Monday, August 22, 2011







Melhores séries nacionais

Pedro J. Bondaczuk

O ano de 1984 pode ser considerado como o da implantação das minisséries brasileiras na televisão. Embora em outros tempos a Rede Globo já houvesse apresentado excelentes trabalhos nesse gênero, como por exemplo "Avenida Paulista" e "Quem Ama não Mata", ou para apenas mencionar os mais célebres, "Malu Mulher", "Amizade Colorida", "Carga Pesada" e "Caso de Polícia", foi somente a partir de agosto passado que a emissora passou a ter alguma concorrência. E da melhor qualidade, diga-se de passagem.

A Rede Manchete estreou a produção das histórias curtas popularizando um aspecto peculiar do caráter do nosso primeiro imperador, D. Pedro I: o seu lado moleque, irreverente e galhofeiro, revelando-se o mais brasileiro (melhor diríamos, mais carioca) de todos os portugueses. O apreciador de História do Brasil já tinha livros à sua disposição destacando esse ângulo informal do "pai da nossa independência", como a deliciosa obra de Paulo Setúbal, "As Maluquices do Imperado", por exemplo, apenas para mencionar uma. Mas para o grande público existia somente aquela imagem solene, do homem formal, quase um mito, dessa figura histórica que nas colinas do Ypiranga teria dado o grito de "independência ou morte" (teria mesmo?). Era necessário destacar-se o aspecto humano do nosso irreverente imperador, que além de fundar um império no Brasil, ainda conseguiu ser coroado rei de Portugal, com o título de D. Pedro IV.

E a equipe da Manchete, responsável pela produção de "A Marquesa de Santos", foi feliz nisso. Tanto na escolha do tema, como na forma com que mostrou o tormentoso romance de D. Pedro com a ambiciosa (e bela) Maria Domitila do Canto e Castro. Destaque-se, nesse trabalho, o excelente figurino, fiel nos mínimos detalhes ao período retratado. No elenco, figuras experientes e muito conhecidas do público, todas egressas da Globo, como Paulo Gracindo Júnior, Maitê Proença, Maria Padilha, Ewerton de Castro, Jacqueline Laurence, com uma brilhante participação especial de Bibi Ferreira.

Apesar da experiência do "cast", não houve, todavia, nenhuma interpretação fora do convencional, que pudesse colocar em xeque as performances de Ney Latorraca em "Anarquistas Graças a Deus" e principalmente em "Rabo de Saia". Mas foi uma representação tecnicamente correta. Ou seja, o elenco deu o seu recado.

De uma série eminentemente histórica, a Manchete passou, na seguinte, para um caso comum, e por essa razão, falando muito de perto a cada um de nós. "Viver a Vida", de Manoel Carlos, resgatou as histórias de amor, simples, corriqueiras, até banais, mas por isso verossímeis. Narrou as venturas e desventuras de um jovem, provinciano e ambicioso, que foi ao Rio com a cabeça cheia de sonhos e de mirabolantes projetos. Na cidade grande, seu caminho cruza-se com o de uma jovem balconista, por quem se apaixona. Entretanto, quando começa a subir na vida, desperta o amor da filha do patrão. Mas a balconista, grávida e desprezada, não se conforma com o rompimento e começa a atrapalhar a vida do ex-amante. "Viver a Vida" caracterizou-se por belas tomadas externas, como as das aulas de pilotagem de uma das suas personagens, entre outras. No elenco, Paulo Castelli, Yara Amaral, Antonio Petrin, Osmar Prado, Rubens de Falco, Agnes Fontoura, Lúcia Veríssimo, Cláudia Magno, Louise Cardoso e Cristina Santos.

Para encerrar o seu segundo ano de existência com chave de ouro, a Rede Manchete está mandando ao ar atualmente aquela que é, ao nosso ver, a terceira melhor minissérie de 1984 (atrás somente de "Anarquistas Graças a Deus" e "Rabo de Saia"), "Santa Marta Fabril S.A.", que é uma peça teatral de Abílio Pereira de Almeida, adaptada para a TV por Geraldo Viétri. O grande destaque desse trabalho é, sem dúvida, a magnífica performance dessa extraordinária atriz que é Natália Thimberg, vivendo o papel da matriarca, proprietária da fábrica de tecidos paulista em torno da qual gira toda a trama. O personagem central de "Santa Marta Fabril", portanto, não é nenhuma pessoa, mas a própria indústria, razão de ser da família, enfocada através de três períodos distintos (1958, 1964 e 1982) no enredo.

Secundando Natália Thimberg, outros nomes se destacam, como Paulo Ramos, Tetê Medina, Sônia Clara, Lúcia Veríssimo e Leonardo Villar. É, portanto, a primeira minissérie fora da Globo que tem um autêntico "padrão global" de qualidade.

Finalmente, é uma questão de justiça fazer-se um registro especial para "Joana", criação da produtora independente Artvídeo, um projeto arrojado da atriz Regina Duarte, que se associou a Carlos Augusto de Oliveira (Guga), para com muita coragem e talento (e poucos recursos) entrar numa dura competição com as grandes redes. O seriado centraliza-se numa hipotética revista, "Idéias Novas", cujos editores resolvem fazer uma série de reportagens sobre os problemas de uma grande cidade, como é São Paulo. Joana, a repórter, sai às ruas e envolve-se na violência urbana, que chega a afetar sua própria vida particular. Temas como o tráfico de drogas, o homossexualismo, a prostituição e o espancamento de mulheres são abordados de uma forma dinâmica, viva e participante.

Após uma dificuldade comercial de última hora, a minissérie, prevista para ser mostrada pela Manchete, acabou indo para a TVS. Isso até que foi saudável, pois abriu mais o leque de opções ao telespectador e pode, até mesmo, vir a mudar em pouco tempo algumas concepções dos responsáveis pela programação da emissora de Vila Guilherme. A Artvídeo, inclusive, através de uma recente entrevista de seu diretor, o Guga, informou que pretende fazer novos programas do gênero para o canal 4. E isto é muito animador, na medida em que resgata um horário da TVS, hoje reservado aos dramalhões mexicanos, para trabalhos de redatores, atores, cenografistas e técnicos brasileiros.

Não há dúvida, portanto, que 1984 foi o grande ano dos seriados nacionais na TV. A semente já foi plantada, germinou e resta, somente, que agora seja cuidadosamente cultivada para crescer forte, saudável e durar por muito tempo.

(Comentário sobre televisão publicado na página 19, de Arte e Variedades, do Correio Popular, em 21 de dezembro de 1984).

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