Friday, February 03, 2012







Estado retrógrado, de estilo stalinista


Pedro J. Bondaczuk


A Romênia ficou bastante conhecida no Ocidente por causa do seu gesto de rebeldia de 1968, após a invasão soviética à Checoslováquia. Na ocasião, foi o único país, do bloco do Leste europeu, a não dizer amém, bovinamente, àquela violação da soberania nacional de uma sociedade pretensamente independente.
Na oportunidade, em plena guerra fria, os meios de comunicação passaram para nós uma imagem distorcida do que ela era. Muitos chegaram a compará-la com a Iugoslávia, outro país eslavo que nunca rezou totalmente pela cartilha de Moscou. No entanto, esqueceram (ou não quiseram revelar) como era realmente o regime romeno e qual o verdadeiro perfil do seu líder, Nicolai Ceausescu.
A Romênia estacionou no tempo, em termos de sociedade marxista. Hoje é exatamente aquilo que o líder soviético, Mikhail Gorbachev, deseja mudar em seu próprio país.. Sua economia planificada está indo à bancarrota com uma velocidade impressionante. Liberdade é um termo que soa como um palavrão por ali. Seu sistema político é um dos mais repressivos da atualidade, comparado, apenas, com o da Albânia e o da Coréia do Norte.
Pode-se dizer que a Romênia é um dos derradeiros refúgios do stalinismo puro, com tudo o que ele sempre teve de aterrorizante e de caricato, inclusive o culto da personalidade. Ceuasescu é uma figura, de fato, endeusada nesse país. Mas não porque seja amado pelo povo, mas por contar com uma eficiente máquina repressora atrás de si, que persegue os dissidentes, os encerra em campos de trabalho forçado e/ou em hospitais psiquiátricos, expulsando aqueles que não representem maior perigo para o regime.
E a perseguição aos que pensam de modo diferente daquele exigido pelo partido único desse Estado policial atingiu o paroxismo a partir de 1980, quando apareceu o Solidariedade na Polônia, o primeiro sindicato independente do mundo socialista.
Ceausescu, para culminar, sempre lançou mão de um nepotismo nauseante para manter a lealdade dos seus comandados. Tanto é que colocou nos principais cargos-chaves da administração a totalidade dos seus parentes.
O primeiro a ganhar um lugar de destaque, cômodo e tranqüilo, foi, é claro, a sua própria mulher, Yelena. Tudo, na Romênia, é controlado, vigiado e, se for o caso, punido. Para que o leitor tenha uma idéia até que ponto chega a paranóia policial nesse país, basta dizer que, até para se adquirir uma inofensiva máquina de escrever, o cidadão precisa ter uma licença especial do governo e explicar direitinho a finalidade desse instrumento de trabalho de jornalistas e de escritores.
É claro, pois, que numa sociedade nacional como esta, nada funciona direito. Não faz muito, ela era a única do bloco oriental, à exceção da União Soviética, que tinha auto-suficiência em petróleo. Tanto é que, durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler se empenhou muito em conquistar esse território, para garantir o suprimento de combustível para os seus exércitos.
Mas desde 1979, isto mudou. Agora os romenos estão por completo nas mãos dos russos. Tornaram-se importadores dessa matéria-prima. Com o Ocidente, o seu crédito anda baixíssimo. Sua dívida externa alcança US$ 10 bilhões (era de US$ 8 bilhões no ano passado) e suas exportações estão baixando, não em virtude da competitividade do mercado, mas em razão da baixa qualidade dos seus produtos.
A censura na Romênia é tão absoluta, que até a observação de Gorbachev a Ceausescu, pedindo a ele que usasse de franqueza e expusesse as carências nacionais, foi extirpada da sua imprensa. Por tudo o que foi acima exposto, é fácil do leitor entender a razão do presidente romeno ser a única voz discordante, na galáxia soviética, à glasnost.
A Romênia, portanto, continua sendo o foco de rebelião entre os satélites de Moscou. Mas, desta vez, se pudesse ter acesso livre à informação, certamente nenhum romeno sensato e com um pouquinho de senso prático apoiaria a esperta rebeldia do seu governante.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 27 de maio de 1987).


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