Consagração apenas nacional
Pedro J. Bondaczuk
A conquista de um Prêmio Nobel de Literatura representa a consagração nacional e internacional do escritor que o obtém, certo? Apenas em termos, ou seja, com restrições. Em seu país, sem dúvida, o autor de tamanho feito é reverenciado (certamente com justiça, pois ninguém é premiado com tamanha honraria se não tiver algum mérito) e inscreve-se para sempre em sua história. Alguns ganham até estátuas em praças públicas, emprestam seus nomes a escolas, bibliotecas, ginásios de esporte e outros tantos logradouros e são tomados como parâmetros de qualidade pelos críticos e professores de literatura conterrâneos.
No plano internacional, porém... Nem todos conseguem a projeção que merecem e que talvez até esperassem. Os que se projetam, são os que já eram conhecidos antes da obtenção desse prêmio. Peguem a relação dos ganhadores de Nobel de Literatura e vocês, certamente, constatarão o quão verdadeira é esta minha observação. Há escritores que no Brasil praticamente ninguém ouviu falar, nem os mais fanáticos bibliófilos, que conhecem quase tudo o que se refira ao mundo das letras Planeta afora.
Quando se trata, então, de poetas, as dificuldades de projeção se multiplicam. Há, ainda (e temo que isso não vá mudar nunca), imensa resistência dos leitores (e não somente no Brasil) em adquirir livros de poesia, mesmo de autores mundialmente consagrados. Por que? Sabe-se lá! Como conseqüência disso, as editoras relutam em publicá-los. Se estrangeiros, que requerem a contratação de um eficiente tradutor, a relutância cresce ainda mais. Mesmo que se trate de algum ganhador de Prêmio Nobel de Literatura.
Querem um exemplo (embora seja até dispensável)? Pois lá vai um. Você, bem informado leitor compulsivo, que lê, e muito, os melhores livros, nacionais e internacionais, que chegam às suas mãos, porventura conhece Wislawa Szymborska? Não?!!! Que pena!!! Ela é a glória da literatura polonesa contemporânea. É tão boa no que faz, que mesmo havendo publicado somente três livros (“Convocação para Yeti”, “Poderia ser” e “O fim e o princípio”), conquistou o mais cobiçado e o mais famoso prêmio literário do mundo. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1996.
“É, mas o seu nome, complicado, de difícil pronúncia e, portanto, de dificílima memorização, é um obstáculo muito grande para a sua popularização”, podem dizer alguns, não sem certa dose de razão. Claro, porém, que ele não é difícil para os poloneses. Todavia, para nós, brasileiros... ou para ingleses, franceses, alemães etc.etc.etc. esse monte de consoantes com poucas vogais é coisa de dar nó na língua de qualquer um.
Essa nobre senhora que, em 2 de julho completou 88 anos de idade (nasceu em Komik, em 1923), é a glória e o orgulho das artes da Polônia, notadamente da sua rica literatura.
Wislawa conquistou a admiração e a reverência do seu povo por vários motivos. Primeiro, pelos temas que aborda. Seus poemas versam, na grande maioria, sobre as dificuldades enfrentadas pelos poloneses na Polônia moderna, pós-era comunista e pós-guerra fria. Outra de suas virtudes é a linguagem que emprega. Escreve de forma simples, direta, coloquial, como se conversasse com o leitor. E, de fato, conversa, posto que em linguagem poética. Terceiro, utiliza, como poucos, muito bem o recurso da ironia, quando esta é cabível.
Não tenho informações sobre se algum dos três livros de Wislawa Szymborska (ou se os três) foi traduzido para o português e lançado no Brasil. Até presumo que sim, mas não tenho certeza. Só sei que li seu nome pouquíssimas vezes na imprensa e na internet e nunca o ouvi nas rodas literárias de escritores meus amigos e conhecidos. No meu caso, pesquisei a seu respeito, ainda em 1996, quando ganhou o Nobel, e anotei em meus apontamentos alguns poemas que ela compôs, publicados nos veículos de comunicação internacionais naquela ocasião. Por isso, e só por isso, tenho tantas informações sobre ela.
Contudo, até em cumprimento de um dos principais objetivos deste espaço, que é o de divulgar obras marcantes e seus autores, sejam eles de que lugar (e de que época) forem, trago-lhes não uma, mas duas amostras da poesia de Wislawa Szymborska, glória da literatura contemporânea da Polônia (cujo tradutor, infelizmente, não anotei). Deliciem-se com elas, como eu me deliciei.
