Friday, February 17, 2012







Salvação por US$ 66

Pedro J. Bondaczuk

O mundo perde, a cada ano, 15 milhões de oportunidades de tornar-se melhor. Essa é a quantidade de crianças que morrem, anualmente, no Terceiro Mundo, vítimas de males fáceis de resolver, se houvesse realmente vontade para isso. Basta dizer que metade desse total, 7,5 milhões, são atingidas pela corriqueira desidratação. Ou seja, poderiam ser salvas mediante uma baratíssima solução salina a 10%, com um custo girando aí pelos US$ 5 por cabeça.

Das 7,5 milhões de crianças restantes, pelo menos 80% são vítimas da fome. Na atual crise de escassez de alimentos da Etiópia, um milhão delas morreram. E estabeleceu-se, finalmente, um alarido mundial para chamar a atenção para o problema, o que é muito saudável. E os outros 14 milhões de seres humanos em tenra idade que ficam sem a oportunidade de enfrentar esse fascinante desafio, que é a vida? Por que não se advoga a sua causa? E mais do que isso, por que não se procura uma solução para esse problema, se apenas US$ 1 bilhão seriam suficientes para evitar tamanha mortandade? Parece muito, não é verdade? Mas fazendo a devida divisão, iremos constatar que essa importância dará um custo de míseros US$ 66 per capita.

Será que uma vida não vale o dispêndio dessa importância? Ou, para o leitor ficar melhor situado, façamos a conversão para cruzeiros. Ao câmbio de hoje, o dólar está valendo Cr$ 3.008. Cada criança morta no Terceiro Mundo, vítima da desidratação e da subnutrição poderia ser salva, portanto, com o gasto de Cr$ 196.528. É caro, por um acaso? A sua vida, por exemplo (que é exatamente igual em importância a das criancinhas mortas) não vale infinitamente mais do que isso? Existe preço que pague a chance de se viver?

Não tenham dúvida, a humanidade está perdendo, anualmente, 15 milhões de oportunidades para se tornar melhor. Digamos que apenas 1% desse mesmo potencial humano desperdiçado chegasse a ser, de alguma forma, útil à sociedade. Ainda assim, 150 mil possíveis Einsteins, Göethes, Gandhis, Dostoievskys e Machados de Assis deixam de existir a cada 365 dias. Não obtêm as chances para criar, pensar, construir, exortar ou, enfim, apenas viver. E tudo isso porque não se quer gastar míseros US$ 66...

(Artigo publicado na página 13, de Internacional, do Correio Popular, em 20 de dezembro de 1984)

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