Comunicadores de enigmas
Pedro J. Bondaczuk
O escritor é, mesmo, um sujeito “enxerido”. Quer saber de tudo, mesmo que saiba pouquíssimo. É, pois, nesse aspecto, igual a qualquer outra pessoa. A curiosidade é a característica fundamental do ser humano. Foi ela a principal responsável por tirá-lo da caverna primitiva e fazê-lo evoluir ao estágio em que está. Para muitos, o modo de vida do tal do Homo Sapiens, hoje, é mais um retrocesso do que progresso. Mas essa é uma história para ser debatida em outra ocasião.
No que, todavia, o escritor se diferencia das demais pessoas, que não exercem e nem pretendem exercer essa atividade, como notório “caçador de enigmas”? Ele não se contenta em especular, somente para si, a respeito de tudo e de todos. Sente irresistível necessidade de “comunicar” essas especulações para os outros. E quanto mais estes outros forem, melhor. Seu ideal seria que os receptores dessa comunicação fossem “todos”, o que não passa, claro, de sonho, de fantasia. O escritor é, pois, sobretudo, não somente o “caçador”, mas o “comunicador” de enigmas.
Temas para que especule é que não lhe faltam. São, literalmente, infinitos. Ele teria que ser eterno para abordar todos. Evidentemente, não é. A vida apresenta infinitas perguntas e, praticamente, nenhuma resposta conclusiva. Tudo o que somos, vemos, ouvimos, sentimos, pensamos e imaginamos é um monstruosamente grande (provavelmente infinito) enigma.
Tenho enfatizado, vezes sem conta, que nem mesmo as três grandes e elementares questões que desafiam o homem, desde que adquiriu a faculdade de pensar, ou seja, o que somos, onde estamos e para onde vamos, foram respondidas. Tem-se “tentado” respondê-las, é verdade, mas nenhuma, rigorosamente nenhuma dessas respostas soa minimamente convincente. E muito menos foi comprovada sem deixar a mais remota sombra de dúvidas. Todas as três questões estão envoltas (ainda) em absoluto mistério.
O que sabemos, a propósito, não passa, insisto, de mera especulação, com alguns fragmentos de informações objetivas. E é bom que assim seja. Estas perguntas da vida estimulam nosso cérebro e aumentam nosso nível de percepção e inteligência. Sempre que a ciência obtém alguma resposta, esta vem acompanhada de centenas, de milhares, de milhões, de bilhões, de quintilhões etc. de novas perguntas. Em todas suas conclusões há alguma pontinha (na verdade “pontona”) de dúvida. Há questões que invadem o nebuloso campo da fé. Exigem de nós que acreditemos em meras evidências (não raro nem estas), pela impossibilidade de obter certezas, sem ousar duvidar. Mas essa crença sem restrições contraria a natureza humana. Não creio que alguém a nutra, embora muitos jurem que sim.
A dúvida, no entanto, desde que razoável, não é falta de fé, que para ser poderosa e remover montanhas, não pode ser cega. Tem que contar com alicerces sólidos que a tornem imbatível. Mas não se pode estacionar nela. E, reitero, não creio que alguém estacione, mesmo que afirme que sim. Há enorme distância entre assegurar aos outros que se crê em algo sem nenhuma restrição e de fato crer dessa forma. Nem tudo o que dizemos é o que de fato pensamos e vice-versa. E como ninguém tem a capacidade de ler pensamentos...
Devemos, isto sim, procurar nos convencer, com evidências sólidas, de que é verdade o que ainda duvidamos. E quando (ou se) convencidos, aí sim tirar conclusões, mediante argumentos lógicos e raciocínio abrangente. Após contar com essa inabalável convicção, contudo, não há mais porque duvidar. Desse convencimento é que nasce a fé inabalável, das tais que operam maravilhas e nos tornam seguros e confiantes face às inúmeras batalhas da vida.
Cito, a propósito, recomendação do escritor português Agostinho da Silva, que já citei várias vezes, em textos anteriores, mas que nunca é demais repetir, por sua pertinência. Ela consta do livro “Textos e ensaios filosóficos” e diz: “... Acredite fundamentalmente na dúvida construtiva e daí parta para certezas que nunca deixe de ver como provisórias, exceto uma, a de que é capaz de compreender tudo o que for compreensível. Ao resto porá de lado até que o seja, até que possa pôr nos pratos da sua balancinha de razão”.
Isso é cepticismo? Até certo ponto, é! O editor-chefe da revista “Skeptic”, Michael Shermer, observou, em entrevista publicada no suplemento “Mais”, do jornal Folha de S. Paulo, em 14 de setembro de 2001: “Todo material céptico é ciência. Cientistas são cépticos. É lamentável que a palavra ‘céptico’ tenha recebido outras conotações na cultura envolvendo niilismo e cinismo. Realmente, em seu significado puro e original, quer dizer somente questionamento bem pensado”.
