Friday, August 12, 2011







Viagem ao Grande Sertão

Pedro J. Bondaczuk

A Rede Globo, no horário que destinou, há alguns anos, para as grandes séries (nacionais e internacionais), o das 22 horas, estará apresentando, a partir de segunda-feira, a obra de um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. De um homem que conhecia como ninguém o sertão, especialmente o de Minas Gerais e sobretudo a sua gente. Trata-se de adaptação para televisão de "Grande Sertão Veredas" de João Guimarães Rosa, feita pelo talento de Walter Avancini.

Durante boa parte deste ano a emissora não chegou a justificar o "slogan" autopromocional que veiculou (até cansativamente) que dizia que "tudo o que pinta de novo, pinta na tela da Globo". Reprisou, no período, uma infinidade de coisas velhas (é verdade que boas, mas nem por isso inéditas), provavelmente até perdendo alguns pontinhos em audiência, já que o público não tem má memória a ponto de precisar rever várias vezes alguma produção. O que as pessoas desejam é novidades e a emissora, através de suas chamadas, se comprometia a oferecer isso.

Talvez porque percebesse em tempo a contradição, sintomaticamente o "slogan" está diferente nos últimos dias. Foi suprimida, estrategicamente, a palavra "novo", condizendo mais com o teor da programação. Afinal, nenhum dos seus programadores convence a ninguém se afirmar que "Quem ama não mata", "Avenida Paulista", "Shogum" e "Carga Pesada" (mostrada aos domingos), se constituem em alguma novidade.

Entretanto, o "Grande Sertão Veredas" é realmente novo. E além de tudo é um autêntico desafio para a produção. Não é nada fácil adaptar o texto rico, cheio de nuances lingüísticas e de detalhes (imperceptíveis para quem não esteja familiarizado com o rico mundo de Guimarães Rosa). O escritor mineiro, com aquele jeito de quem quer apenas narrar uma boa história, desvenda para o seu leitor um mundo fascinante, cheio de dramas escondidos e de nuances psicológicos insuspeitáveis. E em nenhum outro dos seus consagrados trabalhos essa característica analítica de um tipo de brasileiro é mais evidente do que na obra escolhida pela Globo para encerrar com chave de ouro a programação do seu vigésimo aniversário de criação.

O forte de Guimarães Rosa, ao nosso ver, não está particularmente no enredo, embora este crie situações movimentadas e dramáticas, que retêm irresistivelmente a atenção dos "abençoados" que se propõem a descobrir o seu universo. Está na maneira como os seus personagens reagem aos estímulos (positivos ou negativos) dos acontecimentos. Nos seus conflitos interiores e na sua complexidade de emoções. E na habilidade em transformar um cenário, monótono e cinzento, em algo de muito interesse.

Na apresentação de "O Tempo e o Vento", de Érico Veríssimo, narrando a saga das famílias Terra e Cambará (e através dela relatando a própria história do Rio Grande do Sul), a emissora saiu-se muito bem. Embora o trabalho exigisse considerável esforço técnico, por envolver grandes batalhas, o resultado foi dos mais expressivos. Mas a obra do romancista gaúcho é direta, cristalina, fácil de adaptar, por não implicar em tantos conflitos interiores. Isso, é evidente, não desmerece a realização da Globo.

O "Grande Sertão", entretanto, presta-se muito mais a grandes interpretações dos atores do que propriamente a espetaculares efeitos visuais. E pelo pequeno trecho exibido nas chamadas que a emissora vem fazendo para o seriado, fica uma certeza: a de que o público verá performances muito boas do elenco. Principalmente de Tony Ramos, encarnando Riobaldo, que vive os conflitos morais de sua paixão por Diadorin, vivido por Bruna Lombardi, que ele julgava ser um homem. Se a série toda tiver esse mesmo padrão, esteja certo o leitor que teremos nesse trabalho o ponto alto de tudo o que foi feito neste ano, não somente na Rede Globo, mas em todos os outros canais.

É evidente que o crítico, apenas baseado num "thriler" de 30 segundos, não pode julgar toda uma produção, que deve ter valido um grande esforço de uma enorme equipe, envolvendo atores, diretores, cenógrafos, câmeras, maquiadores, costureiros, figurinistas, etc. Por mais que ele conheça a obra de Guimarães Rosa, não pode avaliar a forma como ela foi transportada para o vídeo antes da mesma ser exibida na íntegra. Mas o próprio fato da emissora ter aceito esse verdadeiro desafio e estar popularizando um dos mais vigorosos e importantes escritores brasileiros, é um grande serviço prestado à cultura nacional!

Há temos vimos insistindo na tese de que a TV é um veículo integrador por excelência. Que deve, cada vez mais e sempre que possível, mostrar costumes, cenas, linguajar, tradições e expectativas dos brasileiros dos mais variados recantos deste País-continente. Com 485 anos de existência e independentes há 163 anos, nós ainda não nos conhecemos como deveríamos. Pouco sabemos do modo de vida do amazonense, por exemplo. Do ribamar, estamos tomando conhecimento apenas agora, quando o destino nos reservou um presidente da República nascido no Maranhão. Do matogrossense, do goiano, do alagoano e assim por diante, temos somente esparsas informações, que nos chegam fragmentadas. E nunca é demais conhecer esse verdadeiro mundo, variado e complexo, chamado Brasil. O "Grande Sertão Veredas" é um pedacinho dele.

(Artigo publicado na página 12, Arte e Variedades, do Correio Popular em 15 de novembro de 1985)

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