Friday, November 04, 2011







Perdidos na Noite

Pedro J. Bondaczuk

A programação de TV de 1984 apresentou uma quantidade bem maior de novidades do que a de 1983, o que mostra uma saudável busca de novos caminhos por parte das sete emissoras sintonizadas em São Paulo. Em algumas casos, ocorreram meras mudanças de nomes e horários, conservando-se esquemas já muito surrados, em vigos desde os tempos de rádio. Em outros, porém, o telespectador acabou agraciado com ótimas surpresas, ganhando novas opções para o seu entretenimento e para a sua informação.

A tônica em 1984, já destacamos anteriormente, foi a ampliação do espaço destinado ao jornalismo. Nunca um país discutiu tanto a sua realidade e nem expressou com tanta clareza suas aspirações por mudanças, como aconteceu neste ano. E as emissoras que começaram timidamente essa abertura de novos horizontes, acabaram discutindo de tudo, livremente, sem maiores restrições. Sucessão, dívida externa, recessão, crise social, segurança pública e outros temas tão importantes, fizeram o dia a dia do telespectador, substituindo dezenas de enlatados importados, desses que veiculam apenas a violência gratuita, sem nenhuma mensagem criadora em seu bojo.

Mas a grande novidade do ano, sem dúvida nenhuma, foi a volta da irreverência ao vídeo, representada, principalmente, por este apresentador que pode ser considerado revelação em termos de TV, chamado Fausto Silva. O seu "Perdidos na Noite" caiu no gosto definitivo do telespectador, redimindo um horário que as emissoras nunca consideraram muito importante e que reservavam, até aqui, apenas para a apresentação de filmes, geralmente reprises de quarta categoria.

O interessante no programa do Fausto Silva é o fato dele não ter introduzido nenhum novo esquema. Apenas reviveu a fórmula do rádio, das décadas dos 30s e 40s, quando apresentadores como César Ladeira, Almirante, Ary Barroso e César de Alencar, com seu talento pessoal, e valorizando quem sempre deveria ser valorizado nesse tipo de programa de auditório, ou seja, os cantores, eram campeões absolutos de audiência.

Fausto, porém, não imita ninguém. Seu programa não tem calouros, não tem jurados e nem dançarinas acompanhando as músicas, elementos invariáveis em programações congêneres, usados até mesmo em musicais sertanejos. Embora explorando fórmula do rádio antigo, soube inteligentemente inovar em cima dela. Dessa maneira, o auditório perde o seu caráter estático de antigamente e passa a fazer parte direta do show, com suas faixas bem-humoradas e críticas e as expressões do rosto "flagradas" pelas câmeras durante o andamento das exibições dos cantores.

Nos programas radiofônicos da década dos 40s, o público também participava. Mas de uma forma "badalativa", mecânica e até ensaiada, através dos célebres "fãs clubes", que originaram, até mesmo, o surgimento de uma nova expressão popular para designar seus integrantes. Foi a época das "macacas de auditório", que na TV outros apresentadores tentaram reviver, mas sem o mesmo sucesso.

No "Perdidos na Noite" a participação dos que assistem é totalmente espontânea. Aliás, o Fausto até mesmo chega a ironizar as platéias ensaiadas (que evidentemente não é o caso da sua), quando afirma que os presentes ao Teatro Záccaro ganham cachê para comparecer ou quando alguém levanta uma plaquinha, no fundo do palco, com os dizeres "aplauso". Todas as manifestações no programa, qualquer telespectador percebe, são absolutamente naturais.

Outro ponto a ser ressaltado (positivo, é evidente) é a variedade de atrações que a produção oferece. Tem de tudo nesse "happening" musical. Desde Toquinho, Gonzaguinha, Guilherme Arantes e outros "cobras" da MPB, a Rita Cadilac e Waldick Soriano, contentando a todos os gostos e preferências. Inteligentemente, o programa não se fixa nem no rock, nem no sambão, nem no iê-iê-iê e nem no sertanejo. Faz uma "salada" mista com todas essas tendências e com isso imprime um ritmo trepidante à apresentação.

Estendemos um pouco mais as nossas considerações acerca do programa por motivos óbvios. Dada a sua evidente evolução de audiência, é claro que ele se torna o assunto do momento. Ele é até mesmo uma maneira sadia de espantar a "sinistrose" que nos apanhou, em conseqüência da crise que atravessamos. Mas não escondendo os fatos negativos e nem alienando ninguém, já que, com extrema habilidade, os problemas que tanto nos preocupam são constantemente mencionados, de uma forma irônica e brincalhona, por Fausto Silva, bem ao nosso estilo brasileiro.

Nas próximas semanas, iremos analisar a programação de 1984 com mais detalhes e apontar os que, no nosso entender, foram os melhores programas do ano. Mas, de antemão, antecipamos que em termos de novidade, o "Perdidos na Noite" ganha, disparado, como a melhor produção de variedades dos últimos tempos de nossa TV.

(Artigo publicado na página 19, Arte & Variedades, do Correio Popular em 7 de dezembro de 1984)

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