A dúvida, pois, não é, como muitos (erroneamente) pensam, reitero, o oposto de fé. Duvidar não é, necessariamente, descrer liminarmente. Posso acreditar em alguma coisa e, ainda assim, encontrar vários pontos obscuros, duvidosos, que requeiram pleno esclarecimento. A dúvida é, sobretudo, necessidade que as pessoas têm (ou deveriam ter) de ser convencidas de que determinadas idéias e conceitos são verdadeiros, mesmo que não comprováveis.
Há coisas que não se podem demonstrar e que, ainda assim, estamos convictos de serem corretas, apenas por intuição. Trata-se, sobretudo, da atitude que se requer, insisto, do cientista, do filósofo (e do artista, notadamente do escritor, esse renitente “enxerido”, por que não?). Recordo, para fundamentar minha opinião, que Blaisé Pascal propõe, como premissa do seu método para chegar ao conhecimento e à verdade, a negação apriorística de tudo, até da própria existência. Feito isso, no seu entender, deve-se refletir e se chegar à conclusão original, que nos sirva de ponto de partida para todas as demais: “Cogito, ergo sum”. Ou seja, “penso, logo existo”. Este é o caminho para a sabedoria e não a crença cega e sem fundamento, confundida, não raro, com a fé.
O escritor italiano Alberto Morávia (que não foi cientista, mas um “enxerido” como nós, que exercemos esta atividade), fez esta pitoresca analogia: “Existe na ciência uma curiosidade, uma curiosidade enorme que, em relação à natureza, é parecida com a curiosidade do ‘voyeur’. A ciência quer conhecer, quer ver algo que é proibido, o mistério da composição da matéria”. E não tem razão? Da minha parte, creio que sim.
A esse propósito, o eminente agrônomo e ecologista brasileiro, José Lutzenberger (falecido em 2002), observou: “Ciência não é, como muitos pensam, o simples acúmulo de conhecimentos e informação. Ciência é uma disciplina, um método, um caminho para conduzir o diálogo com o Universo”. Por conseqüência dessa definição, definiu assim quem exerce essa atividade: “Para ser um verdadeiro cientista, você tem que adotar uma série de disciplinas e virtudes. Primeiro, precisa travar um diálogo limpo e absolutamente honesto com o Universo. O cientista que mente, que trapaceia, deixa de ser um cientista – no mínimo enquanto estiver mentindo ou trapaceando. É uma decisão ética. Emocional. Então, como a ciência pode ser fria? A ciência é o valor em si mesma!” E não é?! Voltarei a este tema com novas reflexões.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O escritor é, mesmo, um sujeito “enxerido”. Quer saber de tudo, mesmo que saiba pouquíssimo. É, pois, nesse aspecto, igual a qualquer outra pessoa. A curiosidade é a característica fundamental do ser humano. Foi ela a principal responsável por tirá-lo da caverna primitiva e fazê-lo evoluir ao estágio em que está. Para muitos, o modo de vida do tal do Homo Sapiens, hoje, é mais um retrocesso do que progresso. Mas essa é uma história para ser debatida em outra ocasião.
No que, todavia, o escritor se diferencia das demais pessoas, que não exercem e nem pretendem exercer essa atividade, como notório “caçador de enigmas”? Ele não se contenta em especular, somente para si, a respeito de tudo e de todos. Sente irresistível necessidade de “comunicar” essas especulações para os outros. E quanto mais estes outros forem, melhor. Seu ideal seria que os receptores dessa comunicação fossem “todos”, o que não passa, claro, de sonho, de fantasia. O escritor é, pois, sobretudo, não somente o “caçador”, mas o “comunicador” de enigmas.
Temas para que especule é que não lhe faltam. São, literalmente, infinitos. Ele teria que ser eterno para abordar todos. Evidentemente, não é. A vida apresenta infinitas perguntas e, praticamente, nenhuma resposta conclusiva. Tudo o que somos, vemos, ouvimos, sentimos, pensamos e imaginamos é um monstruosamente grande (provavelmente infinito) enigma.
Tenho enfatizado, vezes sem conta, que nem mesmo as três grandes e elementares questões que desafiam o homem, desde que adquiriu a faculdade de pensar, ou seja, o que somos, onde estamos e para onde vamos, foram respondidas. Tem-se “tentado” respondê-las, é verdade, mas nenhuma, rigorosamente nenhuma dessas respostas soa minimamente convincente. E muito menos foi comprovada sem deixar a mais remota sombra de dúvidas. Todas as três questões estão envoltas (ainda) em absoluto mistério.
O que sabemos, a propósito, não passa, insisto, de mera especulação, com alguns fragmentos de informações objetivas. E é bom que assim seja. Estas perguntas da vida estimulam nosso cérebro e aumentam nosso nível de percepção e inteligência. Sempre que a ciência obtém alguma resposta, esta vem acompanhada de centenas, de milhares, de milhões, de bilhões, de quintilhões etc. de novas perguntas. Em todas suas conclusões há alguma pontinha (na verdade “pontona”) de dúvida. Há questões que invadem o nebuloso campo da fé. Exigem de nós que acreditemos em meras evidências (não raro nem estas), pela impossibilidade de obter certezas, sem ousar duvidar. Mas essa crença sem restrições contraria a natureza humana. Não creio que alguém a nutra, embora muitos jurem que sim.
