Inaceitável invasão na privacidade
Pedro J. Bondaczuk
A televisão, dada a sua instantaneidade e grande penetração, tem o poder de construir e de destruir o prestígio de quem quer que seja. Exatamente em virtude dessa força que possui, tem, diante de si, uma responsabilidade redobrada quanto àquilo que manda para o ar.
A edição de um jornal de TV, portanto, não pode ser algo aleatório, apressado, mal elaborado. Aliás, não somente na televisão, mas em qualquer outro veículo, o que se informa deve ser tratado com cautela e respeito ao cidadão, sempre procurando ouvir as duas partes envolvidas na notícia. É necessário um trabalho muito cuidadoso, porque esse "olho mágico", que é a telinha, que praticamente hipnotiza milhões de pessoas diariamente, pode, dependendo da circunstância, prestar mais um desserviço do que o serviço que se propõe a realizar.
Essa introdução foi feita a propósito de algo que vem ocorrendo há algum tempo em noticiosos televisivos e que tem gerado comentários por parte dos nossos leitores. Refere-se à invasão, que alguns repórteres despreparados e alguns editores desatenciosos vêm fazendo à vida privada de certos homens públicos.
Há assuntos que, embora envolvendo figuras políticas, interessam somente a estas ou a seus familiares. Nada que não diga respeito diretamente às suas atividades específicas, portanto, pode ser explorado e divulgado sem seu prévio consentimento. Mas não é isso o que se vem observando de uns tempos para cá.
O episódio mais recente e que mereceu comentários de leitores desta coluna foi o que envolveu o problema de saúde do presidente da Câmara Federal e do PMDB, deputado Ulysses Guimarães, que manifestou acentuados sintomas de estafa. Quem já passou por situações semelhantes sabe que aquilo que se deseja em tais circunstâncias é sossego. É que não se faça a mínima menção sequer à palavra doença, quanto mais especulações leigas de quem não entende nada de saúde e que só consegue causar alarme no estafado. O que se fez, todavia, há três semanas, com essa personalidade política (que embora vigorosa e lúcida, se trata de alguém com idade em que já não se toleram certas coisas), foi deprimente.
Um simples atraso do deputado no trajeto entre o aeroporto de São Paulo e a sua residência, causou um corre-corre inusitado entre os repórteres. Compreende-se isso, em se sabendo da importância dessa figura pública no País. Mas a projeção de Ulysses não dá o direito a ninguém para que cobre, em público, explicações sobre onde ele esteve ou deixou de estar, ou que exija que ele fale acerca de um problema que certamente queria esquecer ou, então, que se busque devassar assuntos seus, particulares, que interessam sobretudo à sua família.
Essa atitude, além de refletir um enorme despreparo profissional, é sintoma de insensibilidade. É o agente do órgão de informação querendo se apropriar da personalidade pública, para que essa o ajude "a forjar uma notícia". É não levar em consideração os sentimentos e as emoções alheios. E esse não é, em absoluto, o papel de nenhum órgão informativo.
Frise-se que essa não foi a primeira ocorrência desse tipo. Reportagens como a mencionada, em que a especulação ganha destaque sobre a informação, têm um nome que até assusta os profissionais da área quando mencionado, mas que se encaixa como uma luva nessa caso: sensacionalismo.
Ressalte-se que não foi apenas um único canal que cometeu essa indelicadeza com Ulysses (para não dizer outra coisa). Em todos os noticiários veiculados no dia do incidente, lá estavam dezenas de microfones enfiados no rosto do deputado, que mostrava um aspecto visivelmente contrariado e de cansaço (afinal, estava com estafa).
Como se sentiriam cada um dos que participaram dessa grotesca pantomima se o molestado fosse ele com as perguntas cretinas, dignas de figurar nos livros que o saudoso Stanislaw Ponte Preta escreveu reunindo as "cocoroquices" que ocorriam em sua época, no Brasil e que denominou (mui sabiamente) de "Festival de Besteira que Assola o País"?
