Platão e o Mito da Caverna
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas comuns, que não se destacam por altos dotes de inteligência e sólida cultura, têm, dada a educação formal que recebem (no lar e, principalmente na escola), altamente deficiente, apenas uma pálida e distorcida noção do que se entende por “realidade”. Conhecem apenas seus reflexos e jamais sua extensão.
Era assim no passado remoto, quando o conhecimento adquirido era passado, de uma geração a outra, somente de forma oral, já que não existia ainda o alfabeto e, por conseqüência, a escrita. E continua da mesma forma, pelo menos para a maioria, a despeito do magnífico aparato de comunicação que temos ao nosso dispor.
Entre vários conceitos, por exemplo, a concepção que o homem contemporâneo tem do bem é eivada de distorções e de equívocos. Mais equivocada ainda, fundada em mitos e em contradições, é a sua idéia de divindade. Ou seja, do conceito do suprassumo da perfeição.
A educação formal que se ministra (que na verdade não passa de mero adestramento), salvo raras e honrosas exceções, equivale a se amarrar uma pessoa na entrada de uma gruta escura, sem que ela possa se mover para lado algum, por onde penetra, por uma pequena fenda, tênue raio de sol que, refletido nos objetos, e nos que passam pelo local, projeta sombras nas paredes. Essa imagem resume o célebre “Mito da Caverna”, do filósofo grego Platão, exposto no livro sexto de “A República”.
A totalidade das religiões apresenta o conceito da divindade (ou de divindades, no caso das politeístas), de forma primária, parcial e distorcida. O homem projeta em Deus suas próprias imperfeições, fraquezas e paixões. Ele é figurado, com uma variação ou outra que não O diferencia tanto, como um Ser que premia os bons e castiga os maus. Ou seja, como uma entidade sujeita a suborno, mediante oferendas, velas, orações interesseiras, variados rituais e promessas vagas, em troca de perdão e, sobretudo, de proteção.
O bem supremo, todavia, certamente não é nada disso. O conhecimento pleno é impossível de ser atingido, dada sua extensão e dadas as limitações humanas, embora a sabedoria possa, até certo ponto, ser conseguida. Esta, no entanto, se faz inútil, se desacompanhada de ações.
A tendência de quem “conseguiu enxergar a luz” (e não apenas seus reflexos) é utilizar o conhecimento adquirido em proveito próprio, e nunca a de compartilhar o que aprendeu. Tende a esquecer os que permaneceram atados à frente da entrada da caverna, tendo diante de si apenas sombras de sabedoria.
Platão ressaltou que a virtude dessa ciência da realidade “tanto pode ser um bem inefável, quanto um mal”. Os maus também podem alcançar a agudeza do conhecimento, com a mesma competência dos bons, contudo, desperdiçam essa luz em atos mesquinhos e projetos reprováveis.
O Mito da Caverna e, por extensão, toda a filosofia platônica, toma como ponto de partida o “conceito”. O professor Theobaldo Miranda Santos, em seu “Manual de Filosofia”, destaca que este era o verdadeiro objeto da ciência para Sócrates, o mestre de Platão, cujas lições ele ouviu por dez anos. Mas, ao contrário do mestre, relacionou-o com a realidade.
O conceito, por exemplo, pode ser distorcido, como no caso das sombras vistas pelos que estavam amarrados à frente da entrada da caverna. Esses prisioneiros da ignorância, confiando apenas nos sentidos, achavam, até, que as vozes que ouviam eram provenientes dessas ilusões de ótica, que achavam que eram reais.
A realidade só poderia ser vista à luz do sol, fora da gruta, e após a vista ter se acostumado à luminosidade, vencido o ofuscamento decorrente do tempo passado em trevas. Mas se esses homens, libertados da caverna, já ambientados à luz solar, voltassem ao estado anterior, ou seja, à escuridão, em pouco tempo voltariam a pensar como antes. Regrediriam na identificação da realidade.