A dúvida, no entanto, desde que razoável, não é falta de fé, que para ser poderosa e remover montanhas, não pode ser cega. Tem que contar com alicerces sólidos que a tornem imbatível. Mas não se pode estacionar nela. E, reitero, não creio que alguém estacione, mesmo que afirme que sim. Há enorme distância entre assegurar aos outros que se crê em algo sem nenhuma restrição e de fato crer dessa forma. Nem tudo o que dizemos é o que de fato pensamos e vice-versa. E como ninguém tem a capacidade de ler pensamentos...
Devemos, isto sim, procurar nos convencer, com evidências sólidas, de que é verdade o que ainda duvidamos. E quando (ou se) convencidos, aí sim tirar conclusões, mediante argumentos lógicos e raciocínio abrangente. Após contar com essa inabalável convicção, contudo, não há mais porque duvidar. Desse convencimento é que nasce a fé inabalável, das tais que operam maravilhas e nos tornam seguros e confiantes face às inúmeras batalhas da vida.
Cito, a propósito, recomendação do escritor português Agostinho da Silva, que já citei várias vezes, em textos anteriores, mas que nunca é demais repetir, por sua pertinência. Ela consta do livro “Textos e ensaios filosóficos” e diz: “... Acredite fundamentalmente na dúvida construtiva e daí parta para certezas que nunca deixe de ver como provisórias, exceto uma, a de que é capaz de compreender tudo o que for compreensível. Ao resto porá de lado até que o seja, até que possa pôr nos pratos da sua balancinha de razão”.
Isso é cepticismo? Até certo ponto, é! O editor-chefe da revista “Skeptic”, Michael Shermer, observou, em entrevista publicada no suplemento “Mais”, do jornal Folha de S. Paulo, em 14 de setembro de 2001: “Todo material céptico é ciência. Cientistas são cépticos. É lamentável que a palavra ‘céptico’ tenha recebido outras conotações na cultura envolvendo niilismo e cinismo. Realmente, em seu significado puro e original, quer dizer somente questionamento bem pensado”.
A dúvida, pois, não é, como muitos (erroneamente) pensam, reitero, o oposto de fé. Duvidar não é, necessariamente, descrer liminarmente. Posso acreditar em alguma coisa e, ainda assim, encontrar vários pontos obscuros, duvidosos, que requeiram pleno esclarecimento. A dúvida é, sobretudo, necessidade que as pessoas têm (ou deveriam ter) de ser convencidas de que determinadas idéias e conceitos são verdadeiros, mesmo que não comprováveis.
Há coisas que não se podem demonstrar e que, ainda assim, estamos convictos de serem corretas, apenas por intuição. Trata-se, sobretudo, da atitude que se requer, insisto, do cientista, do filósofo (e do artista, notadamente do escritor, esse renitente “enxerido”, por que não?). Recordo, para fundamentar minha opinião, que Blaisé Pascal propõe, como premissa do seu método para chegar ao conhecimento e à verdade, a negação apriorística de tudo, até da própria existência. Feito isso, no seu entender, deve-se refletir e se chegar à conclusão original, que nos sirva de ponto de partida para todas as demais: “Cogito, ergo sum”. Ou seja, “penso, logo existo”. Este é o caminho para a sabedoria e não a crença cega e sem fundamento, confundida, não raro, com a fé.
O escritor italiano Alberto Morávia (que não foi cientista, mas um “enxerido” como nós, que exercemos esta atividade), fez esta pitoresca analogia: “Existe na ciência uma curiosidade, uma curiosidade enorme que, em relação à natureza, é parecida com a curiosidade do ‘voyeur’. A ciência quer conhecer, quer ver algo que é proibido, o mistério da composição da matéria”. E não tem razão? Da minha parte, creio que sim.
A esse propósito, o eminente agrônomo e ecologista brasileiro, José Lutzenberger (falecido em 2002), observou: “Ciência não é, como muitos pensam, o simples acúmulo de conhecimentos e informação. Ciência é uma disciplina, um método, um caminho para conduzir o diálogo com o Universo”. Por conseqüência dessa definição, definiu assim quem exerce essa atividade: “Para ser um verdadeiro cientista, você tem que adotar uma série de disciplinas e virtudes. Primeiro, precisa travar um diálogo limpo e absolutamente honesto com o Universo. O cientista que mente, que trapaceia, deixa de ser um cientista – no mínimo enquanto estiver mentindo ou trapaceando. É uma decisão ética. Emocional. Então, como a ciência pode ser fria? A ciência é o valor em si mesma!” E não é?! Voltarei a este tema com novas reflexões.
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