Problemática ilha
Pedro J. Bondaczuk
O Sri Lanka, antigo Ceilão, embora sendo uma ilha relativamente pequena, localizada no extremo Sul da Índia, é bastante populoso e repleto de problemas. Com 66.610 quilômetros quadrados, abriga uma população de 15,3 milhões, dos quais, pouco mais de um terço, 3,98 milhões, residem na capital, Colombo.
O grande problema cingalês, todavia, não é sua superpopulação, mas o fato de que 11% dos seus habitantes querem criar um novo país na ilha. São os tamis, originários da Índia, que seguem a religião hinduísta e têm língua e costumes próprios. É uma comunidade fechada.
Toda a raiz do presente conflito pode ser localizada no ano de 1948. A colônia do Ceilão caiu sob o domínio inglês em 1815, quando o leão britânico estava no auge da expansão do seu vasto império, “onde o sol jamais se punha”, como afirmavam, orgulhosos, os súditos da Rainha Vitória.
Já nesse período, uma parte da etnia tamil habitava a ilha, originária do extremo Sul indiano.; Em 1948, um ano depois de perder a Índia e o Paquistão, orgulhos coloniais de Londres, a Grã-Bretanha decidia desfazer-se, também, do Ceilão.
Afinal, em termos de vantagens comerciais (ou predatórias), pouca coisa ela poderia esperar desse quase enclave, escondido sob a sombra de um autêntico subcontinente, em pleno Oceano Índico.
A produção cingalesa de chá, de arroz, de borracha e de coco não era algo que não fosse possível de ser substituído por importações de outra procedência, de locais até mais próximos, e que, por isso, saía mais em conta.
Mas a independência concedida pelos britânicos, em 1948, não seria completa. O Ceilão continuava sob a Coroa da Grã-Bretanha, com o status de domínio, integrando, portanto, a British Commonwealth. Assim que os cingaleses assumiram as rédeas de seus próprios destinos, tomaram uma atitude discriminatória e inexplicável em relação aos membros da etnia tamil, 22% da população.
Dividiram-na em dois grupos, exatamente pela metade. Um, que já havia assimilado a cultura da ilha, composto por pessoas que moravam no Ceilão há pelo menos um século, ganhou direitos civis idênticos aos naturais da região. Foram os hoje chamados “tamis-cingaleses”. A outra metade, recém chegada da Índia, os tamis-indianos, acabou compulsoriamente cassada em seus direitos civis, situação que persiste até hoje.
Foi dí que surgiu o sentimento separatista nessa comunidade. E esse ideal, da criação de um Estado autônomo, que se chamaria Eelam Tamil, uniu as duas facções da etnia. Daí, à luta armada, foi um pequeno passo. Em 1972, o Ceilão desligou-se da Commonwealth e tornou-se República, sendo rebatizado com o nome de Sri Lanka.
Mas a mentalidade divisionista permaneceu. Até se acentuou. A luta armada surgiu com a criação da Frente Tamil Unificada. Conflitos imensos passaram a ensangüentar a ilha. Os cingaleses, budistas convictos, passaram a ver na expulsão dos desafetos do seu território a solução para o impasse.
Situações críticas, onde o governo se viu forçado a declarar o país em estado de emergência, se repetiram. Como em julho de 1979. Ou a de 17 de agosto de 1981. O fato é que atualmente as posições tornaram-se virtualmente inconciliáveis. E esse país pobre e atormentado, cuja renda per capita anual não passa dos irrisórios US$ 290 (15 vezes menor do que a brasileira), vê preciosos recursos sendo destruídos em insensatos atos de terror.
Tudo leva a crer que após o morticínio de ontem, em Anuradhapura, capital da Província Norte-Central, o Sri Lanka esteja perto, muito perto de uma guerra civil total, de conseqüências que analista algum tem condições de prever.
Essa é, portanto, mais uma das seqüelas indesejáveis da caolha política colonialista imposta pelos países grandes da Europa, no século passado, e cujos reflexos tendem a perdurar “per omnia seculum”.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 15 de maio de 1985).
