Sunday, November 06, 2011







Entendimento como viga-mestra

Pedro J. Bondaczuk


A partir de hoje, a África livra-se, de uma vez por todas, do colonialismo, cujas conseqüências reais para o continente ainda carecem de uma avaliação criteriosa por parte dos historiadores, e a comunidade internacional ganha outro país independente: a Namíbia. Em meio a muita festa por parte da sua população, as solenidades atinentes a esse evento começaram no primeiro minuto da madrugada e deverão se estender por alguns dias. Após 75 anos de domínio sul-africano, 23 dos quais sob luta guerrilheira, o povo namíbio vê cumprido o sonho de líderes de pelo menos três gerações. A nova sociedade nacional, surgida do entendimento (interno e externo), nasce sob o signo da negociação. Mas também surge com muitas incertezas acerca do seu futuro. Seu sucesso como país independente vai depender por completo de sua capacidade de negociar.

Por exemplo, a despeito da independência política, a Namíbia, economicamente, continuará dependendo em grande parte da antiga metrópole: a África do Sul. Seu vasto território não se presta à agricultura. É desértico, pedregoso, calcinado, em 99% da sua extensão. Somente 1% dele é cultivável. Portanto, nesse aspecto, sua dependência de Pretória será virtualmente total. Também em relação aos transportes isto irá acontecer. Sua principal forma de escoar a produção, que tem nos minérios de urânio e zinco as principais riquezas, é a ferrovia construída e administrada pelos sul-africanos, que ademais são donos da maioria de suas minas.

Portanto, a Namíbia, que só nasceu em virtude do entendimento amplo havido entre a África do Sul, Cuba e Angola, sob a mediação norte-americana, só sobreviverá se mantiver essa mesma linha. Se jamais cogitar em estabelecer qualquer tipo de confronto, interno ou externo, quer político, quer econômico, quer racial, resguardados, logicamente, os seus legítimos interesses nacionais.

Além de conservar essa conduta de ponderação, responsabilidade que doravante caberá ao ex-guerrilheiro Sam Nujoma, seu primeiro presidente, que será empossado hoje, a população namíbia precisará definir, com realismo, com os pés no chão, os objetivos que irão nortear essa sociedade. E as premissas do respeito aos direitos humanos, da justiça social e do acatamento à lei, deverão ser fundamentais. Somente assim, a despeito de suas carências e da aridez de seu território, o país será equilibrado e respeitado. Tornar-se-á viável, ao contrário de muitos outros que surgiram e que hoje vegetam, na dependência da piedade internacional, entregues às mãos de caudilhos insensatos, que nada mais aspiram senão o próprio proveito.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 21 de março de 1990)

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