Sunday, February 19, 2012







Operação nebulosa


Pedro J. Bondaczuk


O fim do seqüestro (ocorrido na terça-feira) do transatlântico italiano Achille Lauro, em cujo desenvolvimento houve apenas uma vítima fatal a lamentar, está produzindo muitas dúvidas e indagações no mundo todo.

A informação prestada pelas agências noticiosas deu conta de que os seqüestradores exigiram, anteontem, como única condição para libertar seus 511 reféns, um salvo-conduto que lhes permitisse deixar o Egito sem que fossem molestados por ninguém. Segundo se informou, anteontem mesmo eles teriam abandonado a região, rumando para a Tunísia.

Essa versão foi, inclusive, a confirmada ontem, no Cairo, pelo presidente egípcio, Hosni Mubarak, que acrescentou ter deixado os extremistas partir por desconhecer na oportunidade o assassinato do ancião norte-americano Leon Klinghoffer, de 69 anos, indefeso em sua cadeira de rodas.

Estranha-se, porém, essa declaração do governante do Egito, principalmente quando se sabe que as manchetes de todos os jornais de quarta-feira davam conta exatamente dessa morte. Aliás, veiculou-se, então, que as vítimas fatais dos extremistas teriam sido dois norte-americanos. É até possível, portanto, que haja ainda um assassinato para ser anunciado e esclarecido.

Outro ponto obscuro da questão é quanto ao paradeiro dos piratas palestinos. Enquanto Mubarak garante que eles já deixaram território egípcio, sob a custódia de membros da OLP, tendo rumado para Tunis, o líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat, afirma desconhecer onde estão os extremistas.

E o presidente norte-americano Ronald Reagan desconfia que eles ainda estejam no Cairo, dando a entender que o governante do Egito pode estar dando cobertura a esses indivíduos, insinuação essa semelhante à de uma nota da Secretaria de Relações Exteriores da Grã-Bretanha.

Esta, inclusive, foi um pouquinho além e recordou a Mubarak que ele firmou um documento, em 1979, para coibir o terrorismo, que prevê a extradição de terroristas envolvidos em seqüestros ou julgamento deles no próprio país onde seus delitos foram cometidos.

Finalmente, o terceiro ponto que chama a atenção do observador é quanto à possível participação da OLP no incidente. Versões que circularam ontem garantem que Yasser Arafat não apenas tinha conhecimento da operação, praticada por extremistas que afirmaram pertencer à Frente para a Libertação da Palestina, como aprovou pessoalmente a ação.

Aliás, conforme um telefonema anônimo, recebido por agências ocidentais em Beirute, o alvo original dos terroristas não era sequer o navio italiano. A intenção dos piratas era alcançar a cidade israelense de Ashdod para atacar um grande alvo militar, em represália pelo bombardeio da sede da OLP em Tunis, no início deste mês. No meio do caminho, suas armas e explosivos teriam sido descobertos pela tripulação do Achille Lauro, forçando-os ao seqüestro da embarcação.

Arafat, desde o princípio do incidente, buscou, publicamente (e por razões óbvias), desvincular-se da operação. Afinal, está procurando obter um vital apoio da ONU e de Reagan para uma iniciativa de paz com Tel Aviv, em colaboração com a Jordânia.

Só que colocou ênfase demasiada em negar sua participação, só conseguindo, com isso, atrair suspeitas sobre si. A chancelaria israelense vai mais longe e garante: "Temos provas completas, absolutas e irrefutáveis de que Arafat sabia da operação".

Diante de tudo isso, não será surpresa para ninguém se Israel realizar, nos próximos dias, qualquer ação espetacular contra os palestinos. E pelo estado de ânimo do primeiro-ministro Shimon Peres, revoltado com a morte do norte-americano, de ascendência judia, Leon Klinghoffer, esta deverá ser dura e contundente. É o Oriente Médio de sempre, afinal, que após um rebate falso de pacificação, retorna à sua velha rotina de violência de quase quarenta anos...

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 11 de outubro de 1985)

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