Da glória à ruína
Pedro J. Bondaczuk
Há escritores cujas biografias são mais dramáticas (algumas descambam para o rocambolescos), mais repletas de circunstâncias curiosas, dramáticas e até mesmo trágicas, do que as obras literárias que produziram, por melhores que estas possam ter sido. Pode-se citar, nesse caso, por exemplo, o poeta norte-americano Ezra Pound, a quem me referi em recente texto, que passou anos em um manicômio, mesmo contado com muito maior lucidez do que aqueles que o encerraram nesse lugar. Ou seu conterrâneo Ernest Hemmingway, com suas tantas e tantas aventuras, que culminaram com seu trágico e até hoje inexplicável suicídio, ocorrido em Cuba, onde residia, amigo pessoal que era do líder cubano Fidel Castro.
O russo Fedor Dostoievski enquadra-se a caráter nesse perfil, havendo passado um bom tempo em um campo de trabalhos forçados na Sibéria, assim como o discreto, mas genial, Graciliano Ramos, preso, injustamente, durante a ditadura de Getúlio Vargas.
Forçando só um pouquinho a memória, a relação dos escritores com vidas, digamos, “complicadas” aumenta exponencialmente. Há, pois, muitos e muitos outros que podem ser citados. Aliás, tenho trazido à baila (vocês são testemunhas), e com certa frequência, dezenas de menções a esse tipo de homem de letras, aventureiro e inquieto e que, de lambuja, conta com talento fenomenal para a literatura. Em geral, o que escrevem e o que vivem têm ou idêntico interesse, ou as peripécias de suas vidas ultrapassam bastante os frutos de sua imaginação.
Dos vários literatos, cujas biografias conheço (umas mais, outras menos), a que mais me fascina é a do irlandês Oscar Wilde. Dizer que se tratou de escritor sumamente criativo e original, chega a ser redundante. Sua biografia, no entanto, supera, e muito, tudo o que escreveu. E olhem que ele é o autor do célebre “O retrato de Dorian Gray”, aliás seu único romance, já que se notabilizou como exímio novelista, contista, dramaturgo, além de poeta. É o caso típico do sujeito que sobe ao teto do mundo, ao pico do Everest, e de lá se lança no abismo. Não que ele realizasse essa façanha. Não realizou. Mas é uma figura de linguagem que cabe a caráter para ilustrar o que foi a sua vida.
Wilde foi criado por uma família protestante (embora tenha se convertido, no leito de morte, ao catolicismo). Estudou nas melhores escolas, primeiro de Dublin na Irlanda, e depois, de Londres. Foi tido e havido como “garoto prodígio”, iniciando precocemente uma vitoriosa carreira literária que o levou rapidamente ao topo do prestígio. Fundou, até, um movimento estético, o “esteticismo”, ou “dandismo”. Foi convidado a ir aos Estados Unidos para dar palestras a esse respeito. Recusou. Podia dar-se a esse luxo. Casou (com a filha de um rico advogado de Dublin, Constance Lloyd), teve dois filhos e fixou residência em Chelsea, o bairro elegante, então dos artistas e intelectuais de Londres.
Sua carreira ia de vento em popa. Tudo o que escrevia – notadamente após 1892, quando estava com 36 anos de idade – virava sucesso. Tanto que a maioria de suas histórias de então é tida e havida, hoje, como de clássicos da dramaturgia britânica, uma das de melhor qualidade do mundo. São os casos de “O leque de Lady Windermere”, “Uma mulher sem importância”, “Um marido ideal” ou “A importância de ser prudente”, entre tantos. Publicou contos que até hoje são reproduzidos nas melhores antologias, como “O príncipe feliz”, “O rouxinol e a rosa” e “O crime de lord Artur Saville”, por exemplo.
Oscar Wilde, que considero um dos melhores frasistas de todos os tempos, tanto que há uma profusão de suas frases, pinçadas dos seus livros, nos vários sites especializados em citações internet afora. Nadava de braçada no sucesso. Tinha prestígio, respeito e consideração. E excelente condição social. Tinha família, era pai, freqüentava os mais sofisticados círculos londrinos e era paparicado por colegas de letras do seu país e do exterior. Mas... Tudo, de repente, mudou. Sua vida foi, subitamente, virada pelo avesso.
Em maio de 1895, após três julgamentos, o escritor foi condenado a dois anos de prisão, e com trabalhos forçados. Sua reputação, claro, foi para o espaço. E não somente em decorrência da pena, mas do delito de que foi acusado e que lhe valeu essa condenação: homossexualismo. Na Inglaterra vitoriana de então, essa prática era tida como “crime hediondo”. Imaginem o que isso significou para sua família, notadamente para seus filhos!
