Ilusões e desilusões
Pedro J. Bondaczuk
As ilusões, embora muitos discordem, são necessárias e até indispensáveis para o nosso equilíbrio mental e emocional. Determinado poeta (não me recordo qual), escreveu que “o ser humano não suporta a realidade, que é como o sol: não podemos olhar diretamente para ela sem que fiquemos cegos”. Para que não se caia em desespero, face a determinadas realidades, é fundamental que as temperemos com boa dose de ilusões.
Claro que não se pode descambar para extremos. Até a virtude, quando em demasia, tende a se transformar num mal: no da soberba. O que vem a ser uma ilusão? No meu modo de entender, é uma visão falsa, ou distorcida, de alguém, de alguma coisa, de um conceito, de um acontecimento etc. Também se inclui, aí, a superestimação de nossas forças e de nossa capacidade para encarar determinado empreendimento. Quando descobrimos (se descobrirmos) o equívoco, surge um sentimento que não raro nos marca pelo resto da vida: a desilusão.
Trata-se de um misto de raiva, de amargura, de frustração, de desgosto e, sobretudo, de decepção. Mesmo dolorosa, porém, muitas vezes ela é preferível ao permanente engano. Mas nem sempre. Depende da natureza e profundidade do engano. Na vida, nem tudo o que nos acontece pode ser levado na base do “pão, pão, queijo, queijo”. Enfim...
Victor Hugo me dá uma certa dose de razão. Escreveu, em determinado texto, dos tantos com que nos brindou: “As ilusões sustentam a alma como as asas a um pássaro”. E quando perdermos uma delas (ou duas, ou dez, ou mil), não tenhamos escrúpulos em acalentar outras tantas, para temperar a realidade. Elas são como os filmes que utilizamos para olhar o sol de frente, quando da ocorrência de um eclipse: impedem que venhamos a queimar a retina e a ficar, por conseqüência, cegos.
Nossos sentidos, notadamente o da visão, nos iludem e, com muita freqüência, nos induzem ao erro. Nem tudo o que vemos é, de fato, o que aparenta. E, não raro, cometemos enormes injustiças ao julgar uma pessoa apenas pela aparência, sem atentar para a sua essência, para a sua personalidade, para aquilo que ela de fato é. Convenhamos que nem sempre essa visão equivocada do próximo é em sentido negativo. Muitas vezes a superestimamos, achamos que é mais confiável, mais fiel, mais leal, mais honesta e mais justa do que é. Lá um belo dia... esse bom conceito, firmado com base em algum erro de avaliação, rui.
Exemplo? A fidelidade de determinada mulher que amamos e em cuja reciprocidade e pureza de sentimento confiamos, sem reservas. Imaginem, todavia, o tamanho da desilusão quando descobrimos que essa mesma pessoa, pela qual poríamos, sem titubear, a mão no fogo, se ela nos pedisse, nos trai. Que tudo o que ela diz ou faz é um conjunto de mentiras. Alguns, nessas circunstâncias, agem de forma civilizada (embora com esforço de autocontrole inaudito) e promovem uma separação pacífica. Nem todos, no entanto (diria que apenas uma minoria) tem tamanha civilidade. Daí para a tragédia é um passo ou um piscar de olhos.
Antoine Saint’Éxupery garante que “só se vê bem com o coração”. Não com o órgão físico em si, é evidente, mas com sentimento, com compreensão e com interesse. Claro que esse tipo de visão não nos livra de ilusões e de enganos, que tendem a redundar em terríveis desilusões quando a verdade vem à tona (se vier, claro). O essencial para a nossa vida – como a fé, a esperança, a bondade e a solidariedade entre outros – é invisível aos olhos. Só identificamos esses valores, que nos caracterizam como pessoas inteligentes e sensíveis, com o nobre instrumento da razão. Mas esta falha.
Seria errado, no entanto, nutrirmos ilusões, como tenho lido por aí? Depende. Não é, no meu entender, um erro se as mantivermos intactas durante toda nossa vida, até o último suspiro, sem que tenhamos a menor tentação de testar sua veracidade. A realidade absoluta, nua e crua, é por demais feroz. Não há um único ser humano que a resista integralmente. É, reitero, como a luz do sol. Se olharmos, fixamente, por cerca de um minuto ou menos, diretamente para a estrela que nos ilumina e dá vida, certamente ficaremos cegos. Sua luz é intensa demais para nossa retina.
São as ilusões que impulsionam as pessoas e as levam a trabalhar, de sol a sol, não raro em condições adversas, na doce certeza de que dias melhores virão. E mesmo que tardem a chegar, ou não cheguem nunca, nos mantém ativos e confiantes. Não há quem não se iluda alguma vez com pessoas ou coisas. E não há, por conseqüência, quem não se desiluda com a ruína dessas miragens. Tratarei, nos próximos dias, com mais vagar, dessa questão, cuja compreensão é muito importante para quem se propõe a fazer boa literatura.