Platão ressaltou que “os ofuscamentos físicos, assim como os morais, são de duas formas: daqueles que saem das trevas para a luz e dos que da luz revertem às trevas”. Ou seja, recaem na ignorância, por falta de exercício da recém-adquirida nova visão da sabedoria. Quem já contemplou a visão divina, por exemplo, não quer (compreensivelmente) voltar a se ocupar das coisas humanas, com suas feiúras de caráter e horrendas distorções.
Mesmo no plano das idéias, Platão condenava os extremos. Afirmava que nem os que não têm educação (ou seja, os que jamais viram a luz do sol fora da caverna) e nem os demasiadamente educados (os que nunca estiveram atados à frente da entrada da gruta) seriam bons servidores da sua cidade ideal.
Os primeiros não o seriam por falta de objetivos pelos quais pudessem pautar sua conduta. Sua realidade não era mais do que um conjunto de sombras, de reflexos, de distorções. Para eles, portanto, a acomodação era a melhor estratégia. Pelo menos, ela envolveria menos esforços.
Os demasiadamente educados, por sua vez, julgar-se-iam “superiores e bem-aventurados”. Achariam que tinham galgado o próprio cimo do Olimpo. Não seria de se estranhar se achassem que tinham certa espécie de parceria com os deuses. Por essa razão, não se sentiriam motivados para agir.
Se o leitor observar com atenção, verá que é exatamente o que ocorre ao nosso redor, no nosso cotidiano. Uma determinada pessoa, por exemplo, dedica-se com muito afinco aos estudos. No princípio, está cheia de ideais nobres em relação à humanidade e não mede sacrifícios para atingir sua meta. Sonha em salvar o mundo, não por interesse pessoal, por fama, fortuna ou poder, mas somente por idealismo.
Todavia, à medida que galga os degraus que a aproximam da meta e mais se distancia da massa inculta, abre mão dos objetivos primitivos. Elitiza-se e traça novas metas, absolutamente individuais. Descer ao nível da maioria, obviamente, nem lhe passa pela cabeça. O estágio que atingiu é muito superior ao dessa massa inculta. O recurso seria trazer o máximo possível dessas pessoas ao patamar de conhecimentos que conquistou. Contudo, nesta altura, sua motivação original já se esvaiu e seu ideal de salvar o mundo virou fumaça. E sua visão da realidade enche-a, na verdade, apenas de um imenso tédio.
Na opinião de Platão, existia, para além do plano dos fenômenos palpáveis, visíveis, audíveis, palatáveis e cheiráveis, ou seja, o dos sentidos, um outro mundo. Seria um planeta de realidades constituídas dos mesmos atributos dos conceitos que existem em nosso mundo interior, mas não no físico. E estas seriam as nossas “idéias”.
Elas não seriam apenas meras formas abstratas do pensamento. Seriam realidades objetivas e com o atributo da eternidade. As coisas terrenas não passariam de meras cópias, eivadas de imperfeições e, sobretudo, passageiras das idéias.
O filósofo, para Platão, era aquele que havia atingido a plenitude do conhecimento. Por essa razão, tinha um papel preponderante na vida da cidade ideal. A ele caberia a tarefa de instruir e orientar as pessoas, para que subissem em direção ao sol da realidade. Eles é que teriam que libertar os que estavam atados em frente à entrada da caverna, os ajudar a acostumar a vista à luz natural e impedir que retroagissem às trevas.
Os filósofos, após sua ascensão aos planos elevados do mundo superior, tinham a obrigação moral de regressar ao convívio dos ignorantes, para esclarecê-los e guiá-los. Cabia-lhes o papel tanto de mestres, quanto de guias, com a cautela de também não regredirem à ignorância, por falta de prática da sabedoria. Competia-lhes proteger os mais frágeis, além de formar as classes políticas e dirigentes da cidade, para que nunca exorbitassem do seu poder e nem jamais se omitissem das suas obrigações. Este é, em resumo, o teor do Mito da Caverna, exposto por Platão no Livro VI de “A República”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas comuns, que não se destacam por altos dotes de inteligência e sólida cultura, têm, dada a educação formal que recebem (no lar e, principalmente na escola), altamente deficiente, apenas uma pálida e distorcida noção do que se entende por “realidade”. Conhecem apenas seus reflexos e jamais sua extensão.