Elogio aos sonhos
Em sonho
sou capaz de pintar como Vermeer van Delft.
Falo grego fluente
e não somente com os vivos.
Dirijo um automóvel
que me obedece.
Ouço vozes
não menos que os santos mais destacados.
Vocês ficariam atarantados
com minha virtuosidade ao piano.
Flutuo, como se deve,
isto é, sozinha.
Caindo do telhado
consigo aterrissar suave sobre a relva.
Não tenho dificuldade
em respirar debaixo da água.
Não me queixo:
pude descobrir a Atlântida.
Alegra-me que consiga acordar
sempre antes da morte.
Retorno ao melhor recanto
logo antes do início da guerra.
Sou, mas não preciso ser,
uma criança de meu tempo.
Alguns anos faz
enxerguei dois sóis.
E anteontem um pingüim ---
com a maior clareza.
Céu
Era preciso começar daí: céu.
Janela sem encosto, sem moldura, sem vidraça.
Abertura e nada mais,
porém muito bem aberta.
Não preciso aguardar a noite amena
nem levantar a cabeça
para perscrutar o céu.
Tenho céu atrás de mim, sob as mãos e debaixo das pálpebras,
estou enredada de céu
e isto me exalta.
Nem as montanhas mais altas
estão mais próximas do céu
do que os vales mais profundos.
Não há mais céu num lugar
do que em outro.
A nuvem está atada ao céu
indiferente como o túmulo.
A toupeira é tão feliz
quanto a coruja que abre as asas.
O objeto que cai no precipício
cai do céu no céu.
Partes poeirentas, líquidas, montanhosas,
passageiras e queimadas do céu, migalhas de céu,
brisas de céu, e montes.
O céu é onipresente
até nas trevas sob a pele.
Devoro o céu, rejeito o céu.
Estou com armadilhas na armadilha,
com o habitante instalado,
com o abraço abraçado,
com a pergunta presente na resposta.
A divisão entre céu e terra
não foi pensada de forma adequada
a respeito desta unidade.
Permite até que se sobreviva
num endereço mais exato,
que pode ser achado mais depressa
se me procurarem.
Os meus sinais característicos são
o arrebatamento e o desespero.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A conquista de um Prêmio Nobel de Literatura representa a consagração nacional e internacional do escritor que o obtém, certo? Apenas em termos, ou seja, com restrições. Em seu país, sem dúvida, o autor de tamanho feito é reverenciado (certamente com justiça, pois ninguém é premiado com tamanha honraria se não tiver algum mérito) e inscreve-se para sempre em sua história. Alguns ganham até estátuas em praças públicas, emprestam seus nomes a escolas, bibliotecas, ginásios de esporte e outros tantos logradouros e são tomados como parâmetros de qualidade pelos críticos e professores de literatura conterrâneos.
No plano internacional, porém... Nem todos conseguem a projeção que merecem e que talvez até esperassem. Os que se projetam, são os que já eram conhecidos antes da obtenção desse prêmio. Peguem a relação dos ganhadores de Nobel de Literatura e vocês, certamente, constatarão o quão verdadeira é esta minha observação. Há escritores que no Brasil praticamente ninguém ouviu falar, nem os mais fanáticos bibliófilos, que conhecem quase tudo o que se refira ao mundo das letras Planeta afora.
Quando se trata, então, de poetas, as dificuldades de projeção se multiplicam. Há, ainda (e temo que isso não vá mudar nunca), imensa resistência dos leitores (e não somente no Brasil) em adquirir livros de poesia, mesmo de autores mundialmente consagrados. Por que? Sabe-se lá! Como conseqüência disso, as editoras relutam em publicá-los. Se estrangeiros, que requerem a contratação de um eficiente tradutor, a relutância cresce ainda mais. Mesmo que se trate de algum ganhador de Prêmio Nobel de Literatura.
Querem um exemplo (embora seja até dispensável)? Pois lá vai um. Você, bem informado leitor compulsivo, que lê, e muito, os melhores livros, nacionais e internacionais, que chegam às suas mãos, porventura conhece Wislawa Szymborska? Não?!!! Que pena!!! Ela é a glória da literatura polonesa contemporânea. É tão boa no que faz, que mesmo havendo publicado somente três livros (“Convocação para Yeti”, “Poderia ser” e “O fim e o princípio”), conquistou o mais cobiçado e o mais famoso prêmio literário do mundo. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1996.