O autor da acusação foi uma pessoa poderosa e influente, o Marquês de Queensberry, cujo filho, Lorde Alfred Douglas, conhecido pelo apelido de “Bosie”, era tido e havido como amante do escritor. Nunca se soube se de fato foi. É provável que sim. Vários outros rapazes foram citados como tendo mantido relações homossexuais com o réu. A condenação arruinou Oscar Wilde. E não apenas sua reputação e seu prestígio, mas sua saúde e sua (e seu) moral. É verdade que ainda produziu, na prisão, duas obras que hoje são consideradas clássicas, mas que na época foram ignoradas: “De profundis” e “Balada do cárcere de Reading”.
Após cumprir a pena, em 19 de maio de 1897, quando reconquistou a liberdade, poucos amigos o esperavam na saída do complexo penitenciário. Ninguém queria contato com um ex-condenado, e ainda por cima por um delito como aquele que, reitero, na época era considerado hediondo. Seu talento, a partir de então, não mais luziu. Pudera! Embora tenha se tornado mais culto e mais filosófico, foi completamente ignorado pelo mundo das letras, como se jamais houvesse produzido obras consistentes e valiosas.
Mudou de cidade. Foi residir em Paris. Decaiu na condição econômica, já que na social estava praticamente na sarjeta. Passou a residir em uma casa modesta, pobre mesmo, em um bairro decadente da periferia da capital francesa. Deixou, a partir de então, de assinar suas obras com o próprio nome, adotando o pseudônimo de Sebastian Melmoth. Perdeu, provavelmente, o interesse pelas letras, a julgar por sua baixa produtividade literária. Portanto, acho pertinente a figura que utilizei, a do sujeito que escalou o Pico do Everest e de lá se lançou no abismo. E que abismo!
Oscar Wilde tornou-se alcoólatra, para tentar afogar as mágoas e frustrações. Para complicar, adquiriu sífilis, o que acelerou o seu fim. Mas não morreu dessa moléstia e nem de alguma outra relacionada ao alcoolismo. O que o matou foi um violento e fulminante ataque de meningite. Morreu no final do primeiro ano do século XX, ou seja, em 30 de novembro de 1900. Não testemunhou, portanto, a própria reabilitação literária. Sua biografia, ao contrário de muitas de suas novelas, contos e peças literárias, não teve o tão esperado (certamente por ele desejado) “happy end”. Convenhamos, a vida real dificilmente tem.
Há escritores cujas biografias são mais dramáticas (algumas descambam para o rocambolescos), mais repletas de circunstâncias curiosas, dramáticas e até mesmo trágicas, do que as obras literárias que produziram, por melhores que estas possam ter sido. Pode-se citar, nesse caso, por exemplo, o poeta norte-americano Ezra Pound, a quem me referi em recente texto, que passou anos em um manicômio, mesmo contado com muito maior lucidez do que aqueles que o encerraram nesse lugar. Ou seu conterrâneo Ernest Hemmingway, com suas tantas e tantas aventuras, que culminaram com seu trágico e até hoje inexplicável suicídio, ocorrido em Cuba, onde residia, amigo pessoal que era do líder cubano Fidel Castro.
O russo Fedor Dostoievski enquadra-se a caráter nesse perfil, havendo passado um bom tempo em um campo de trabalhos forçados na Sibéria, assim como o discreto, mas genial, Graciliano Ramos, preso, injustamente, durante a ditadura de Getúlio Vargas.
Forçando só um pouquinho a memória, a relação dos escritores com vidas, digamos, “complicadas” aumenta exponencialmente. Há, pois, muitos e muitos outros que podem ser citados. Aliás, tenho trazido à baila (vocês são testemunhas), e com certa frequência, dezenas de menções a esse tipo de homem de letras, aventureiro e inquieto e que, de lambuja, conta com talento fenomenal para a literatura. Em geral, o que escrevem e o que vivem têm ou idêntico interesse, ou as peripécias de suas vidas ultrapassam bastante os frutos de sua imaginação.
Dos vários literatos, cujas biografias conheço (umas mais, outras menos), a que mais me fascina é a do irlandês Oscar Wilde. Dizer que se tratou de escritor sumamente criativo e original, chega a ser redundante. Sua biografia, no entanto, supera, e muito, tudo o que escreveu. E olhem que ele é o autor do célebre “O retrato de Dorian Gray”, aliás seu único romance, já que se notabilizou como exímio novelista, contista, dramaturgo, além de poeta. É o caso típico do sujeito que sobe ao teto do mundo, ao pico do Everest, e de lá se lança no abismo. Não que ele realizasse essa façanha. Não realizou. Mas é uma figura de linguagem que cabe a caráter para ilustrar o que foi a sua vida.