Junqueira Freire tem um poema extraordinário sobre a ilusão. O poeta diz, na última estrofe: "Iludimo-nos todos! Concebemos/um paraíso eterno:/e quando nele sôfregos tocamos,/achamos um inferno". Estes mundos artificiais criados pela nossa fantasia tanto podem consistir em fortuna, prestígio ou poder, quanto em coisas mais íntimas e sutis, como um cargo, uma honraria ou até mesmo um casamento.
Quem já não ouviu por aí (ou também não achou isso em algum período da sua vida) a afirmação: "não posso viver sem fulana ou fulano?" Acontece que pode. Todos podem viver sem todos. Às vezes, essa mesma pessoa, depois de cinco, dez ou vinte anos de desgaste conjugal (quando não de meros dias), percebe a besteira que fez. Se for sensata, vai buscar simplesmente a separação, sem maiores conflitos. Se for de índole violenta...Os jornais estampam todos os dias tragédias ocorridas em lares destruídos por conta, em última análise, de súbitas e profundas desilusões.
A adolescência é, certamente, a fase em que (ao menos potencialmente) nutrimos mais profusas e intensas ilusões. A juventude é o período da vida caracterizado, entre outras tantas coisas, por sonhos e fantasias. É nessa fase que cultivamos os mais grandiosos ideais que, com o tempo, na maioria das vezes, se revelam que não passavam de erros de avaliação, de superestimação de nossas forças e capacidades, de equívocos na aanálise e compreensão de supostas amizades ou amores (que, de fato, nunca existiram), ou seja, de ilusões.
O jovem julga-se (e sente-se) forte, invulnerável e indestrutível. Tudo lhe parece possível, quando na verdade muito pouco do que pensa fazer é realizável. Não nos compete, todavia, trazê-lo para a dura realidade. A vida se encarregará disso. Ademais, são essas ilusões, não concretizadas em fatos, que irão compor o acervo das suas melhores lembranças no futuro.
Elas são as molas-propulsoras para motivá-lo a estudar, se preparar e tentar realizar o que sonha. Sem elas, o jovem simplesmente se entregaria à inércia, achando inútil qualquer ação por ela não o conduzir a lugar algum. Por isso o filósofo René Descartes concluiu (e com sua conclusão, também concluo estas reflexões): “O alimento da juventude é a ilusão”. Bendita ilusão!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
As ilusões, embora muitos discordem, são necessárias e até indispensáveis para o nosso equilíbrio mental e emocional. Determinado poeta (não me recordo qual), escreveu que “o ser humano não suporta a realidade, que é como o sol: não podemos olhar diretamente para ela sem que fiquemos cegos”. Para que não se caia em desespero, face a determinadas realidades, é fundamental que as temperemos com boa dose de ilusões.
Claro que não se pode descambar para extremos. Até a virtude, quando em demasia, tende a se transformar num mal: no da soberba. O que vem a ser uma ilusão? No meu modo de entender, é uma visão falsa, ou distorcida, de alguém, de alguma coisa, de um conceito, de um acontecimento etc. Também se inclui, aí, a superestimação de nossas forças e de nossa capacidade para encarar determinado empreendimento. Quando descobrimos (se descobrirmos) o equívoco, surge um sentimento que não raro nos marca pelo resto da vida: a desilusão.
Trata-se de um misto de raiva, de amargura, de frustração, de desgosto e, sobretudo, de decepção. Mesmo dolorosa, porém, muitas vezes ela é preferível ao permanente engano. Mas nem sempre. Depende da natureza e profundidade do engano. Na vida, nem tudo o que nos acontece pode ser levado na base do “pão, pão, queijo, queijo”. Enfim...
Victor Hugo me dá uma certa dose de razão. Escreveu, em determinado texto, dos tantos com que nos brindou: “As ilusões sustentam a alma como as asas a um pássaro”. E quando perdermos uma delas (ou duas, ou dez, ou mil), não tenhamos escrúpulos em acalentar outras tantas, para temperar a realidade. Elas são como os filmes que utilizamos para olhar o sol de frente, quando da ocorrência de um eclipse: impedem que venhamos a queimar a retina e a ficar, por conseqüência, cegos.
Nossos sentidos, notadamente o da visão, nos iludem e, com muita freqüência, nos induzem ao erro. Nem tudo o que vemos é, de fato, o que aparenta. E, não raro, cometemos enormes injustiças ao julgar uma pessoa apenas pela aparência, sem atentar para a sua essência, para a sua personalidade, para aquilo que ela de fato é. Convenhamos que nem sempre essa visão equivocada do próximo é em sentido negativo. Muitas vezes a superestimamos, achamos que é mais confiável, mais fiel, mais leal, mais honesta e mais justa do que é. Lá um belo dia... esse bom conceito, firmado com base em algum erro de avaliação, rui.
