Sunday, November 27, 2011







Obsessão pela fama

Pedro J. Bondaczuk

"A fama é a soma de equívocos criados em torno de uma pessoa". Essa afirmação não é minha. É de um poeta, aliás famoso, e que, portanto, sabe bem o que diz. Ou sabia, pois já morreu. Isso foi escrito pelo austríaco, Rainer Marie Rilke, a propósito de quem tive a oportunidade de tecer alguns comentários num recente texto. Embora se trate de evidente verdade, não se pode generalizar. Todavia, em boa parte das vezes, muitas pessoas tornam-se, de fato, famosas por motivos errados. Ou seja, por causa de uma soma de equívocos.
A fama é um dos temas recorrentes sobre os quais me debruço há muito. Daí várias das minhas constatações a propósito soarem familiares, quando não repetitivas, aos leitores que me prestigiam com sua leitura. Duvido que haja alguém que nunca tenha pelo menos sonhado em ser famoso, sem levar em conta o lado ruim dessa condição. Certamente, não foi a fama (ou seria recompensa?) que os intelectuais engajados na solução dos problemas do seu tempo buscaram (ou buscam) da sociedade. Almejam, isto sim, o "reconhecimento" das gerações futuras, pelo que fizeram e deixaram como patrimônio cultural. Nem sempre (ou quase nunca) conseguem.
Nem é preciso que alguém me lembre que já escrevi tudo isso, talvez com as mesmíssimas palavras, em outras ocasiões, posto que em diferentes contextos. A reiteração, desde que não exagerada, é a melhor maneira de fixar na memória do leitor alguns conceitos básicos e importantes. Almejar a fama é atitude normal. Mas há quem vá além e tenha obsessão por isso.
Muitos (e põe muitos nisso!), têm consciência que suas possibilidades de se tornarem famosos são ínfimas, irrisórias ou quase nulas (se não nulas mesmo). Todavia, se tiverem filhos que sejam prodígios em alguma coisa (ou que os considerem como tal, o que é mais comum), apostam todas suas fichas neles, sufocando-os, fazendo-lhes exigências não raro descabidas, enchendo-os de compromissos e exaustivas atividades e arruinando, quase sempre, sua infância.
Se os “pimpolhos” forem, mesmo, o que esses pais obcecados acham, ou esperam que sejam, findam por conquistar a fama, às vezes por caminhos tortuosos. Pouco lhes importa se essa condição faz os “filhotes” felizes ou não. Geralmente tornam-se infelizes e sumamente incomodados com o lado ruim do ser famoso: a perda da privacidade e da liberdade individual, entre outras tantas inconveniências.
Por que estou tratando novamente dessa questão já tão batida? Para enfatizar o lançamento, no Brasil, do novo livro da escritora norte-americana Joyce Carol Oates, “Minha irmã, meu amor”, publicação da Editora Alfaguara. O romance em tela trata, justamente, dessa questão: fama. Ou, mais especificamente, obsessão pela fama. Mas não propriamente de quem se torna famosa, uma garotinha prodígio de apenas seis anos de idade, mas de seus pais. E a coisa termina em tragédia.
A história, posto que se trate de ficção, baseia-se em um fato real. Todos os livros de Oates seguem essa linha. Ela romanceia acontecimentos reais, mesclando fatos a criações ficcionais. “Minha irmã, meu amor” trata do assassinato de uma garotinha de seis anos, que em tão tenra idade se tornou fenômeno na patinação no gelo. A menininha prodígio foi encontrada no porão de sua casa, com os braços amarrados às costas e o crânio arrebentado. Quem fez isso? Por que? Até hoje tudo isso é um mistério para a polícia e para o público. O assassinato aconteceu em 1996, mas permanece, até hoje, sem solução. O caso, provavelmente, foi arquivado como insolúvel.
Embora trate de um episódio trágico (óbvio, a morte sempre é trágica, ainda mais de uma criança e naquelas circunstâncias), Joyce Carol Oates não raro apresenta cenas cômicas ao longo do livro (às vezes até abusa delas, para surpresa do leitor). Seu foco é a desestabilização da família da vítima, que vivia em função do sucesso e da fama da garotinha. Com sua morte, perdeu todos os objetivos e referenciais.
Em entrevista dada ao jornal “O Estado de São Paulo”, por e-mail, a escritora explica o que a levou a escrever o romance e, sobretudo, com o enfoque que lhe deu: “Minha intenção era dramatizar a agudeza e o pathos particulares de uma vítima de um tablóide”, explicou. Joyce referiu-se à imprensa sensacionalista, e não apenas dos Estados Unidos, mas do mundo todo (e, claro, também do Brasil), que nunca se importa com as conseqüências e explora a desgraça alheia em manchetes tonitruantes, apenas para vender jornal. Ou, se for televisão, por altos índices de audiência.
Queiram ou não, são os meios de comunicação que fabricam, e não raro também destroem, celebridades, desestabilizando vidas e causando profunda dor e sofrimento, não raro irreparáveis. Mas isso lhes importa? Claro que não! Desde que seus programas sensacionalistas alcancem altos índices de audiência ou as notícias apresentadas com crueza e até sadismo redundem em esgotamento de edições nas bancas de jornais. Como jornalista, este é o lado que me repugna em minha profissão e me causa mais mal-estar.
Muito leitor desavisado (ou mal-informado, o que seria o caso), pode estar se perguntando: “Afinal de contas, quem é esta tal de Joyce Carol Oates?”. Bem, vou adiantando que se trata de uma celebridade do mundo editorial norte-americano. Há já alguns anos, vem sendo tida e havida como candidata natural (naturalíssima) ao Prêmio Nobel de Literatura. Aos 73 anos de idade (completados em 16 de junho deste 2011), permanece em plena atividade, não apenas literária, mas como titular de uma cátedra na Universidade de Princeton, no Estado de Nova Jersey, onde atua desde 1978.
Não é inédita no Brasil. Fez sucesso, não faz muito, com o romance “Blonde”, traçando a trajetória, na maior parte ficcional, da mais famosa loira do cinema norte-americano, o mito Marilyn Monroe. O lançamento em questão, em dois volumes, foi da Editora Globo. Ademais, Joyce já conquistou importantes prêmios literários nos Estados Unidos, como o “National Book Award” e o “The Pen/Malamud Award for Excellence in Short Fiction”. Além disso, é membro da Academia Americana de Letras e Artes. Como se nota, é famosa (pelo menos em seu país). Todavia, na minha concepção, não chegou à fama por motivos errados. Aliás, convenhamos, muito pelo contrário.

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