Friday, June 03, 2011







Pensamento em comunidade

Pedro J. Bondaczuk


O escritor é uma usina de idéias, ou pelo menos tem que ser, caso pretenda sustentar essa condição. Um dos seus maiores dramas, todavia, é quando se senta junto da sua mesa de trabalho, diante de uma folha de papel em branco, ou, o que é mais comum nesta era da informática, à frente da telinha do computador, mas não sabe o que escrever. Isso acontece. E ocorre com muito maior freqüência do que o leigo possa imaginar.

Às vezes, nem é falta de assunto. Não raro, o problema decorre exatamente por causa inversa a essa, ou seja, excesso de temas que se atropelam na mente do atônito redator, sem que este se decida por um. Boa parte das pessoas com as quais converso a respeito confessa que, em dias como esse, simplesmente desiste de escrever e vai fazer outra coisa.

E se o sujeito não pode adiar? Se tem compromisso com algum jornal, ou editora, ou seja lá com, quem for, de entregar o texto, pronto e revisado, naquele mesmo dia e tem poucas horas, ou nem isso, para cumprir a tarefa? Nesse caso, a crônica, artigo ou seja lá o que for têm que ser arrancados a fórceps. É o momento em que bate a insegurança. O redator opta por determinado assunto, mesmo achando que não o pesquisou o suficiente para não cometer erros de informação, respira fundo e põe mãos à obra, mesmo a contragosto.

A insegurança é a maior inimiga do escritor. Trata-se de conversa mole, dessas para boi dormir, a afirmação de alguns que, na hora que estão escrevendo, não estão nem aí para quem vai ler. Estão! Sempre estão! E esta é sua fonte de angústia. Não se dão conta de que, aquele texto que julgam vazio e sem paixão, e que não gostam quando dão por concluído, mas mesmo assim encaminham ao jornal, ou sabe-se lá para quem com o qual se comprometeu, é exatamente o que tende a agradar mais o leitor. É certo que isso nem sempre acontece. Mas, comigo, ocorre com tamanha freqüência, que até já considero uma espécie de regra.

Frustro-me, a todo o momento, com textos que elaboro com o máximo esmero, rigorosamente corretos em todos os aspectos, originais e criativos, que aprecio tanto a ponto de duvidar que fui eu que o produzi, e que, no entanto, merecem inúmeros reparos dos seus destinatários ou, pior, passam batidos, como se sequer tivessem sido escritos Isso é de doer! Como em tudo na vida, em literatura, também, há gostos para tudo.

Quanto a essa história de alguns, que garantem que quando estão escrevendo, não se preocupam nem um pouco com quem vai ler, é pura balela. Como não se preocupar?! Escrevemos sempre para os outros e não para o próprio deleite. Textos particulares, que não são voltados a olhares indiscretos, existem, sim, mas em bilhetes para a esposa ou empregada, em registros em nossos diários e coisas desse tipo. Mas os literários... ora, ora, ora, nenhum escritor é tão maluco a ponto de fazer literatura para si, e só para si! Isso não faz o menor sentido.

O filósofo Emmanuel Kant me dá razão, nesse aspecto (como se ainda fosse necessário buscar apoio tão ilustre para uma constatação tão óbvia). Escreveu: “Para onde iriam nossos pensamentos e qual seria sua justeza se não pudéssemos pensar de algum modo em comunidade com os outros; a quem comunicaríamos nossas reflexões, assim como eles informariam de suas idéias?”. Pois é, essa é a lógica. Esse é o objetivo da literatura, ou seja, o de “pensar em comunidade”.

Por tudo isso é que fico decepcionado (para não dizer furioso), quando escrevo textos que me dão trabalho imenso de pesquisa e de revisão, posto-os neste espaço, que como o próprio nome diz, é voltado, exclusivamente, à Literatura, e ninguém dá a mínima para eles. E quando reclamo dessa omissão, ainda há quem interprete minha reclamação como “surto exacerbado de vaidade”. Vaidoso eu sou, de fato, como ademais todo intelectual, e por extensão todo escritor, também o é. Mas o que me decepciona e irrita é a perda dessa preciosa oportunidade de “pensar em comunidade”, mencionada por Kant. E, pior, isso acontece num espaço que eu criei e que me dá tanto trabalho para manter.

Se pessoas cultas e com grande facilidade de expressão tratam a literatura com tamanho descaso e desdém, o que esperar da massa inculta e ignara? Podemos nos queixar do baixo índice de leitura do brasileiro se damos nossa parcela de contribuição nesse descaso, nesse desleixo, nesse relaxo cultural? Será que não estamos passando aquela mensagem subliminar do “faça o que falo, mas não o que faço?”.

Este espaço foi idealizado para ser interativo. À medida que deixa de ter essa interatividade, perde, até mesmo, a razão de existir. Exibir por exibir meus textos é coisa que, posso fazer em outros lugares com muito mais vantagens e menos trabalho do que aqui. Por isso renovo o apelo (mesmo ciente de pregar no deserto) para que os “participantes” deste espaço o sejam de fato. Ou seja, participem, ora bolas!

Ninguém está aqui buscando a fama, que é tremenda enganação e que frustra os que apostam nela. Aliás, Hannah Arendt escreveu a propósito: “Nada mais efêmero em nosso mundo, nada de mais precário que esta forma de conquista conferida pelo renome. Nada ocorre com tanta rapidez e facilidade do que o esquecimento”. Para sermos de vez esquecidos basta reles piscar de olhos. É só deixarmos de aparecer por certo tempo, ou de escrever, ou de nos comunicarmos, para que em três tempos esqueçam da nossa existência. Que tal pensarmos com maior freqüência em comunidade? Afinal, este é o objetivo primário de todos os tipos de comunicação, entre os quais, óbvio, a literatura.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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