foi que disse isso?! Quem estabeleceu (se é que alguém fez isso) que literatura não pode ou não deve gerar lucros? Sem estes, não apenas livros, como qualquer outro tipo de produção – artística ou não – torna-se inviável. Ademais, alguns desses escritores escrevem roteiros tão bons, tão instigantes e tão criativos, que fazem sucesso simultaneamente: no cinema e na literatura. Querem um exemplo? O falecido Sidney Sheldon. Poderia citar muitos outros, mas não o farei.
Em literatura, há duas espécies principais de livros: os de entretenimento, sem nenhuma preocupação de debater idéias e conceitos, e os que suscitam reflexões, informações e aprendizados, mesmo que se trate de obras de ficção. Ambas são literatura. Há alguns puristas, por exemplo, que se recusam a admitir o valor literário dos livros da grande dama do conto policial, Ágatha Christie. Ou de Arthur Conan Doyle, o criador do Sherlock Holmes. Ou, para citar nome mais contemporâneo, de Ian Fleming e do seu agente 007. Os mais enjoados chegam a contestar, até, Edgar Alan Poe. Aí já é passar dos limites!!!
Se acham que é fácil escrever para entreter o grande público, por que não tentam competir com esses escritores? Tentem! Vão quebrar a cara! Quanto aos que se dedicam exclusivamente ao cinema (alguns firmam contratos de exclusividade), estes souberam dar o passo certo e unir o útil ao agradável. A utilidade, óbvio, está nos altos salários que recebem, sem correr nenhum risco. O aspecto agradável, por sua vez, é estarem fazendo o que mais gostam e a atividade para a qual estão preparados: literatura.
No Brasil, infelizmente, quase não temos essa (e a rigor nenhuma outra) opção. Se quisermos um lugar ao sol, teremos que nos arriscar. Alguns (os que podem) criam as próprias editoras. Foi o caso, no passado, de Monteiro Lobato. Ou de Fernando Sabino e Rubem Braga, que se associaram numa empresa (que não foi muito longe), para publicar suas obras e as de amigos.
Outros (entre os quais, eu), a cada novo livro pronto, fazem a “romaria”, que nas suas vidas já virou rotina, às editoras, buscando convencer alguma delas a apostar em seu novo romance, ou conto ou no seu volume de poesias, com os riscos de encalhe inerentes, conseqüência das dificuldades, sobretudo, de distribuição e de divulgação. Considero o escritor brasileiro um herói, por desafiar todos os conhecidos (e os desconhecidos também) obstáculos e persistir em sua luta para poder fazer chegar o fruto do seu talento ao legítimo destinatário: o leitor.
Quem nos dera sermos “talentos mercenários”, como alguns críticos classificam os práticos homens de letras norte-americanos que conseguem transformar em dinheiro o produto do seu raciocínio e sua sensibilidade. Mesmo que queiramos fazer essa aposta, (infelizmente) não temos como. Aqui, temos que ser idealistas na marra!!!
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