Numeiry equilibra-se há 16 anos no poder
Pedro J. Bondaczuk
O Sudão, maior país da África em extensão territorial, é conhecido no Ocidente, principalmente, através de um filme célebre, relatando uma batalha ocorrida em 1899, que leva o nome de sua capital, Cartum, onde se verificou um dos maiores massacres que os britânicos já sofreram em qualquer uma de suas colônias.
Como todas as Repúblicas africanas criadas no pós-guerra, é vítima das mesmas mazelas administrativas e institucionais que caracterizam a vida independente desses povos marcados pela miséria.
É um país bastante populoso (o censo de 1983 apontou uma população de 20.564.364), cuja maior parte, 81%, é analfabeta. A renda per capita anual do sudanês está entre as mais baixas do mundo, US$ 355, e a expectativa de vida desse cidadão é de apenas 45,5 anos (a do brasileiro é de 60,7 anos e a do suíço, de 79 anos).
Pouco após a sua separação do Egito, em 1956 (até 1948 formava a colônia britânica do Sudão Anglo-Egípcio), experimentou um relativo período de tranqüilidade institucional. Em 1969, porém, um golpe de Estado instalou no poder a Jaafar Numeiry (alguns grafam o nome desse líder como Gaafar), que 16 anos após, mercê de extrema repressão contra seus adversários, se conserva como voz única no país.
Neste período tumultuado da vida nacional, pelo menos três tentativas de golpe foram feitas, além de dois complôs para matar esse irrequieto presidente. Em 1971, Numeiry chegou a ser deposto, mas por um período curtíssimo de tempo. Em questão de cinco dias, numa contra-ofensiva fulminante, retomou seu posto e mandou executar os que tiveram a ousadia de desafiar seu domínio absoluto sobre os sudaneses.
Motins e manifestações, como os que estão ocorrendo há três dias em Cartum, também são fatos que já estão se tornando até corriqueiros no Sudão. E sempre pelos mesmos motivos: aumento de preço dos combustíveis de gêneros de primeira necessidade.
Em agosto de 1979, por exemplo, a capital viveu dias de intensas agitações estudantis. Numeiry contornou o problema descobrindo um bode-expiatório: o major Abdul Gassim Ibrahim, que foi sumariamente demitido.
Fato idêntico voltou a se repetir em 1982. Dessa vez, quem pagou “o pato” foi o então ministro da Defesa, que acumulava também o cargo de vice-presidente da República, general Abdel Majid Khalil. Jaafar responsabilizou-o diretamente pelos protestos (como se os males dos quais o povo reclamava fossem apenas questão de segurança e não de sobrevivência), o demitindo sem contemplações.
O Sudão, que está passando por um grave problema para alimentar sua população e os milhares de etíopes que para lá emigram, fugindo da seca de seu país, está com uma ajuda norte-americana congelada desde dezembro, por não estar cumprindo um acordo feito com o FMI (sempre ele!) para sanear a sua caótica economia.
Com isso, o drama dos flagelados da fome atinge brutalmente também o seu território, com a dramática escassez alimentar, requerendo uma ajuda urgente dos países ocidentais. Como se vê, essa República do Norte da África, que também já foi conhecida por Núbia, cortada pelo legendário Rio Nilo, é uma panela de pressão, cujo vapor está sendo cada vez mais comprimido.
A qualquer momento ela pode explodir, fazendo os sudaneses reviverem os negros dias de tragédia do seu passado. Isso, a menos que aconteça algum inesperado “milagre”, que venha a salvar da bancarrota esta pobre e desvalida sociedade nacional.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 29 de março de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O Sudão, maior país da África em extensão territorial, é conhecido no Ocidente, principalmente, através de um filme célebre, relatando uma batalha ocorrida em 1899, que leva o nome de sua capital, Cartum, onde se verificou um dos maiores massacres que os britânicos já sofreram em qualquer uma de suas colônias.
Como todas as Repúblicas africanas criadas no pós-guerra, é vítima das mesmas mazelas administrativas e institucionais que caracterizam a vida independente desses povos marcados pela miséria.
É um país bastante populoso (o censo de 1983 apontou uma população de 20.564.364), cuja maior parte, 81%, é analfabeta. A renda per capita anual do sudanês está entre as mais baixas do mundo, US$ 355, e a expectativa de vida desse cidadão é de apenas 45,5 anos (a do brasileiro é de 60,7 anos e a do suíço, de 79 anos).
Pouco após a sua separação do Egito, em 1956 (até 1948 formava a colônia britânica do Sudão Anglo-Egípcio), experimentou um relativo período de tranqüilidade institucional. Em 1969, porém, um golpe de Estado instalou no poder a Jaafar Numeiry (alguns grafam o nome desse líder como Gaafar), que 16 anos após, mercê de extrema repressão contra seus adversários, se conserva como voz única no país.
Neste período tumultuado da vida nacional, pelo menos três tentativas de golpe foram feitas, além de dois complôs para matar esse irrequieto presidente. Em 1971, Numeiry chegou a ser deposto, mas por um período curtíssimo de tempo. Em questão de cinco dias, numa contra-ofensiva fulminante, retomou seu posto e mandou executar os que tiveram a ousadia de desafiar seu domínio absoluto sobre os sudaneses.
Motins e manifestações, como os que estão ocorrendo há três dias em Cartum, também são fatos que já estão se tornando até corriqueiros no Sudão. E sempre pelos mesmos motivos: aumento de preço dos combustíveis de gêneros de primeira necessidade.
Em agosto de 1979, por exemplo, a capital viveu dias de intensas agitações estudantis. Numeiry contornou o problema descobrindo um bode-expiatório: o major Abdul Gassim Ibrahim, que foi sumariamente demitido.
Fato idêntico voltou a se repetir em 1982. Dessa vez, quem pagou “o pato” foi o então ministro da Defesa, que acumulava também o cargo de vice-presidente da República, general Abdel Majid Khalil. Jaafar responsabilizou-o diretamente pelos protestos (como se os males dos quais o povo reclamava fossem apenas questão de segurança e não de sobrevivência), o demitindo sem contemplações.
O Sudão, que está passando por um grave problema para alimentar sua população e os milhares de etíopes que para lá emigram, fugindo da seca de seu país, está com uma ajuda norte-americana congelada desde dezembro, por não estar cumprindo um acordo feito com o FMI (sempre ele!) para sanear a sua caótica economia.
Com isso, o drama dos flagelados da fome atinge brutalmente também o seu território, com a dramática escassez alimentar, requerendo uma ajuda urgente dos países ocidentais. Como se vê, essa República do Norte da África, que também já foi conhecida por Núbia, cortada pelo legendário Rio Nilo, é uma panela de pressão, cujo vapor está sendo cada vez mais comprimido.
A qualquer momento ela pode explodir, fazendo os sudaneses reviverem os negros dias de tragédia do seu passado. Isso, a menos que aconteça algum inesperado “milagre”, que venha a salvar da bancarrota esta pobre e desvalida sociedade nacional.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 29 de março de 1985).
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