Tuesday, August 30, 2011







Não está pintando nada novo


Pedro J. Bondaczuk


A crise de criatividade pela qual o veículo televisão atravessa, atualmente, é qualquer coisa de alarmante. Ao completar 35 anos no Brasil, embora dotada de recursos técnicos que, quando da inauguração da extinta TV Tupi, seus pioneiros no País sequer sonhavam que viessem a existir, apesar de ter substituído o rádio como o veículo de informação e entretenimento preferido do público, continua como que perdida, como instituição, andando em círculos, repisando as próprias pegadas.
O básico da programação de hoje ainda é o mesmo, digamos, de 17 anos atrás. Talvez mais estereotipado, o que se constitui em agravante e nunca em atenuante. Apenas para exemplificar, transcrevemos, para o leitor, o programa vespertino apresentado no dia 9 de julho de 1968, nos canais então existentes.
Esta programação estava distribuída da seguinte forma: 18h30, Tic-Tac, com o Sítio do Pica-Pau Amarelo (Record); 18h50, Mappin Movietone (Record); 18h55, Antonio Maria (novela, Tupi); 19h00, Ternurinha e Tremendão (Record), A Legião dos Esquecidos (Excelsior), Tic-Tac com Super Robin Hood e Homem Aranha (Bandeirantes); 19h20, Encerramento da Sessão Zás-Trás (Globo) e Tic-Tac, com Ultraman (Bandeirantes); 19h30, A Grande Mentira (Globo) e O Terceiro Pecado (Excelsior); 19h40, Diário de Um Repórter (Tupi); 19h45, Ultra Notícias (Tupi) e Bandeirantes no Ar (Bandeirantes); 19h50, Mappin Movietone (Record), Sangue e Areia (Globo); 20h00, Praça da Alegria (Record) e O Direito dos Filhos (Excelsior); 20h05, Um Instante Maestro, É a Grande Chance (Tupi) e Patrulha Rodoviária (Bandeirantes); 20h30, Dean Martin Show (Globo), Costinha com Média Máxima (Excelsior) e Canto Permitido (Bandeirantes); 21h30, Demian, o Justiceiro (Globo); 21h45, Jornal de Vanguarda (Bandeirantes); 22h00, Repórter Esso (Tupi), Sessão das 10 (Globo) e O Agente da Uncle (Excelsior); 22h10, Jericho (Bandeirantes); 22h15, Os Invasores (Tupi) e Diálogo (Record); 23h00, Um Passo Além (Excelsior); 23h15, Ducal nos Esportes (Bandeirantes); 23h20, Festival de Cinema Francês (Tui) e Enciclopédia e Sexo (Bandeirantes); 23h30, Mappin Movietone (Record) e Excelsior Cine Show (Excelsior); 23h40, Na Boc do Tigre (Record); 23h45, Jornal da Globo (Globo) e Vamos Ver Outra Vez (Bandeirantes); 24h00, Sessão da Meia-Noite (Globo) e 01h30, Bom Dia (Record).
Como se observa, as mesmas fórmulas de então, intensamente batidas, calcadas em noticiários artificiais e que chegavam ao cúmulo de veicular notícias com incorreções; em novelas com desfechos adredemente conhecidos; em humorísticos que o telespectador ficava sem saber se foram feitos para rir ou para chorar e em velhos filmes, ainda são utilizados.
Alguns enlatados o leitor até consegue identificar como sendo “atrações” atuais nas programações. Principalmente desenhos, como Super Robin Hood, Homem Aranha, Ultraman, e outras bobagens do gênero, que poluem de fantasias doentias as mentes de nossas crianças.
Mesmo o gênero novela, carro-chefe da Audiência da Globo, que se fixou através dos anos (25, pelo menos) no gosto do público, está caindo em cansativas mesmices de autores e de temas. Por falta de imaginação, criatividade ou mesmo de talento, as histórias, quando não descambam para fórmulas místicas, super-surradas no cinema e principalmente no teatro (desde pelo menos o século IV antes de Cristo, na Grécia), caem numa irritante água com açúcar de causar enjôos.
Isso já começa a se refletir na qualidade da audiência. O público classe A, constituído de universitários, profissionais liberais e daqueles que têm um grau cultural acima da média, há muito vem preferindo outra forma de entretenimento.
Agora, o imediatamente abaixo, o B, já começa a demonstrar sintomas de tédio. E de degrau em degrau, o gênero novela vai descendo, até que um dia, quando não for mais atrativo para os realistas anunciantes, que sabiamente preferem associar a imagem de seus produtos aos bem-sucedidos, aos vencedores, aos imaginativos, acabará, fatalmente, por deixar, primeiro a Globo e, logo a seguir, as outras emissoras. Afinal, em nossa televisão ocorre um fenômeno semelhante aa lei da conservação da matéria. Só que assumindo a seguinte forma: “Na TV nada se perde e nada se cria, tudo se copia”.
Os programadores argumentam que a repetição das surradas fórmulas do passado (e até mesmo de programas inteiros) é válida, pois se essas produções já cansaram as gerações mais antigas, para os jovens, são novidades. Será? É muito difícil de acreditar que espíritos ainda em formação, com aquela inquietação natural por novidades, se contentem com mesmices até arqueológicas.
Temas novos existem em profusão. A própria sucessão dos fatos, transformando costumes, mudando comportamentos e gerando reações apropriadas, é passiva de exploração inteligente, criativa e, sobretudo, cambiante, como, aliás, é a própria vida.
O que seria das artes, da literatura, do teatro, da pintura e de outras manifestações da emoção se nada fosse criado? Se não surgissem, em cada século, dezenas, centenas, milhares de artistas magníficos, sobrevivendo ao tempo e à morte com suas criações? Se Göethe, Bach, Ibsen, Rubens ou Ernest Hemmingway apenas “copiassem” as produções do passado?
Nada pinta de novo, portanto, em nossa TV, que continua tocando valsa em pleno festival de rock. Depois as emissoras vêm reclamar da crise. Ela existe, sim, mas é mais grave do que se pensa. Não está somente na falta de dinheiro. Centraliza-se, principalmente, na ausência de criatividade. E o remédio para isso é apenas pôr a cabeça para funcionar.

(Artigo publicado na coluna semanal “Vídeo”, na página 20, “Arte e Variedades” do Correio Popular, em 19 de julho de 1985).

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