Sunday, August 07, 2011







A influência de Bani-Sadr

Pedro J. Bondaczuk


Até antes da eleição de Abolhassan Bani-Sadr, para a presidência da República do Irã, os vários negociadores, que tentaram a libertação dos reféns norte-americanos, esbarraram num grave obstáculo: não tinham um interlocutor para ouvir as suas propostas. Todas as sugestões nesse sentido se perdiam no vazio, diante do extremismo dos militantes muçulmanos. Foram eles que ocuparam, em 4 de novembro passado, a embaixada dos EUA em Teerã. Por isso, se julgavam os únicos com direito a opinar sobre a questão.

As ameaças militares contra o Irã se mostraram inúteis. As represálias econômicas e diplomáticas, previstas por Jimmy Carter, se diluíam e se neutralizavam no interesse dos seus aliados. Temerosos de se verem privados do precioso petróleo iraniano, eles não assumiram uma posição firme a respeito dos reféns norte-americanos. E o impasse se arrastou ao longo destes cento e quatro dias, sem que houvesse qualquer previsão de acordo, a curto ou médio prazo.

Quando Bani-Sadr --- reconhecidamente um político moderado e liberal --- anunciou a sua candidatura à presidência da República, alguns observadores se mostraram cépticos quanto às possibilidades desse filho de um aiatolá. Isto porque, no primeiro confronto de opiniões com os estudantes muçulmanos, ele foi vencido. Na oportunidade, Bani-Sadr ocupava, cumulativamente, os Ministérios das Finanças e das Relações Exteriores.

Por ter aceito que o problema dos reféns fosse discutido num foro de debates mais amplo --- no caso a ONU --- caiu no desagrado dos jovens extremistas. Fanáticos seguidores do Aiatolá Khomeini, eles disseram que apenas o líder supremo do Irã tinha autoridade para decidir sobre o destino dos cativos. Pressionado, criticado por intransigência e acusado de ser agente "do imperialismo e do sionismo internacionais", findou por ser demitido da Chancelaria. Muitas pessoas previram, naquela oportunidade, o início de sua fatal queda política.

Mas as urnas desmentiram os pessimistas. E este humanista, que desde criança sonhava --- e não escondia de ninguém --- que queria ser o primeiro presidente da República, na história do Irã --- num período em que o país ainda era governado por um monarca --- alcançou, no mês passado, com garra, coragem e talento político, esse objetivo.

Para surpresa dos muitos observadores, descrentes das suas possibilidades eleitorais, a vitória de Bani-Sadr foi categórica e indiscutível. Mais de 70% dos eleitores do país confiaram os seus votos a esse confidente do aiatolá Khomeini. Foi a consagração da cautela e da moderação. O povo provou, sem deixar margens a dúvidas, estar cansado de agitações e badernas. Quer estabilidade e responsabilidade, para planejar, produzir e, enfim, viver.

Mas outra dúvida surgiu entre os observadores internacionais: conseguiria esse moderado deter em suas mãos qualquer poder de fato ou se transformaria apenas em um "presidente de fachada"? Afinal, o Irã estava mergulhado numa onda de agitações e de terrorismo, pior do que aquela que precedeu a queda do xá. Ela começava a desagregar a sua sociedade. Opunha, com violência inédita no país, as minorias étnicas do Azerbaijão, Baluchistão, Curdistão e Ahvaz, populosas províncias iranianas, indispostas contra o governo central. Partidários do aiatolá turcomano, Kazem Shariat Madari, contestavam até mesmo a liderança de Khomeini, o mentor da Revolução Islâmica. Os conflitos na cidade de Tabriz, por exemplo, ameaçavam se transformar no estopim de uma guerra civil no Irã.

Naquela oportunidade, os préstimos do liberal Bani-Sadr foram valiosos para serenar os ânimos. Ele foi escolhido pelo "imã" --- um dos títulos religiosos de Khomeini, o de juiz islâmico, posição máxima que um líder muçulmano pode atingir na hierarquia religiosa --- para ser o mediador na questão. Se não conseguiu uma pacificação completa, como era o seu desejo, pelo menos acalmou os mais exaltados, fazendo com que Tabriz retornasse à legalidade institucional.

O anúncio, feito anteontem, sobre um acordo --- aprovado por Khomeini --- para libertar os reféns, demonstra que as teses de Bani-Sadr findaram por prevalecer. A entrevista coletiva de Carter, em que este afirma aceitar a idéia de uma condenação pública aos supostos crimes do xá (uma das principais exigências daqueles que mantêm os 52 reféns norte-americanos em seu poder), comprova o quanto os EUA e o Irã estão próximos de uma solução honrosa para esse impasse.

Contidos os extremismos, restabelecida a hierarquia política e o caos transformado em ordem, Bani-Sadr tem tudo para resolver os graves problemas sociais que afligem seu país e que determinaram, um última análise, a queda de Rheza Pahlevi do poder, com o estabelecimento da República Islâmica. E ninguém tem maiores condições de governar, com equilíbrio e competência um Estado tão problemático e conflituoso, do que ele.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Diário do Povo, em 16 de fevereiro de 1980).

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