Era assim no passado remoto, quando o conhecimento adquirido era passado, de uma geração a outra, somente de forma oral, já que não existia ainda o alfabeto e, por conseqüência, a escrita. E continua da mesma forma, pelo menos para a maioria, a despeito do magnífico aparato de comunicação que temos ao nosso dispor.
Entre vários conceitos, por exemplo, a concepção que o homem contemporâneo tem do bem é eivada de distorções e de equívocos. Mais equivocada ainda, fundada em mitos e em contradições, é a sua idéia de divindade. Ou seja, do conceito do suprassumo da perfeição.
A educação formal que se ministra (que na verdade não passa de mero adestramento), salvo raras e honrosas exceções, equivale a se amarrar uma pessoa na entrada de uma gruta escura, sem que ela possa se mover para lado algum, por onde penetra, por uma pequena fenda, tênue raio de sol que, refletido nos objetos, e nos que passam pelo local, projeta sombras nas paredes. Essa imagem resume o célebre “Mito da Caverna”, do filósofo grego Platão, exposto no livro sexto de “A República”.
A totalidade das religiões apresenta o conceito da divindade (ou de divindades, no caso das politeístas), de forma primária, parcial e distorcida. O homem projeta em Deus suas próprias imperfeições, fraquezas e paixões. Ele é figurado, com uma variação ou outra que não O diferencia tanto, como um Ser que premia os bons e castiga os maus. Ou seja, como uma entidade sujeita a suborno, mediante oferendas, velas, orações interesseiras, variados rituais e promessas vagas, em troca de perdão e, sobretudo, de proteção.
O bem supremo, todavia, certamente não é nada disso. O conhecimento pleno é impossível de ser atingido, dada sua extensão e dadas as limitações humanas, embora a sabedoria possa, até certo ponto, ser conseguida. Esta, no entanto, se faz inútil, se desacompanhada de ações.
A tendência de quem “conseguiu enxergar a luz” (e não apenas seus reflexos) é utilizar o conhecimento adquirido em proveito próprio, e nunca a de compartilhar o que aprendeu. Tende a esquecer os que permaneceram atados à frente da entrada da caverna, tendo diante de si apenas sombras de sabedoria.
Platão ressaltou que a virtude dessa ciência da realidade “tanto pode ser um bem inefável, quanto um mal”. Os maus também podem alcançar a agudeza do conhecimento, com a mesma competência dos bons, contudo, desperdiçam essa luz em atos mesquinhos e projetos reprováveis.
O Mito da Caverna e, por extensão, toda a filosofia platônica, toma como ponto de partida o “conceito”. O professor Theobaldo Miranda Santos, em seu “Manual de Filosofia”, destaca que este era o verdadeiro objeto da ciência para Sócrates, o mestre de Platão, cujas lições ele ouviu por dez anos. Mas, ao contrário do mestre, relacionou-o com a realidade.
O conceito, por exemplo, pode ser distorcido, como no caso das sombras vistas pelos que estavam amarrados à frente da entrada da caverna. Esses prisioneiros da ignorância, confiando apenas nos sentidos, achavam, até, que as vozes que ouviam eram provenientes dessas ilusões de ótica, que achavam que eram reais.
A realidade só poderia ser vista à luz do sol, fora da gruta, e após a vista ter se acostumado à luminosidade, vencido o ofuscamento decorrente do tempo passado em trevas. Mas se esses homens, libertados da caverna, já ambientados à luz solar, voltassem ao estado anterior, ou seja, à escuridão, em pouco tempo voltariam a pensar como antes. Regrediriam na identificação da realidade.
