Saturday, February 18, 2012







Nossas Babéis de cada dia

Pedro J. Bondaczuk


As cidades, como as conhecemos, são um fenômeno, do ponto de vista histórico, relativamente recente. Datam de 35 a 40 séculos, se tanto (um pouco mais ou um pouco menos, mas nesse limite). Parece muito tempo, mas em termos de História, é um verdadeiro “ontem”. Um quase nada.

As primeiras cidades, muitíssimo diferentes das megalópoles atuais – como a Cidade do México, Nova York, São Paulo, Xangai, Tóquio, Londres etc. – eram (e não poderia ser diferente) muito distintas das atuais em sua concepção, infraestrutura e administração. Eram literalmente gigantescas “fortalezas” e seu objetivo principal era o de garantir, sobretudo, segurança aos moradores. As de hoje, todavia, podem oferecer (e oferecem) de tudo. De tudo... menos segurança. Ou seja, são (salvo honrosas exceções), violentas, inseguras, irritantes, estressantes, enlouquecedoras e, no entanto... Seus habitantes sequer cogitam, nem mesmo remotamente em outro tipo de vida, se não o que levam nessas megaprisões de cimento e asfalto. Não, pelo menos, seriamente.

As primeiras cidades surgiram, nos primórdios do que se convencionou chamar de “civilização”, reitero, basicamente com o objetivo de proporcionar além de conforto, segurança aos moradores. Tinham função de proteger pessoas, em geral de um mesmo clã, que se dedicavam às então incipientes atividades da agricultura e da pecuária, de ataques de grupos inimigos.

Protegiam-nas, das ameaças externas,com suas muralhas quase inexpugnáveis. Defendiam-nas, das ameaças internas, com os embriões do que viria a se transformar na instituição do “exército” – e posteriormente da “polícia” (de “pólis” = cidade). Repeliam investidas de grupos nômades, bandoleiros sem regras, que viviam da força bruta e da rapina. E protegiam daqueles que pretendessem se prevalecer da força bruta para, principalmente, se apropriar do patrimônio alheio.

As primeiras cidades abrigavam apenas umas poucas dezenas de moradores e eram como uma única e gigantesca casa, cujas demais moradias faziam o papel de amplos cômodos e eram interligadas num único bloco. Hoje, como observamos, algumas são tão grandes, que têm populações equivalentes às de alguns países! São Paulo, por exemplo, e somente sua área urbana, tem praticamente o dobro dos habitantes de Portugal inteiro. Imaginem a Cidade do México, com população superior a 24 milhões de pessoas em sua área metropolitana! O estranho de tudo isso é que essas cidades gigantescas não param de crescer, a despeito dos inconvenientes do seu gigantismo.

Lemos, na Bíblia, a alegoria da Torre de Babel. De acordo com a narrativa bíblica, a humanidade de então falava um único idioma. Não se sabe por qual motivo, alguns (quem?) resolveram construir um gigantesco prédio, cuja altura “chegasse ao céu”. Essa mega-edificação abrigaria a totalidade da população de então e, de lambuja, sobraria espaço mais do que suficiente para todos os que nascessem por várias gerações. Mas, porque concentrar todos os habitantes do mundo da época em um espaço tão restrito, os acomodando verticalmente, quando o Planeta tinha tanto espaço?

Diz a narrativa bíblica que, para evitar que tamanha insensatez tivesse êxito, Deus “confundiu” as línguas. As pessoas passaram a se expressar de formas diferentes, de sorte que uma não entendia o que a outra dizia. Dessa forma, por falta de comunicação, a mega-obra não prosperou, pois se tornava impossível trabalhar em equipe dessa forma. Foi interrompida e abandonada, e cada bando envolvido nessa insensata aventura seguiu o seu rumo.

Guardadas as devidas proporções, pode-se afirmar, metaforicamente (se não literalmente), que as megalópoles contemporâneas são Torres de Babel, posto que não verticais, mas horizontais. E não se trata de uma única mega-habitação, mas de inúmeras, cerca de uma centena delas, para sermos razoavelmente precisos. E no interior de algumas há, também, edifícios altíssimos, que desafiam a lei da gravidade (e do bom-senso), alguns de quase um quilômetro... mas de altura.

Vejam as torres gêmeas da Petronas, em Kuala Lumpur, na Malásia. Concluídas em 1998, têm 88 andares e pouco menos de meio quilômetro... de altura. Para ser mais exato, medem 452 metros. E sequer são as maiores edificações do mundo, mas são as quintas. A primazia desse exagero cabe ao Burj Khalifa, da cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Sabem qual a altura desse (literalmente) arranha-céu? Pasmem, é de 828 metros! Perto dessa edificação, por mais absurdamente alta que deveria ser a Torre de Babel, conforme os delírios megalomaníacos de seus exageradíssimos projetistas, ela seria “fichinha” diante dessa construção!

Os outros prédios mais altos do mundo – estes todos na Ásia – são, pela ordem: 2º) Taipei 101, em Taipei, Taiwan, com 509 metros; 3º) Shangai World Financial Center, em Xangai, China, com 492 metros e 4º) International Commerce Center, em Hong Kong, China, com 483 metros. Onde esses malucos pretendem chegar?! A despeito da população mundial, hoje, já atingir os sete bilhões de habitantes, qual a razão de tamanha concentração populacional em espaços tão restritos? Segurança? Ora, ora, ora. Vocês conhecem, acaso, lugares mais inseguros e arriscados do que as cidades contemporâneas (e nem precisam ser megalópoles, mas apenas de porte médio)?

Está aí, amigo escritor, um bom tema, mais atual do que nunca, para você explorar, quer ficcionalmente, quer em textos de não-ficção, como, por exemplo, um detalhado ensaio sobre essa absurda e insensata concentração urbana, que teve início no século XIX e que parece não ter prazo para parar. Certamente, voltarei a abordar o tema, sob vários outros dos seus ângulos.

Deixo-lhes, contudo, para reflexão, este trecho de uma das minhas crônicas a propósito, no qual escrevi: “O arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha, em seu livro ‘Memórias’, faz uma observação, que nós, moradores das grandes cidades, deveríamos levar muito a sério: ‘A cidade é uma idéia, ela não existe. É uma invenção do homem. Se não gostamos dela, temos de fazer uma outra. A esperança é essa. Saber que sabemos fazer desta uma outra’. Compete-nos, portanto, fazer uma ‘outra’ cidade, que de fato nos pertença, e não aos violentos, aos bandidos, aos marginais, aos ladrões e aos seqüestradores. Desta, que está aí, perigosa e violenta, certamente não gostamos! Como seria bom podermos voltar a caminhar tranqüilos pelas ruas da nossa cidade, a qualquer hora do dia ou da noite, como em passado ainda relativamente recente, sem riscos de assaltos ou de atropelamentos! Ou pelo menos sem aborrecimentos. Como seria bom poder apreciar o céu, as nuvens, as árvores, os monumentos, os tipos humanos... Enfim...”

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