(Artigo publicado na página 12, Arte & Variedades do Correio Popular, em 24 de maio de 1986)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A televisão, dada a sua instantaneidade e grande penetração, tem o poder de construir e de destruir o prestígio de quem quer que seja. Exatamente em virtude dessa força que possui, tem, diante de si, uma responsabilidade redobrada quanto àquilo que manda para o ar.
A edição de um jornal de TV, portanto, não pode ser algo aleatório, apressado, mal elaborado. Aliás, não somente na televisão, mas em qualquer outro veículo, o que se informa deve ser tratado com cautela e respeito ao cidadão, sempre procurando ouvir as duas partes envolvidas na notícia. É necessário um trabalho muito cuidadoso, porque esse "olho mágico", que é a telinha, que praticamente hipnotiza milhões de pessoas diariamente, pode, dependendo da circunstância, prestar mais um desserviço do que o serviço que se propõe a realizar.
Essa introdução foi feita a propósito de algo que vem ocorrendo há algum tempo em noticiosos televisivos e que tem gerado comentários por parte dos nossos leitores. Refere-se à invasão, que alguns repórteres despreparados e alguns editores desatenciosos vêm fazendo à vida privada de certos homens públicos.
Há assuntos que, embora envolvendo figuras políticas, interessam somente a estas ou a seus familiares. Nada que não diga respeito diretamente às suas atividades específicas, portanto, pode ser explorado e divulgado sem seu prévio consentimento. Mas não é isso o que se vem observando de uns tempos para cá.
O episódio mais recente e que mereceu comentários de leitores desta coluna foi o que envolveu o problema de saúde do presidente da Câmara Federal e do PMDB, deputado Ulysses Guimarães, que manifestou acentuados sintomas de estafa. Quem já passou por situações semelhantes sabe que aquilo que se deseja em tais circunstâncias é sossego. É que não se faça a mínima menção sequer à palavra doença, quanto mais especulações leigas de quem não entende nada de saúde e que só consegue causar alarme no estafado. O que se fez, todavia, há três semanas, com essa personalidade política (que embora vigorosa e lúcida, se trata de alguém com idade em que já não se toleram certas coisas), foi deprimente.
Um simples atraso do deputado no trajeto entre o aeroporto de São Paulo e a sua residência, causou um corre-corre inusitado entre os repórteres. Compreende-se isso, em se sabendo da importância dessa figura pública no País. Mas a projeção de Ulysses não dá o direito a ninguém para que cobre, em público, explicações sobre onde ele esteve ou deixou de estar, ou que exija que ele fale acerca de um problema que certamente queria esquecer ou, então, que se busque devassar assuntos seus, particulares, que interessam sobretudo à sua família.
Essa atitude, além de refletir um enorme despreparo profissional, é sintoma de insensibilidade. É o agente do órgão de informação querendo se apropriar da personalidade pública, para que essa o ajude "a forjar uma notícia". É não levar em consideração os sentimentos e as emoções alheios. E esse não é, em absoluto, o papel de nenhum órgão informativo.
Frise-se que essa não foi a primeira ocorrência desse tipo. Reportagens como a mencionada, em que a especulação ganha destaque sobre a informação, têm um nome que até assusta os profissionais da área quando mencionado, mas que se encaixa como uma luva nessa caso: sensacionalismo.
Ressalte-se que não foi apenas um único canal que cometeu essa indelicadeza com Ulysses (para não dizer outra coisa). Em todos os noticiários veiculados no dia do incidente, lá estavam dezenas de microfones enfiados no rosto do deputado, que mostrava um aspecto visivelmente contrariado e de cansaço (afinal, estava com estafa).
Como se sentiriam cada um dos que participaram dessa grotesca pantomima se o molestado fosse ele com as perguntas cretinas, dignas de figurar nos livros que o saudoso Stanislaw Ponte Preta escreveu reunindo as "cocoroquices" que ocorriam em sua época, no Brasil e que denominou (mui sabiamente) de "Festival de Besteira que Assola o País"?
(Artigo publicado na página 12, Arte & Variedades do Correio Popular, em 24 de maio de 1986)
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