O fenômeno Hafez Assad
Pedro J. Bondaczuk
O presidente sírio, Hafez Assad, aproveitou a sua visita de três dias à Grécia, que terminou anteontem, para tentar se defender das acusações feitas pelos norte-americanos e pelos israelenses, de que o seu país é um Estado que patrocina o terror. Como seria lícito de se esperar, desmentiu enfaticamente essas afirmações e acrescentou que a Síria é até mesmo vítima desse flagelo, se referindo a um recente atentado a bomba verificado em Damasco.
Para dar mais força à sua argumentação, condenou, enfaticamente, os ataques aos aeroportos de Roma e de Viena, perpetrados por palestinos, em 27 de dezembro de 1985. E fez uma afirmação absolutamente óbvia. Reconheceu que a supra-referida ação teve caráter terrorista. Isto é evidente até para o mais rematado dos imbecis!
Entretanto, uma série de indícios conduz o observador à suspeita de que Assad não é tão inocente quanto desejou aparentar nessa oportunidade. É público e notório que os grupos palestinos mais radicais, que se opõem à direção do líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat (hoje, quem diria, considerado um moderado) não somente contam com o apoio da Síria, mas muitos até mesmo até se albergam nesse país.
Outro fato, que parece evidente, é que diversas facções radicais do Oriente Médio realizam adestramento no vale libanês de Bekkaa, área sob o estrito controle militar sírio. Inclusive o grupo que atacou os aeroportos de Roma e de Viena, segundo confissão dos que sobreviveram à reação policial durante aquela ação. Se Assad, portanto, não patrocina o terror, também não faz nada para deter os que o praticam.
O presidente sírio é, na verdade, uma personalidade inquietadora. Consegue se manter no poder, por quinze anos, num país que sempre se caracterizou pela instabilidade. Essa sua longevidade não deixa de despertar um certo fascínio, até nos seus mais ferrenhos adversários. Só para que o leitor tenha uma idéia do que isso significa, basta dizer que no período de 1946 a 1970, portanto em 24 anos, a Síria teve exatamente 50 governos diferentes. Ou seja, uma média de mais de dois por ano.
Além disso, foram registrados onze golpes de Estado, muitos deles sangrentos, e portanto, fortemente traumáticos para a população. Assad sempre teve contra si, apenas por esse fator, tudo para fracassar e ser deposto. E não somente pelas características institucionais da sociedade que governa, mas por fatores que pesam muito mais no mundo muçulmano.
Por exemplo, o presidente sírio pertence a uma seita, a alaxita, que é considerada herética pelos sunitas. E estes constituem a maioria esmagadora da população, com seus 70% de adeptos. Sua religião é seguida por apenas 12% dos quase dez milhões de habitantes da Síria. Uma inexpressiva minoria, portanto, incapaz de sozinha elegê-lo para a presidência e ainda mais por três períodos sucessivos, de sete anos cada um. Essa longevidade política, considerados tais fatores, inédita nesse país, chega a ser um feito de se tirar o chapéu.
Mas Hafez Assad vai mais longe em sua ousadia. Numa sociedade extremamente conservadora, onde a religião se confunde com os assuntos de Estado, consegue liderar um partido socialista (o Baath), de caráter completamente secular, implantar um regime pró-marxista na Síria e ainda de quebra fazer uma aliança com a União Soviética!
Outro ponto a destacar, é que o seu país é um dos dois únicos do mundo árabe a apoiar o Irã em seu conflito contra uma outra nação ligada à comunidade, no caso o Iraque. Por todo esse retrospecto, o presidente sírio não pode estranhar quando os países do Ocidente se enchem de suspeitas acerca dos seus métodos. E nem deixar de entender quando é apontado como um eventual patrocinador do terrorismo.