Platão ressaltou que “os ofuscamentos físicos, assim como os morais, são de duas formas: daqueles que saem das trevas para a luz e dos que da luz revertem às trevas”. Ou seja, recaem na ignorância, por falta de exercício da recém-adquirida nova visão da sabedoria. Quem já contemplou a visão divina, por exemplo, não quer (compreensivelmente) voltar a se ocupar das coisas humanas, com suas feiúras de caráter e horrendas distorções.
Mesmo no plano das idéias, Platão condenava os extremos. Afirmava que nem os que não têm educação (ou seja, os que jamais viram a luz do sol fora da caverna) e nem os demasiadamente educados (os que nunca estiveram atados à frente da entrada da gruta) seriam bons servidores da sua cidade ideal.
Os primeiros não o seriam por falta de objetivos pelos quais pudessem pautar sua conduta. Sua realidade não era mais do que um conjunto de sombras, de reflexos, de distorções. Para eles, portanto, a acomodação era a melhor estratégia. Pelo menos, ela envolveria menos esforços.
Os demasiadamente educados, por sua vez, julgar-se-iam “superiores e bem-aventurados”. Achariam que tinham galgado o próprio cimo do Olimpo. Não seria de se estranhar se achassem que tinham certa espécie de parceria com os deuses. Por essa razão, não se sentiriam motivados para agir.
Se o leitor observar com atenção, verá que é exatamente o que ocorre ao nosso redor, no nosso cotidiano. Uma determinada pessoa, por exemplo, dedica-se com muito afinco aos estudos. No princípio, está cheia de ideais nobres em relação à humanidade e não mede sacrifícios para atingir sua meta. Sonha em salvar o mundo, não por interesse pessoal, por fama, fortuna ou poder, mas somente por idealismo.
Todavia, à medida que galga os degraus que a aproximam da meta e mais se distancia da massa inculta, abre mão dos objetivos primitivos. Elitiza-se e traça novas metas, absolutamente individuais. Descer ao nível da maioria, obviamente, nem lhe passa pela cabeça. O estágio que atingiu é muito superior ao dessa massa inculta. O recurso seria trazer o máximo possível dessas pessoas ao patamar de conhecimentos que conquistou. Contudo, nesta altura, sua motivação original já se esvaiu e seu ideal de salvar o mundo virou fumaça. E sua visão da realidade enche-a, na verdade, apenas de um imenso tédio.
Na opinião de Platão, existia, para além do plano dos fenômenos palpáveis, visíveis, audíveis, palatáveis e cheiráveis, ou seja, o dos sentidos, um outro mundo. Seria um planeta de realidades constituídas dos mesmos atributos dos conceitos que existem em nosso mundo interior, mas não no físico. E estas seriam as nossas “idéias”.
Elas não seriam apenas meras formas abstratas do pensamento. Seriam realidades objetivas e com o atributo da eternidade. As coisas terrenas não passariam de meras cópias, eivadas de imperfeições e, sobretudo, passageiras das idéias.
O filósofo, para Platão, era aquele que havia atingido a plenitude do conhecimento. Por essa razão, tinha um papel preponderante na vida da cidade ideal. A ele caberia a tarefa de instruir e orientar as pessoas, para que subissem em direção ao sol da realidade. Eles é que teriam que libertar os que estavam atados em frente à entrada da caverna, os ajudar a acostumar a vista à luz natural e impedir que retroagissem às trevas.
Os filósofos, após sua ascensão aos planos elevados do mundo superior, tinham a obrigação moral de regressar ao convívio dos ignorantes, para esclarecê-los e guiá-los. Cabia-lhes o papel tanto de mestres, quanto de guias, com a cautela de também não regredirem à ignorância, por falta de prática da sabedoria. Competia-lhes proteger os mais frágeis, além de formar as classes políticas e dirigentes da cidade, para que nunca exorbitassem do seu poder e nem jamais se omitissem das suas obrigações. Este é, em resumo, o teor do Mito da Caverna, exposto por Platão no Livro VI de “A República”.
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