Sunday, November 27, 2011







Reconciliação familiar


Pedro J. Bondaczuk


Os nicaragüenses obtiveram, ontem, na pequena localidade de Sapoa (que vai entrar, definitivamente, para a história do país), sua primeira grande vitória na guerra civil que travam há seis anos, que já matou 40 mil pessoas, arrasou sua economia e criou sérios antagonismos entre irmãos.
A batalha vencida não exaltou grandes guerreiros, e nem foi marcada por atos sanguinários e repletos de temeridade, equivocadamente tidos como de heroísmo. O campo onde ela se desenvolveu não ficou coberto de cadáveres, de corpos mutilados, de homens agonizantes.
Ademais, ela não foi decidida pelo fogo de artilharia, por baterias de mísseis ou por ousadas operações aéreas. A vitória não coube a nenhuma das facções em luta. A batalha a que nos referimos foi a saudável e civilizada prática da diplomacia entre as partes em conflito, que obtiveram um louvável cessar-fogo, numa demonstração de boa vontade dos dois lados.
O secretário de Estado norte-americano, George Shultz, disse que o pacto firmado na madrugada de ontem foi um êxito dos “contras”. Grande equívoco! Quem ganhou, de fato, foi a Nicarágua. O sucesso, posto que parcial (a trégua definitiva ainda vai ser negociada), foi do Grupo de Contadora, que em primeiro lugar tomou a peito a tarefa de não deixar a controvérsia centro-americana descambar para algo pior.
O vitorioso foi o Grupo de Apoio, criado anos após, para respaldar o magnífico esforço de panamenhos, mexicanos, colombianos e venezuelanos em busca da paz. Foi, sobretudo, desse jovem estadista centro-americano, que hoje é orgulho não apenas da Costa Rica, mas de toda a América Latina, pela sua ampla visão: Oscar Arias Sanchez.
Quem o viu discursas em Oslo, na oportunidade em que recebeu um justíssimo Prêmio Nobel, pôde sentir a convicção e até a paixão com que defendeu o plano pacificador que elaborou. A vitória tem que ser dividida com outros mais. Como, por exemplo, com a Igreja Católica, na figura do cardeal Dom Miguel Obando y Bravo, arcebispo de Manágua, que mediou as negociações. Com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, o brasileiro João Baena Soares, que os Estados Unidos não desejam que seja reeleito para o posto. E com outros mais.
Nomes, felizmente, há em profusão. O que se espera, somente, é que as superpotências, agora, não atrapalhem o processo que não ajudaram a criar. Se puderem ajudar, muito bem, que ajudem, se quiserem. Mas que a ajuda seja de caráter humanitário, e não político.
Se não tiverem condições para isso, que fiquem à margem. Afinal, trata-se de uma família, que se está reconciliando. E tais reconciliações são atos muito íntimos e com enorme carga de emotividade para que estranhos, mesmo que muito bem intencionados, se imiscuam.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 25 de março de 1988)

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