Exemplo? A fidelidade de determinada mulher que amamos e em cuja reciprocidade e pureza de sentimento confiamos, sem reservas. Imaginem, todavia, o tamanho da desilusão quando descobrimos que essa mesma pessoa, pela qual poríamos, sem titubear, a mão no fogo, se ela nos pedisse, nos trai. Que tudo o que ela diz ou faz é um conjunto de mentiras. Alguns, nessas circunstâncias, agem de forma civilizada (embora com esforço de autocontrole inaudito) e promovem uma separação pacífica. Nem todos, no entanto (diria que apenas uma minoria) tem tamanha civilidade. Daí para a tragédia é um passo ou um piscar de olhos.
Antoine Saint’Éxupery garante que “só se vê bem com o coração”. Não com o órgão físico em si, é evidente, mas com sentimento, com compreensão e com interesse. Claro que esse tipo de visão não nos livra de ilusões e de enganos, que tendem a redundar em terríveis desilusões quando a verdade vem à tona (se vier, claro). O essencial para a nossa vida – como a fé, a esperança, a bondade e a solidariedade entre outros – é invisível aos olhos. Só identificamos esses valores, que nos caracterizam como pessoas inteligentes e sensíveis, com o nobre instrumento da razão. Mas esta falha.
Seria errado, no entanto, nutrirmos ilusões, como tenho lido por aí? Depende. Não é, no meu entender, um erro se as mantivermos intactas durante toda nossa vida, até o último suspiro, sem que tenhamos a menor tentação de testar sua veracidade. A realidade absoluta, nua e crua, é por demais feroz. Não há um único ser humano que a resista integralmente. É, reitero, como a luz do sol. Se olharmos, fixamente, por cerca de um minuto ou menos, diretamente para a estrela que nos ilumina e dá vida, certamente ficaremos cegos. Sua luz é intensa demais para nossa retina.
São as ilusões que impulsionam as pessoas e as levam a trabalhar, de sol a sol, não raro em condições adversas, na doce certeza de que dias melhores virão. E mesmo que tardem a chegar, ou não cheguem nunca, nos mantém ativos e confiantes. Não há quem não se iluda alguma vez com pessoas ou coisas. E não há, por conseqüência, quem não se desiluda com a ruína dessas miragens. Tratarei, nos próximos dias, com mais vagar, dessa questão, cuja compreensão é muito importante para quem se propõe a fazer boa literatura.
Junqueira Freire tem um poema extraordinário sobre a ilusão. O poeta diz, na última estrofe: "Iludimo-nos todos! Concebemos/um paraíso eterno:/e quando nele sôfregos tocamos,/achamos um inferno". Estes mundos artificiais criados pela nossa fantasia tanto podem consistir em fortuna, prestígio ou poder, quanto em coisas mais íntimas e sutis, como um cargo, uma honraria ou até mesmo um casamento.
Quem já não ouviu por aí (ou também não achou isso em algum período da sua vida) a afirmação: "não posso viver sem fulana ou fulano?" Acontece que pode. Todos podem viver sem todos. Às vezes, essa mesma pessoa, depois de cinco, dez ou vinte anos de desgaste conjugal (quando não de meros dias), percebe a besteira que fez. Se for sensata, vai buscar simplesmente a separação, sem maiores conflitos. Se for de índole violenta...Os jornais estampam todos os dias tragédias ocorridas em lares destruídos por conta, em última análise, de súbitas e profundas desilusões.
A adolescência é, certamente, a fase em que (ao menos potencialmente) nutrimos mais profusas e intensas ilusões. A juventude é o período da vida caracterizado, entre outras tantas coisas, por sonhos e fantasias. É nessa fase que cultivamos os mais grandiosos ideais que, com o tempo, na maioria das vezes, se revelam que não passavam de erros de avaliação, de superestimação de nossas forças e capacidades, de equívocos na aanálise e compreensão de supostas amizades ou amores (que, de fato, nunca existiram), ou seja, de ilusões.
O jovem julga-se (e sente-se) forte, invulnerável e indestrutível. Tudo lhe parece possível, quando na verdade muito pouco do que pensa fazer é realizável. Não nos compete, todavia, trazê-lo para a dura realidade. A vida se encarregará disso. Ademais, são essas ilusões, não concretizadas em fatos, que irão compor o acervo das suas melhores lembranças no futuro.
Elas são as molas-propulsoras para motivá-lo a estudar, se preparar e tentar realizar o que sonha. Sem elas, o jovem simplesmente se entregaria à inércia, achando inútil qualquer ação por ela não o conduzir a lugar algum. Por isso o filósofo René Descartes concluiu (e com sua conclusão, também concluo estas reflexões): “O alimento da juventude é a ilusão”. Bendita ilusão!
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