“É, mas o seu nome, complicado, de difícil pronúncia e, portanto, de dificílima memorização, é um obstáculo muito grande para a sua popularização”, podem dizer alguns, não sem certa dose de razão. Claro, porém, que ele não é difícil para os poloneses. Todavia, para nós, brasileiros... ou para ingleses, franceses, alemães etc.etc.etc. esse monte de consoantes com poucas vogais é coisa de dar nó na língua de qualquer um.
Essa nobre senhora que, em 2 de julho completou 88 anos de idade (nasceu em Komik, em 1923), é a glória e o orgulho das artes da Polônia, notadamente da sua rica literatura.
Wislawa conquistou a admiração e a reverência do seu povo por vários motivos. Primeiro, pelos temas que aborda. Seus poemas versam, na grande maioria, sobre as dificuldades enfrentadas pelos poloneses na Polônia moderna, pós-era comunista e pós-guerra fria. Outra de suas virtudes é a linguagem que emprega. Escreve de forma simples, direta, coloquial, como se conversasse com o leitor. E, de fato, conversa, posto que em linguagem poética. Terceiro, utiliza, como poucos, muito bem o recurso da ironia, quando esta é cabível.
Não tenho informações sobre se algum dos três livros de Wislawa Szymborska (ou se os três) foi traduzido para o português e lançado no Brasil. Até presumo que sim, mas não tenho certeza. Só sei que li seu nome pouquíssimas vezes na imprensa e na internet e nunca o ouvi nas rodas literárias de escritores meus amigos e conhecidos. No meu caso, pesquisei a seu respeito, ainda em 1996, quando ganhou o Nobel, e anotei em meus apontamentos alguns poemas que ela compôs, publicados nos veículos de comunicação internacionais naquela ocasião. Por isso, e só por isso, tenho tantas informações sobre ela.
Contudo, até em cumprimento de um dos principais objetivos deste espaço, que é o de divulgar obras marcantes e seus autores, sejam eles de que lugar (e de que época) forem, trago-lhes não uma, mas duas amostras da poesia de Wislawa Szymborska, glória da literatura contemporânea da Polônia (cujo tradutor, infelizmente, não anotei). Deliciem-se com elas, como eu me deliciei.
Elogio aos sonhos
Em sonho
sou capaz de pintar como Vermeer van Delft.
Falo grego fluente
e não somente com os vivos.
Dirijo um automóvel
que me obedece.
Ouço vozes
não menos que os santos mais destacados.
Vocês ficariam atarantados
com minha virtuosidade ao piano.
Flutuo, como se deve,
isto é, sozinha.
Caindo do telhado
consigo aterrissar suave sobre a relva.
Não tenho dificuldade
em respirar debaixo da água.
Não me queixo:
pude descobrir a Atlântida.
Alegra-me que consiga acordar
sempre antes da morte.
Retorno ao melhor recanto
logo antes do início da guerra.
Sou, mas não preciso ser,
uma criança de meu tempo.
Alguns anos faz
enxerguei dois sóis.
E anteontem um pingüim ---
com a maior clareza.
Céu
Era preciso começar daí: céu.
Janela sem encosto, sem moldura, sem vidraça.
Abertura e nada mais,
porém muito bem aberta.
Não preciso aguardar a noite amena
nem levantar a cabeça
para perscrutar o céu.
Tenho céu atrás de mim, sob as mãos e debaixo das pálpebras,
estou enredada de céu
e isto me exalta.
Nem as montanhas mais altas
estão mais próximas do céu
do que os vales mais profundos.
Não há mais céu num lugar
do que em outro.
A nuvem está atada ao céu
indiferente como o túmulo.
A toupeira é tão feliz
quanto a coruja que abre as asas.
O objeto que cai no precipício
cai do céu no céu.
Partes poeirentas, líquidas, montanhosas,
passageiras e queimadas do céu, migalhas de céu,
brisas de céu, e montes.
O céu é onipresente
até nas trevas sob a pele.
Devoro o céu, rejeito o céu.
Estou com armadilhas na armadilha,
com o habitante instalado,
com o abraço abraçado,
com a pergunta presente na resposta.
A divisão entre céu e terra
não foi pensada de forma adequada
a respeito desta unidade.
Permite até que se sobreviva
num endereço mais exato,
que pode ser achado mais depressa
se me procurarem.
Os meus sinais característicos são
o arrebatamento e o desespero.
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