Thursday, November 24, 2011







A guerra no sertão


Pedro J. Bondaczuk

Os 124 anos da destruição do Arraial do Belo Monte, no sertão da Bahia, que se completam em 5 de outubro de 2011, marcam um dos episódios mais controvertidos, pouco estudados e mal-entendidos da história brasileira: a Guerra de Canudos.

A bibliografia a respeito – nacional e internacional – é vasta. Desde Euclides da Cunha, com seu clássico "Os Sertões", ao peruano Mário Vargas Llosa, com "A Guerra do Fim do Mundo", livros de todos os gêneros – da análise histórica a romance –, foram escritos a esse propósito.

Mas a maioria das obras segue o mesmo tom da época dos acontecimentos, enfocados fartamente pela imprensa, em especial a do Rio de Janeiro, capital da República de então. Considera os sertanejos envolvidos nesse drama e, em especial seu líder, Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, como mero bando de lunáticos; como um grupelho de fanáticos religiosos, condenados pela própria Igreja.

É uma visão muito simplista, bem ao gosto da elite. Canudos, na verdade, foi mais uma revolta dos excluídos, dos despossuídos, dos vilipendiados, dos esquecidos, dos "sem-terra", dos quais o País estava, e ainda está mais do que nunca, repleto.

Os moradores do arraial, fundado em 1893 na invadida Fazenda Velha, no município de Massaté, eram camponeses pobres (como os invasores de hoje), expulsos de suas terras pelas sucessivas secas e pelo latifúndio. Um século e uma década depois, o que mudou foi somente o discurso. E o número de brasileiros vítimas dessa exclusão social.

O que essa gente humilde, rústica, na maior parte ignorante e crédula, procurava era apenas melhores condições de subsistência. Além disso, buscava assistência espiritual de conformidade com a sua crença, com a rígida moral transmitida por seus pais, que não mais encontrava na Igreja formal.

Um livro lançado por ocasião do centenário do massacre, em 1997, pela Editora Moderna, como parte da Coleção Polêmica, dos historiadores José Rivair Macedo e Mário Maestri, intitulado "Belo Monte, uma História da Guerra dos Canudos", traz novamente à baila, sob novo enfoque, o instigante tema. Tenta desmistificar a idéia, que passou para a história como expressão da verdade, sobre a natureza do movimento e o perfil do seu líder.

Os comandados de Antônio Conselheiro investiam contra o que entendiam serem os "pecados" da recém-implantada República. Entre estes, dois eram considerados os mais graves: o casamento civil e a separação da Igreja do Estado. Daí serem confundidos com os monarquistas. Aliás, estes foram tidos como os instigadores da revolta sertaneja e seus beneficiários.

A batalha não se desenvolveu apenas no distante sertão baiano. Houve choques de rua no Rio de Janeiro, envolvendo os "sebastianistas" (que acreditavam que Dom Sebastião, o Venturoso, não morreu na Batalha de Alcacer Kibir, mas que voltaria para restaurar o seu trono) e que os republicanos chamavam pejorativamente de "jagunços", e os mais exaltados partidários do novo regime, os "jacobinos", saudosos do governo forte e nacionalista do Marechal Floriano Peixoto.

Quando o arraial Belo Monte foi arrasado, o País tinha seu primeiro presidente civil, Prudente de Morais. A precariedade dos transportes e a inexistência dos meios de comunicação modernos – não havia rádios, telefones, televisão etc. – faziam com que vastas áreas do enorme território nacional fossem autênticas "terras de ninguém". A atenção do governo era voltada basicamente para os Estados do Sul e Sudeste, e mesmo assim de maneira precária.

No Nordeste, a "lei" era a criada e imposta pelos grandes latifundiários, pelos todo-poderosos senhores de engenho. O poder central, no entanto, não podia tolerar contestações como a de Antônio Conselheiro. Canudos passou, em pouco tempo, a ser considerada um perigo sério à própria ordem constituída nacional. Exagero, é claro.

Para sufocar esse "levante", foram organizadas quatro expedições militares, num crescendo de quantidade de soldados e de armamentos. E de patentes dos seus comandantes. Inicialmente, as autoridades federais achavam que apenas a polícia conseguiria controlar os "desordeiros" e repor a ordem. Foi enviado, no começo de 1896, um destacamento policial comandado pelo Tenente Manuel da Silva Ferreira.

Os conselheiristas, conhecedores do terreno, mesmo com armas precárias, desbarataram facilmente esse grupo. Com a vitória, obtiveram armamentos melhores que lhes possibilitavam defesa mais eficaz do arraial. A seguir, no mesmo ano, partiu um considerável contingente do exército, comandado pelo Major Febrônio de Brito. Também foi derrotado. Ou melhor, foi virtualmente dizimado.

Em março de 1897, os conselheiristas derrotaram a expedição comandada pelo Coronel Antônio Moreira César, que morreu combatendo. As autoridades federais convenceram-se que se tratava de um levante "muito sério". Comentava-se, na Capital Federal, que havia até soldados estrangeiros lutando ao lado dos revoltosos ou pelo menos determinando sua estratégia de combate.

Foram enviadas, pois, a Canudos seis brigadas, desta vez comandadas por dois generais: João da Silva Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget. A convicção era de que desta vez não sobraria pedra sobre pedra em Belo Monte. Achava-se que os rebelados sequer combateriam, diante dessa demonstração de força. Fugiriam espavoridos. Outro engano. Não fugiram. As seis brigadas foram dizimadas e os sertanejos fizeram uma excepcional colheita de armas.

Finalmente, a quarta expedição, muito mais numerosa e melhor equipada, com o que havia de melhor em termos de artilharia pesada na época, sob o comando do General Artur Oscar de Andrade Guimarães, exterminou os revoltosos. José Rivair Macedo e Mário Maestri ressaltam em seu livro:

"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo-a-palmo, na precisão do termo, caiu no dia 5 (de outubro), quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados".

Hoje, de Belo Monte, não sobrou sequer a própria área. O local que abrigou uma das mais unidas comunidades populares do País está coberto pelas águas do Açude Cocorobó, concluído durante a ditadura militar. Resta aos historiadores a tarefa de um resgate da verdade. De quem eram, realmente, Antônio Conselheiro e seus seguidores. E, sobretudo, o que esses brasileiros pretendiam.

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