Sunday, November 20, 2011







Crise no teto do mundo


Pedro J. Bondaczuk


O Nepal, pequeno país da Ásia, de 141.058 quilômetros quadrados e 14,3 milhões de habitantes, espremido entre a China e a Índia, sempre foi conhecido no Ocidente por duas particularidades. Uma, é ditada pela natureza e a outra, pelos costumes do seu povo.
A primeira coisa que o torna conhecido é o fato de estar localizado no chamado “teto do mundo”, ou seja, na Cordilheira do Himalaia, o ponto mais elevado da Terra. O outro aspecto que chama a atenção foi a liberdade concedida, até não muito tempo, para que as mais diversas drogas, da maconha ao ópio, fossem comercializadas e consumidas livremente, sem a mínima restrição legal.
Ambas particularidades renderam, a esse reino asiático, muitos dólares, levados para lá por alguns milhares de turistas. Não foram poucos os norte-americanos e europeus, por exemplo, que tentaram imitar o feito do alpinista britânico, sir Edmund Hillary, que em 1953 conseguiu escalar o Pico do Everest, de 8.848 metros de altura. Ou seja, quase nove quilômetros, quase o equivalente ao teto aéreo da maioria das aeronaves comerciais. E o Nepal tem, ainda, outros sete picos, de alturas parecidas.
Por outro lado, até 1972, quando a livre circulação de drogas teve um paradeiro (pelo menos oficial), milhares de “hippies”, de várias partes do mundo (inclusive do Brasil) afluíram para a capital desse reino, Katmandu, cidade de cerca de 400 mil habitantes, com o objetivo de se drogar, sem que ninguém interferisse.
Apesar da proibição pró-forma, as autoridades nepalesas seguem fazendo vistas grossas à circulação e ao consumo de entorpecentes, a despeito da pressão que sofrem do governo norte-americano para que reprimam, com energia, a ação dos traficantes.
Mas há uma particularidade sobre o Nepal que pouca gente conhece. É o fato do país, apesar de ter um Parlamento e um primeiro-ministro, não dispor de partidos legais, proscritos pelo rei Mahendra Bir Bikram Shah Deva, em 1960.
Dois anos depois, uma nova Constituição (hoje bastante defasada e muito remendada) entrou em vigor e estabeleceu um sistema de governo baseado em conselhos municipais e provinciais, subordinados ao Panchayat, a Assembléia Nacional.
Dos 140 parlamentares, 112 são eleitos e 28 nomeados pelo rei. Para os que têm que se submeter às urnas, a indicação é feita por 75 assembléias distritais, que têm o papel de partidos. Duas facções políticas, porém, resistem, há 25 anos, à ordem de se dissolver. Tratam-se do Partido do Congresso Nepalês e do Partido Comunista.
São raras as ocasiões em que políticos ligados a essas entidades proscritas não promovem distúrbios populares. As conseqüências dessas ações são invariavelmente iguais. As prisões do Nepal acabam lotadas de opositores ao regime.
Pelo visto, porém, esse reino, governado desde 1972 pelo rei Birendra Bir Bikram Shah Deva (coroado três anos após assumir oficialmente o trono, em 24 de fevereiro de 1975), não anda lá muito bem das pernas. A renda per capita do Nepal é uma das mais baixas do mundo, de irrisórios US$ 135 anuais. A expectativa de vida não ultrapassa os 44 anos de idade. As condições sociais são terríveis, com índices imensos de analfabetismo.
O país, embora tenha considerável produção agrícola, especialmente em seus ubérrimos vales, exporta produtos que lhe rendem, apenas, US$ 80 milhões anuais, enquanto as importações são, exatamente, quatro vezes maiores, ou seja, de US$ 320 milhões.
É claro que esse déficit na balança comercial tem que ser coberto de alguma maneira. Por isso é que a dívida externa nepalesa está em ascensão e já chega a US$ 2 bilhões. A conseqüência imediata é que o rei não dispõe de recursos para investir em escolas, hospitais e saneamentos básicos, entre outros setores.
Claro que Birendra e seus cortesãos não contam com somente US$ 135 anuais para gastar, importância irrisória, que não daria para custear, sequer, o que seus elefantes comem em um mês. Chega-se à conclusão que, milhares de nepaleses não contam com nenhuma renda.
Por tudo isso, não é de se estranhar que, com uma freqüência assustadora, o Nepal se veja às voltas com sangrentos conflitos sociais. Afinal, seus governantes, do alto de sua profunda arrogância, imensa ignorância e olímpica indiferença, equilibrando-se no “teto do mundo”, assistem, impassíveis, à decomposição do próprio povo.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 31 de maio de 1985).

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: