Thursday, November 10, 2011







“Nenhum poeta é cavalo de corrida”


Pedro J. Bondaczuk


O poema é uma bola de cristal. Se apenas enxergares nele o teu nariz, não culpes o mágico”. Esta tirada genial é de um dos mais criativos e brilhantes poetas brasileiros de todos os tempos – que, aliás, não gostava de ser classificado dessa forma – Mário Quintana, que morreu, em 5 de maio de 1994, em Porto Alegre, aos 87 anos de idade.
Seus amigos definiam-no como um boêmio, não no sentido pejorativo do termo, mas como um homem que olhava a vida com ternura e com humor. Era um mestre da fina ironia, da tirada inteligente e carregada de lirismo, das definições inusitadas.
Certa feita perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do País. Sem titubear, respondeu: “Deixe disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”.
Quintana era assim: Simpático, bonachão, modesto, descomprometido tanto em termos de literatura, quanto em sua vida pessoal. Admirado, amado, até idolatrado, principalmente pelos jovens, não perdia a compostura. “Escrever...Mas por quê?/Por vaidade, está visto.../Pura vaidade, escrever!/Pegar da pena...Olhai, que graça terá isto/se já se sabe tudo o que se vai dizer...”, ironizou no poema “Da preocupação de escrever”.
Amava a vida, à qual encarava com muita ternura e ironia, saboreando-a como uma aventura digna de ser enfrentada, a despeito das injustiças, da miséria, da insensatez e dos horrores. “Dias maravilhosos em que os jornais/vêm cheios de poesia.../e do lábio do amigo/brotam palavras de eterno encanto...//Dias mágicos.../em que os burgueses espiam/através das vidraças dos escritórios/a graça gratuita das nuvens”, diz Quintana, no poema “O Milagre”.
Sua imagem, para os que o admiravam e amavam, estará sempre associada à palavra “alegria”. Por um feliz acaso, nasceu na cidade de Alegrete e morreu em Porto Alegre. Parte de sua poesia foi escrita de modo não-convencional, em prosa, em forma de citações, carregadas de lirismo, mas sem a distribuição em versos.
“E, quando morto de mesmice, te vier a nostalgia de climas e costumes exóticos, de jornais impressos em misteriosos caracteres, de curiosas beberagens, de roupas de estranho corte e colorido, lembre-se que para alguém nós somos os antípodas; um remoto, inacreditável povo do outro lado do mundo, quase do outro lado da vida – uma gente de se ficar olhando, olhando, pasmado...Nós, os antípodas, somos assim”, escreveu em “Do inédito”.
“O que mais me comove, em música, são essas notas soltas – pobres notas únicas – que do teclado arranca o afinador de pianos”, observou em “Meu trecho predileto”. “Amar é mudar a alma de casa”, sentenciou em “Carreto”.
Não dá para falar em morte quando se trata de alguém que sempre foi um amante inveterado da vida. Quintana não morreu: ficou encantado e mudou sua alma de casa, para o coração dos que sempre o admiraram.
Tragédia? Nem pensar! Afinal, foi o próprio poeta quem constatou: “Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca...Outras vezes, senta uma mosca e desaba uma cidade”.

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