Thursday, August 18, 2011







Sentir e pensar

Pedro J. Bondaczuk

O que é mais importante, diria indispensável, para se fazer uma boa obra de arte (entre outras coisas), o sentimento ou o pensamento? Claro que o ideal é o “casamento” indissolúvel e harmonioso de ambos, ou seja, da emoção e do raciocínio. Mas, se o artista tiver que optar por um dos dois (e não raro tem), sua opção mais inteligente e sensata é priorizar o primeiro. Ou seja, deve escolher, sem pestanejar, o sentimento. Fernando Pessoa afirmou a respeito: “Sentir é criar. Sentir é pensar sem idéias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem idéias”. E não tem mesmo.

Em outro trecho de um dos seus tantos textos, o poeta dos heterônimos reforça sua tese e aduz: “Os sentidos são divinos, porque são a nossa relação com o universo, e a nossa relação com o universo Deus”. A natureza torna-se mais compreensível quando, em vez de vê-la, a sentimos. Tentar racionalizá-la, traduzi-la em idéias, pode redundar, até, em belas fantasias, mas é o método mais falho para captarmos a realidade. A criação é fruto de sentimentos muito mais do que da razão.

Fernando Pessoa observa, ainda, que "sentir é compreender. Pensar é errar". Depende, portanto, do que queremos. Se buscamos a compreensão, através somente do raciocínio, acorrentando nossos sentimentos e policiando as emoções, estamos em um caminho equivocado. Aldous Huxley tem uma observação pertinente, que completa esse raciocínio: "A ciência não explicou nada. Quanto mais sabemos, mais fantástico se torna o mundo e mais profunda fica a escuridão ao seu redor".

Três condições espirituais são indispensáveis para a manutenção da nossa saúde psíquica e física: fé, esperança e amor. Sem elas, estaremos perdidos num mar tempestuoso de dúvidas, medos e de ódio, que têm que ser vencidos se pretendermos conservar a sanidade.

Sem uma crença transcendental, nossa vida não terá nenhum sentido. Quem não espera nada, por sua vez, e não acredita que possa alcançar o que deseja, carece de metas e todos os seus esforços se tornam inúteis e vãos. E aquele que não ama, tem a alma repleta de sentimentos negativos que, invariavelmente se refletem no corpo, o fazendo adoecer.

Mas essas três condições espirituais são sentimentos, não pensamentos. Sentimo-las e não pensamos, necessariamente, nelas. O filósofo Will Durant, com base em pesquisas científicas sérias, constatou, em seu livro “Filosofia da Vida”: “A fé, a esperança e o amor parecem expandir-se em cada célula do nosso corpo; a dúvida, o medo e o ódio contraem-nos os tecidos, como se fossem venenos – e, fisicamente, são venenos”. Como são!

Admito que nada no ser humano é mais nobre e maior do que a razão. Nada se compara à sua capacidade de raciocinar, de analisar e entender tudo e todos que o cercam e de criar, com a simples força do pensamento, o abstrato, ou seja, o que não existe. Não fora sua racionalidade, e esse animal, organicamente tão frágil e vulnerável, há muito, e fatalmente, já teria desaparecido da Terra. Aliás, não está a salvo do desaparecimento. Mas sem o sentimento, sem a emoção, sem a ação benéfica dos sentidos, não saberíamos apreciar, adequadamente, a vida e a beleza e muito menos reproduzi-la.

Face a essas constatações, indago: o que devemos preservar? A inteligência, desenvolvida ao longo dos anos mediante o exercício e o estudo? Ou a sensibilidade, com a qual nascemos, e que tínhamos quando crianças, mas que, na idade adulta, não raro abrimos mão? Embora a maioria possa optar pela primeira, manda a prudência que cultivemos com mais afinco a segunda. Ou seja, que sejamos sensíveis, emotivos, apaixonados até em todos os nossos relacionamentos e nossas realizações.

Claro que o ideal seria ter as duas coisas simultaneamente, mas pela vida toda e não somente por determinado período dela, por certo tempo, que varia de pessoa para pessoa. Conservá-las enquanto vivermos, creiam, raia à impossibilidade. O poeta Paulo Mendes Campos adverte: “Inteligência degenera com a idade, sensibilidade não; inteligência é desonesta, sensibilidade não”.


Para Jiddu Krishnamurti, eminente filósofo indiano, falecido em 1986, esta fusão, esta integração, esta simultaneidade entre pensamento e sentimento é não somente possível, como indispensável.


O eminente educador acentuou, em um dos seus tantos (e sábios) textos: “Separamos o intelecto do sentimento, desenvolvemos o intelecto à custa do sentimento. Somos como um tripé com uma perna mais longa do que as outras, não temos equilíbrio. Somos educados para sermos intelectuais; (…) (A Educação e o Significado da Vida, pág. 79)


Em outro trecho, Krishnamurti, considerado pela Sociedade Teosófica como um dos grandes mestres do mundo, afirma: “(…) O que pode produzir a transformação em nós, e por conseguinte na sociedade, é a compreensão do processo integral do pensar, que não é diferente do sentir. Sentir é pensar”. Ou seja, o sábio indiano fez a mesma constatação de Fernando Pessoa, de quem, aliás, nem foi contemporâneo, com que iniciei estas reflexões.


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