Pedro J. Bondaczuk
O Sri Lanka, antigo Ceilão, embora sendo uma ilha relativamente pequena, localizada no extremo Sul da Índia, é bastante populoso e repleto de problemas. Com 66.610 quilômetros quadrados, abriga uma população de 15,3 milhões, dos quais, pouco mais de um terço, 3,98 milhões, residem na capital, Colombo.
O grande problema cingalês, todavia, não é sua superpopulação, mas o fato de que 11% dos seus habitantes querem criar um novo país na ilha. São os tamis, originários da Índia, que seguem a religião hinduísta e têm língua e costumes próprios. É uma comunidade fechada.
Toda a raiz do presente conflito pode ser localizada no ano de 1948. A colônia do Ceilão caiu sob o domínio inglês em 1815, quando o leão britânico estava no auge da expansão do seu vasto império, “onde o sol jamais se punha”, como afirmavam, orgulhosos, os súditos da Rainha Vitória.
Já nesse período, uma parte da etnia tamil habitava a ilha, originária do extremo Sul indiano.; Em 1948, um ano depois de perder a Índia e o Paquistão, orgulhos coloniais de Londres, a Grã-Bretanha decidia desfazer-se, também, do Ceilão.
Afinal, em termos de vantagens comerciais (ou predatórias), pouca coisa ela poderia esperar desse quase enclave, escondido sob a sombra de um autêntico subcontinente, em pleno Oceano Índico.
A produção cingalesa de chá, de arroz, de borracha e de coco não era algo que não fosse possível de ser substituído por importações de outra procedência, de locais até mais próximos, e que, por isso, saía mais em conta.
Mas a independência concedida pelos britânicos, em 1948, não seria completa. O Ceilão continuava sob a Coroa da Grã-Bretanha, com o status de domínio, integrando, portanto, a British Commonwealth. Assim que os cingaleses assumiram as rédeas de seus próprios destinos, tomaram uma atitude discriminatória e inexplicável em relação aos membros da etnia tamil, 22% da população.
Dividiram-na em dois grupos, exatamente pela metade. Um, que já havia assimilado a cultura da ilha, composto por pessoas que moravam no Ceilão há pelo menos um século, ganhou direitos civis idênticos aos naturais da região. Foram os hoje chamados “tamis-cingaleses”. A outra metade, recém chegada da Índia, os tamis-indianos, acabou compulsoriamente cassada em seus direitos civis, situação que persiste até hoje.
Foi dí que surgiu o sentimento separatista nessa comunidade. E esse ideal, da criação de um Estado autônomo, que se chamaria Eelam Tamil, uniu as duas facções da etnia. Daí, à luta armada, foi um pequeno passo. Em 1972, o Ceilão desligou-se da Commonwealth e tornou-se República, sendo rebatizado com o nome de Sri Lanka.
Mas a mentalidade divisionista permaneceu. Até se acentuou. A luta armada surgiu com a criação da Frente Tamil Unificada. Conflitos imensos passaram a ensangüentar a ilha. Os cingaleses, budistas convictos, passaram a ver na expulsão dos desafetos do seu território a solução para o impasse.
Situações críticas, onde o governo se viu forçado a declarar o país em estado de emergência, se repetiram. Como em julho de 1979. Ou a de 17 de agosto de 1981. O fato é que atualmente as posições tornaram-se virtualmente inconciliáveis. E esse país pobre e atormentado, cuja renda per capita anual não passa dos irrisórios US$ 290 (15 vezes menor do que a brasileira), vê preciosos recursos sendo destruídos em insensatos atos de terror.
Tudo leva a crer que após o morticínio de ontem, em Anuradhapura, capital da Província Norte-Central, o Sri Lanka esteja perto, muito perto de uma guerra civil total, de conseqüências que analista algum tem condições de prever.
Essa é, portanto, mais uma das seqüelas indesejáveis da caolha política colonialista imposta pelos países grandes da Europa, no século passado, e cujos reflexos tendem a perdurar “per omnia seculum”.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 15 de maio de 1985).
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