Wilde foi criado por uma família protestante (embora tenha se convertido, no leito de morte, ao catolicismo). Estudou nas melhores escolas, primeiro de Dublin na Irlanda, e depois, de Londres. Foi tido e havido como “garoto prodígio”, iniciando precocemente uma vitoriosa carreira literária que o levou rapidamente ao topo do prestígio. Fundou, até, um movimento estético, o “esteticismo”, ou “dandismo”. Foi convidado a ir aos Estados Unidos para dar palestras a esse respeito. Recusou. Podia dar-se a esse luxo. Casou (com a filha de um rico advogado de Dublin, Constance Lloyd), teve dois filhos e fixou residência em Chelsea, o bairro elegante, então dos artistas e intelectuais de Londres.
Sua carreira ia de vento em popa. Tudo o que escrevia – notadamente após 1892, quando estava com 36 anos de idade – virava sucesso. Tanto que a maioria de suas histórias de então é tida e havida, hoje, como de clássicos da dramaturgia britânica, uma das de melhor qualidade do mundo. São os casos de “O leque de Lady Windermere”, “Uma mulher sem importância”, “Um marido ideal” ou “A importância de ser prudente”, entre tantos. Publicou contos que até hoje são reproduzidos nas melhores antologias, como “O príncipe feliz”, “O rouxinol e a rosa” e “O crime de lord Artur Saville”, por exemplo.
Oscar Wilde, que considero um dos melhores frasistas de todos os tempos, tanto que há uma profusão de suas frases, pinçadas dos seus livros, nos vários sites especializados em citações internet afora. Nadava de braçada no sucesso. Tinha prestígio, respeito e consideração. E excelente condição social. Tinha família, era pai, freqüentava os mais sofisticados círculos londrinos e era paparicado por colegas de letras do seu país e do exterior. Mas... Tudo, de repente, mudou. Sua vida foi, subitamente, virada pelo avesso.
Em maio de 1895, após três julgamentos, o escritor foi condenado a dois anos de prisão, e com trabalhos forçados. Sua reputação, claro, foi para o espaço. E não somente em decorrência da pena, mas do delito de que foi acusado e que lhe valeu essa condenação: homossexualismo. Na Inglaterra vitoriana de então, essa prática era tida como “crime hediondo”. Imaginem o que isso significou para sua família, notadamente para seus filhos!
O autor da acusação foi uma pessoa poderosa e influente, o Marquês de Queensberry, cujo filho, Lorde Alfred Douglas, conhecido pelo apelido de “Bosie”, era tido e havido como amante do escritor. Nunca se soube se de fato foi. É provável que sim. Vários outros rapazes foram citados como tendo mantido relações homossexuais com o réu. A condenação arruinou Oscar Wilde. E não apenas sua reputação e seu prestígio, mas sua saúde e sua (e seu) moral. É verdade que ainda produziu, na prisão, duas obras que hoje são consideradas clássicas, mas que na época foram ignoradas: “De profundis” e “Balada do cárcere de Reading”.
Após cumprir a pena, em 19 de maio de 1897, quando reconquistou a liberdade, poucos amigos o esperavam na saída do complexo penitenciário. Ninguém queria contato com um ex-condenado, e ainda por cima por um delito como aquele que, reitero, na época era considerado hediondo. Seu talento, a partir de então, não mais luziu. Pudera! Embora tenha se tornado mais culto e mais filosófico, foi completamente ignorado pelo mundo das letras, como se jamais houvesse produzido obras consistentes e valiosas.
Mudou de cidade. Foi residir em Paris. Decaiu na condição econômica, já que na social estava praticamente na sarjeta. Passou a residir em uma casa modesta, pobre mesmo, em um bairro decadente da periferia da capital francesa. Deixou, a partir de então, de assinar suas obras com o próprio nome, adotando o pseudônimo de Sebastian Melmoth. Perdeu, provavelmente, o interesse pelas letras, a julgar por sua baixa produtividade literária. Portanto, acho pertinente a figura que utilizei, a do sujeito que escalou o Pico do Everest e de lá se lançou no abismo. E que abismo!
Oscar Wilde tornou-se alcoólatra, para tentar afogar as mágoas e frustrações. Para complicar, adquiriu sífilis, o que acelerou o seu fim. Mas não morreu dessa moléstia e nem de alguma outra relacionada ao alcoolismo. O que o matou foi um violento e fulminante ataque de meningite. Morreu no final do primeiro ano do século XX, ou seja, em 30 de novembro de 1900. Não testemunhou, portanto, a própria reabilitação literária. Sua biografia, ao contrário de muitas de suas novelas, contos e peças literárias, não teve o tão esperado (certamente por ele desejado) “happy end”. Convenhamos, a vida real dificilmente tem.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment