Dívida social tem prioridade
Pedro J. Bondaczuk
Os bancos privados internacionais manifestaram decepção, conforme já se esperava, em relação à proposta brasileira para a renegociação da dívida externa. Contavam receber já os juros atrasados e preparam-se, por isso, para rejeitar em bloco o plano apresentado pelo governo Collor, sem maiores considerações.
Muitos "advogados" gratuitos dos banqueiros já estão murmurando, achando que o Brasil deve honrar esse compromisso a qualquer custo. E apontam um milhão de ameaças a que o País estaria exposto caso não agisse assim. Para estes, que são pródigos em apontar nossas falhas e carências (num exercício inútil, pois isto estamos cansados de saber), é recomendável ler os relatórios da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, FAO, e o estudo do Banco Mundial, elaborado por Bertrand Dolpeuch, intitulado "O Desafio Alimentar Norte-Sul". Eles mostram as dimensões da nossa dívida social.
A "Folha de S. Paulo" de ontem ressaltou, numa matéria baseada nestes dois documentos, que pelo menos 53 milhões de brasileiros passam fome. Ou seja, quatro em cada dez cidadãos mal conseguem tapear o estômago diariamente para sobreviver, nutridos tão somente da esperança de que um dia as coisas vão melhorar. Quando? Não sabem!
Os críticos dirão: "Esse pessoal não gosta de trabalhar. Eu ganho, e bem, o meu sustento". É comum se ouvir isso quando o problema é levantado. Mas quando se conhece o retrospecto de muitos desses, se percebe que por trás deles houve alguém. Ou um pai, que lhes deu tudo o que queriam e até o que não queriam na infância (às vezes tendo que passar fome para o filho não ter privações), ou um tio, ou coisa que o valha. Não se contesta isso.
O contestável e condenável é sua insensibilidade. Esses 40% da população que integram o contingente de famintos têm um chefe de família que trabalha. E isto é que se torna mais perverso. O fruto de seu esforço não dá sequer para esse cidadão comer e alimentar os que dependem dele.
Os US$ 2 bilhões que o Brasil estava disposto a pagar neste ano aos bancos credores, num endividamento feito sem que ninguém pedisse o consentimento das pessoas encarregadas do pagamento da conta e que, como mostram os citados relatórios, não se beneficiaram com absolutamente nada do dinheiro que agora lhes cobram, podem salvar, caso haja boa vontade política, parte das 840 mil crianças entre um e quatro anos de idade e 420 recém nascidos que a FAO e o Banco Mundial estimam que devem morrer no corrente ano, de fome e de suas seqüelas. Que temos de pagar o que devemos, não há dúvidas, já que não somos caloteiros. Mas isso tem que ser feito sem que tiremos o pão da boca de nossos filhos.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de outubro de 1990).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
Os bancos privados internacionais manifestaram decepção, conforme já se esperava, em relação à proposta brasileira para a renegociação da dívida externa. Contavam receber já os juros atrasados e preparam-se, por isso, para rejeitar em bloco o plano apresentado pelo governo Collor, sem maiores considerações.
Muitos "advogados" gratuitos dos banqueiros já estão murmurando, achando que o Brasil deve honrar esse compromisso a qualquer custo. E apontam um milhão de ameaças a que o País estaria exposto caso não agisse assim. Para estes, que são pródigos em apontar nossas falhas e carências (num exercício inútil, pois isto estamos cansados de saber), é recomendável ler os relatórios da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, FAO, e o estudo do Banco Mundial, elaborado por Bertrand Dolpeuch, intitulado "O Desafio Alimentar Norte-Sul". Eles mostram as dimensões da nossa dívida social.
A "Folha de S. Paulo" de ontem ressaltou, numa matéria baseada nestes dois documentos, que pelo menos 53 milhões de brasileiros passam fome. Ou seja, quatro em cada dez cidadãos mal conseguem tapear o estômago diariamente para sobreviver, nutridos tão somente da esperança de que um dia as coisas vão melhorar. Quando? Não sabem!
Os críticos dirão: "Esse pessoal não gosta de trabalhar. Eu ganho, e bem, o meu sustento". É comum se ouvir isso quando o problema é levantado. Mas quando se conhece o retrospecto de muitos desses, se percebe que por trás deles houve alguém. Ou um pai, que lhes deu tudo o que queriam e até o que não queriam na infância (às vezes tendo que passar fome para o filho não ter privações), ou um tio, ou coisa que o valha. Não se contesta isso.
O contestável e condenável é sua insensibilidade. Esses 40% da população que integram o contingente de famintos têm um chefe de família que trabalha. E isto é que se torna mais perverso. O fruto de seu esforço não dá sequer para esse cidadão comer e alimentar os que dependem dele.
Os US$ 2 bilhões que o Brasil estava disposto a pagar neste ano aos bancos credores, num endividamento feito sem que ninguém pedisse o consentimento das pessoas encarregadas do pagamento da conta e que, como mostram os citados relatórios, não se beneficiaram com absolutamente nada do dinheiro que agora lhes cobram, podem salvar, caso haja boa vontade política, parte das 840 mil crianças entre um e quatro anos de idade e 420 recém nascidos que a FAO e o Banco Mundial estimam que devem morrer no corrente ano, de fome e de suas seqüelas. Que temos de pagar o que devemos, não há dúvidas, já que não somos caloteiros. Mas isso tem que ser feito sem que tiremos o pão da boca de nossos filhos.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de outubro de 1990).
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