Há uma série de mistérios que nem Assad e nem qualquer outro de seus aliados conseguiram até agora explicar convincentemente. No que reside o seu poder? Na simpatia, nas idéias que prega, nas armas soviéticas ou no medo? Fica a indagação.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 29 de maio de 1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O presidente sírio, Hafez Assad, aproveitou a sua visita de três dias à Grécia, que terminou anteontem, para tentar se defender das acusações feitas pelos norte-americanos e pelos israelenses, de que o seu país é um Estado que patrocina o terror. Como seria lícito de se esperar, desmentiu enfaticamente essas afirmações e acrescentou que a Síria é até mesmo vítima desse flagelo, se referindo a um recente atentado a bomba verificado em Damasco.
Para dar mais força à sua argumentação, condenou, enfaticamente, os ataques aos aeroportos de Roma e de Viena, perpetrados por palestinos, em 27 de dezembro de 1985. E fez uma afirmação absolutamente óbvia. Reconheceu que a supra-referida ação teve caráter terrorista. Isto é evidente até para o mais rematado dos imbecis!
Entretanto, uma série de indícios conduz o observador à suspeita de que Assad não é tão inocente quanto desejou aparentar nessa oportunidade. É público e notório que os grupos palestinos mais radicais, que se opõem à direção do líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat (hoje, quem diria, considerado um moderado) não somente contam com o apoio da Síria, mas muitos até mesmo até se albergam nesse país.
Outro fato, que parece evidente, é que diversas facções radicais do Oriente Médio realizam adestramento no vale libanês de Bekkaa, área sob o estrito controle militar sírio. Inclusive o grupo que atacou os aeroportos de Roma e de Viena, segundo confissão dos que sobreviveram à reação policial durante aquela ação. Se Assad, portanto, não patrocina o terror, também não faz nada para deter os que o praticam.
O presidente sírio é, na verdade, uma personalidade inquietadora. Consegue se manter no poder, por quinze anos, num país que sempre se caracterizou pela instabilidade. Essa sua longevidade não deixa de despertar um certo fascínio, até nos seus mais ferrenhos adversários. Só para que o leitor tenha uma idéia do que isso significa, basta dizer que no período de 1946 a 1970, portanto em 24 anos, a Síria teve exatamente 50 governos diferentes. Ou seja, uma média de mais de dois por ano.
Além disso, foram registrados onze golpes de Estado, muitos deles sangrentos, e portanto, fortemente traumáticos para a população. Assad sempre teve contra si, apenas por esse fator, tudo para fracassar e ser deposto. E não somente pelas características institucionais da sociedade que governa, mas por fatores que pesam muito mais no mundo muçulmano.
Por exemplo, o presidente sírio pertence a uma seita, a alaxita, que é considerada herética pelos sunitas. E estes constituem a maioria esmagadora da população, com seus 70% de adeptos. Sua religião é seguida por apenas 12% dos quase dez milhões de habitantes da Síria. Uma inexpressiva minoria, portanto, incapaz de sozinha elegê-lo para a presidência e ainda mais por três períodos sucessivos, de sete anos cada um. Essa longevidade política, considerados tais fatores, inédita nesse país, chega a ser um feito de se tirar o chapéu.
Mas Hafez Assad vai mais longe em sua ousadia. Numa sociedade extremamente conservadora, onde a religião se confunde com os assuntos de Estado, consegue liderar um partido socialista (o Baath), de caráter completamente secular, implantar um regime pró-marxista na Síria e ainda de quebra fazer uma aliança com a União Soviética!
Outro ponto a destacar, é que o seu país é um dos dois únicos do mundo árabe a apoiar o Irã em seu conflito contra uma outra nação ligada à comunidade, no caso o Iraque. Por todo esse retrospecto, o presidente sírio não pode estranhar quando os países do Ocidente se enchem de suspeitas acerca dos seus métodos. E nem deixar de entender quando é apontado como um eventual patrocinador do terrorismo.
Há uma série de mistérios que nem Assad e nem qualquer outro de seus aliados conseguiram até agora explicar convincentemente. No que reside o seu poder? Na simpatia, nas idéias que prega, nas armas soviéticas ou no medo? Fica a indagação.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 29 de maio de 1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment