Dois estilos de retrospectiva
Pedro J. Bondaczuk
O final de cada ano é época propícia a balanços. Nas empresas, os departamentos de contabilidade apuram os lucros e perdas do período recém-encerrado, o que permite aos homens com poder de decisão um planejamento do que fazer no exercício seguinte. O mesmo acontece em quase todas as atividades, quer de caráter industrial, comercial e de prestação de serviços, quer nas culturais. Até mesmo o cidadão comum costuma passar os olhos sobre o que lhe aconteceu nos últimos 365 dias, avaliando seus sucessos e fracassos.
Em jornalismo, esse procedimento traduz-se nas chamadas !retrospectivas". Alguns jornais e emissoras de televisão fazem o balanço do noticiário veiculado ao seu público no ano em edições normais, não necessariamente num único dia. Outros lançam suplementos e, no caso da TV, programas extras, especialmente destinados a esse fim.
Esse longo preâmbulo é para afirmar que, na qualidade de crítico, tivemos a oportunidade de assistir a duas programações dessa natureza nos últimos dias, em dois canais diferentes, que têm uma concepção bem diversa de jornalismo: a Rede Globo e a Rede Manchete. A primeira retrospectiva foi ao ar no dia 26 passado, numa edição especial do "Globo Repórter". A emissora da Rua do Russel, por sua vez, mostrou a sua em dois dias diferentes, segunda e terça-feira passada, detalhando numa os fatos de caráter local e nacional, e na outra, internacional.
Antes de tudo queremos destacar que a tentativa de se fazer da notícia um show implica em alguns riscos, dos quais o menor deles (mas nem por isso menos importante) é tirar do fato veiculado a sua seriedade, impedindo que se extraia do mesmo a lição que ele tem para ensinar. E foi isso o que se percebeu na retrospectiva global.
Embora os acontecimentos abordados pela Globo tenham sido idênticos aos mostrados pela Manchete (como de resto aos de todos os demais órgãos informativos que se dedicaram a esse exercício) houve uma profunda diferença no enfoque. E mais do que isso, no próprio tratamento editorial. O da primeira, a pretexto de soar mais leve para o consumidor, ou seja, o telespectador, acabou se revelando superficial ao invés de informal, conforme se pretendeu.
Foi louvável, é verdade, o esforço de se mostrar as conseqüências que os acontecimentos aborados geraram. Mas a maneira como isso foi feito deixou muito a desejar. Fatos como a agonia e morte do presidente eleito, Tancredo Neves, a seca nos Estados do Sul do País e as devastadoras secas no Nordeste deveriam, necessariamente, ter sido mostrados em suas reais dimensões. Transformá-los num espetáculo é, na melhor das hipóteses, um exercício de humor negro, para não dizer, um festival de extremado superficialismo.
Outro detalhe que ressaltou na retrospectiva da Globo foi o mau gosto das vinhetas que anunciavam os intervalos. Não que a atriz que participou das mesmas não fosse bonita (pelo contrário) ou que fizesse o seu papel de forma incorreta. Mas porque elas não cabiam na natureza do programa, que em absoluto não tinha nada de show, a não ser que a estupidez humana, representada por seqüestros, atentados e outras manifestações de violência, pudessem ser encaradas meramente como atos espetaculares, como acrobacias de um circo que não afetassem a milhares de pessoas inocentes e nem trouxessem aflições às sociedades que tiveram que conviver com tais flagelos.
Se a Globo teve tantos pontos negativos a registrar, o mesmo não se pode dizer da retrospectiva da Rede Manchete, dividida em duas partes, para que nenhuma notícia importante do ano fosse omitida por falta de tempo. Dessa maneira, o trabalho, que levou o nome de "Retrô 85", foi separado na parte local e nacional, mostrando o que de mais representativo ocorreu no Rio de Janeiro e no Brasil e na internacional. A característica foi a sobriedade na locução, a precisão nas edições, com as imagens ganhando preponderância sobre os textos, (já que em sua dramaticidade diziam praticamente tudo) e acima de qualquer coisa, o enfoque exato que sempre se deve dar a trabalhos dessa natureza. Ou seja, o histórico, já que distanciados no tempo, esses acontecimentos escreveram mais um capítulo, às vezes frustrante, outras doloroso e até mesmo surpreendente, da história contemporânea.
A Rede Globo, que em tantas oportunidades brindou o público com matérias jornalísticas de grande qualidade, desta vez ficou devendo, e bastante, ao seu telespectador fiel. E mais do que a emissora, o próprio programa "Globo Repórter", que ao longo de 1985 fez um trabalho magnífico, muitas vezes em cima dos mesmos fatos que, estranhamente, abordou com tamanha imperícia, superficialidade e mau gosto no seu balanço de fim de ano.
E a Rede Manchete, que desde a sua criação, há dois anos, vem se dedicando a reforçar seu Departamento de Jornalismo, mereceu uma nota dez com louvor por esse espetáculo de sobriedade, precisão e competência. O cidadão que deseja se manter bem informado ganha, com essa evolução da caçula das nossas redes de TV, uma ótima opção para se informar e formar a sua própria opinião. Isso é indispensável, principalmente neste momento em que a sociedade brasileira, às vésperas das importantes eleições de novembro próximo, terá, mais do que nunca, que discutir suas carências, mazelas e contradições em busca de um caminho que seja o preferido pela maioria dos cidadãos.
(Artigo publicado na página 20, Arte & Variedades do Correio Popular, em 3 de janeiro de 1986)
Pedro J. Bondaczuk
O final de cada ano é época propícia a balanços. Nas empresas, os departamentos de contabilidade apuram os lucros e perdas do período recém-encerrado, o que permite aos homens com poder de decisão um planejamento do que fazer no exercício seguinte. O mesmo acontece em quase todas as atividades, quer de caráter industrial, comercial e de prestação de serviços, quer nas culturais. Até mesmo o cidadão comum costuma passar os olhos sobre o que lhe aconteceu nos últimos 365 dias, avaliando seus sucessos e fracassos.
Em jornalismo, esse procedimento traduz-se nas chamadas !retrospectivas". Alguns jornais e emissoras de televisão fazem o balanço do noticiário veiculado ao seu público no ano em edições normais, não necessariamente num único dia. Outros lançam suplementos e, no caso da TV, programas extras, especialmente destinados a esse fim.
Esse longo preâmbulo é para afirmar que, na qualidade de crítico, tivemos a oportunidade de assistir a duas programações dessa natureza nos últimos dias, em dois canais diferentes, que têm uma concepção bem diversa de jornalismo: a Rede Globo e a Rede Manchete. A primeira retrospectiva foi ao ar no dia 26 passado, numa edição especial do "Globo Repórter". A emissora da Rua do Russel, por sua vez, mostrou a sua em dois dias diferentes, segunda e terça-feira passada, detalhando numa os fatos de caráter local e nacional, e na outra, internacional.
Antes de tudo queremos destacar que a tentativa de se fazer da notícia um show implica em alguns riscos, dos quais o menor deles (mas nem por isso menos importante) é tirar do fato veiculado a sua seriedade, impedindo que se extraia do mesmo a lição que ele tem para ensinar. E foi isso o que se percebeu na retrospectiva global.
Embora os acontecimentos abordados pela Globo tenham sido idênticos aos mostrados pela Manchete (como de resto aos de todos os demais órgãos informativos que se dedicaram a esse exercício) houve uma profunda diferença no enfoque. E mais do que isso, no próprio tratamento editorial. O da primeira, a pretexto de soar mais leve para o consumidor, ou seja, o telespectador, acabou se revelando superficial ao invés de informal, conforme se pretendeu.
Foi louvável, é verdade, o esforço de se mostrar as conseqüências que os acontecimentos aborados geraram. Mas a maneira como isso foi feito deixou muito a desejar. Fatos como a agonia e morte do presidente eleito, Tancredo Neves, a seca nos Estados do Sul do País e as devastadoras secas no Nordeste deveriam, necessariamente, ter sido mostrados em suas reais dimensões. Transformá-los num espetáculo é, na melhor das hipóteses, um exercício de humor negro, para não dizer, um festival de extremado superficialismo.
Outro detalhe que ressaltou na retrospectiva da Globo foi o mau gosto das vinhetas que anunciavam os intervalos. Não que a atriz que participou das mesmas não fosse bonita (pelo contrário) ou que fizesse o seu papel de forma incorreta. Mas porque elas não cabiam na natureza do programa, que em absoluto não tinha nada de show, a não ser que a estupidez humana, representada por seqüestros, atentados e outras manifestações de violência, pudessem ser encaradas meramente como atos espetaculares, como acrobacias de um circo que não afetassem a milhares de pessoas inocentes e nem trouxessem aflições às sociedades que tiveram que conviver com tais flagelos.
Se a Globo teve tantos pontos negativos a registrar, o mesmo não se pode dizer da retrospectiva da Rede Manchete, dividida em duas partes, para que nenhuma notícia importante do ano fosse omitida por falta de tempo. Dessa maneira, o trabalho, que levou o nome de "Retrô 85", foi separado na parte local e nacional, mostrando o que de mais representativo ocorreu no Rio de Janeiro e no Brasil e na internacional. A característica foi a sobriedade na locução, a precisão nas edições, com as imagens ganhando preponderância sobre os textos, (já que em sua dramaticidade diziam praticamente tudo) e acima de qualquer coisa, o enfoque exato que sempre se deve dar a trabalhos dessa natureza. Ou seja, o histórico, já que distanciados no tempo, esses acontecimentos escreveram mais um capítulo, às vezes frustrante, outras doloroso e até mesmo surpreendente, da história contemporânea.
A Rede Globo, que em tantas oportunidades brindou o público com matérias jornalísticas de grande qualidade, desta vez ficou devendo, e bastante, ao seu telespectador fiel. E mais do que a emissora, o próprio programa "Globo Repórter", que ao longo de 1985 fez um trabalho magnífico, muitas vezes em cima dos mesmos fatos que, estranhamente, abordou com tamanha imperícia, superficialidade e mau gosto no seu balanço de fim de ano.
E a Rede Manchete, que desde a sua criação, há dois anos, vem se dedicando a reforçar seu Departamento de Jornalismo, mereceu uma nota dez com louvor por esse espetáculo de sobriedade, precisão e competência. O cidadão que deseja se manter bem informado ganha, com essa evolução da caçula das nossas redes de TV, uma ótima opção para se informar e formar a sua própria opinião. Isso é indispensável, principalmente neste momento em que a sociedade brasileira, às vésperas das importantes eleições de novembro próximo, terá, mais do que nunca, que discutir suas carências, mazelas e contradições em busca de um caminho que seja o preferido pela maioria dos cidadãos.
(Artigo publicado na página 20, Arte & Variedades do Correio Popular, em 3 de janeiro de 1986)
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