Saturday, August 27, 2011







Generosas flores

Pedro J. Bondaczuk

As idéias, na feliz metáfora do escritor francês André Gide, são flores que colhemos no jardim da vida. Todavia, o mais sensato não é esperar que elas surjam espontaneamente (pois podem também não surgir), mas cultivá-las com disciplina e afinco. Para isso, devemos estar predispostos a esse cultivo. Para que elas brotem e se desenvolvam, é mister que as semeemos antes. Todas as pessoas as têm. Algumas, porém, não lhes dão a devida atenção e deixam que se percam nos meandros do cérebro.

Há, porém, quem tem nas idéias a matéria-prima da sua produção. É o caso dos filósofos, dos artistas de todas as artes, dos jornalistas, dos inventores e dos escritores, entre outros. Para estes, elas são essenciais, jamais podem faltar, sob pena de fracasso. Contudo, observe-se, as idéias nunca vêm completas, prontas, acabadas. Às vezes não passam de mero lampejo, com a rapidez de um raio. Daí sua comparação com as flores, que requerem cuidado pra frutificar. As idéias, para gerarem o efeito que delas se espera, requerem o acompanhamento da ação. São meros embriões de obras, que podem se desenvolver ou serem abortados, dependendo de como viermos a proceder.

A possibilidade de pensar é das prerrogativas mais nobres que temos e, ao mesmo tempo, é um dever. Compete-nos contribuir para a solução dos grandes problemas que afligem não apenas a nós mesmos, nossas famílias, nossa comunidade e nosso país, mas também à humanidade da qual fazemos parte. Observei, certa feita, em um ensaio, que há os que não “querem” pensar, aferrados a pensamentos alheios, que colocam como dogmas. “São os fanáticos, que impedem, com sua falta de visão, o progresso dos povos”.

Enfatizei, na sequência, que há os que não “podem” exercer essa prerrogativa, por deficiência mental. São os loucos e idiotas, que não têm culpa desses males. Mas não “ousar” pensar é o delito dos delitos. Significa omissão. E o omisso é um parasita, que sempre depende que outros façam o que lhe caberia fazer.

As idéias, mesmo as aparentemente banais, têm incrível poder transformador sobre nossas mentes e, principalmente, sobre nossas vidas. Raramente nos damos conta disso, mas é algo para o que deveríamos atentar. Sua geração e cultivo não são prerrogativas de filósofos, cientistas ou escritores. Estão ao alcance de qualquer um. As idéias são como contas de um rosário: uma puxa outra e, quando percebemos, constatamos, surpresos, que nos tornamos um pouco mais sábios, sensatos e criativos. Por isso, um dos hábitos mais saudáveis que podemos desenvolver é o da meditação.

Cultivar idéias é necessidade humana, prerrogativa do único animal inteligente da natureza. O mais humilde e iletrado dos homens pode e deve fazê-lo, pois esse é o único recurso que tem para a ascensão mental, espiritual e até social. Conheço analfabetos que sequer sabem distinguir as letras, mas que têm visão privilegiada da vida e muito a nos ensinar. Tudo o que fazemos, desde o ato aparentemente mais mecânico, à concepção de grandes obras materiais, artísticas e intelectuais, depende de idéias. O que não podemos é deixar de reciclá-las, para que não se cristalizem e não se transformem em dogmas. Podemos (e devemos) dar grandeza e transcendência ao nobre ato de pensar.

Nossas idéias nos personalizam, elevam, depreciam ou engrandecem, dependendo do seu teor e intensidade. Se positivas e altruístas, desde que praticadas, nos perpetuam no coração dos que se beneficiam, direta ou indiretamente, delas e promovem progresso, grandeza e transcendência. Se destrutivas, corruptoras, malévolas e chulas, despertam horror e ira nos mais sensatos e, caso venham a ser aplicadas pelos tíbios e sem-personalidade, resultarão em intensos sofrimentos e desgraças para um número incontável de pessoas.

As idéias podem nos apequenar (e aos que as compartilharem) ou engrandecer. São elas que, de fato, governam o mundo. Por isso devem ser policiadas, dia e noite, e filtradas, para que só as construtivas prevaleçam.

Nada no ser humano é mais nobre e maior do que a razão. Nada se compara à sua capacidade de raciocinar, de analisar e entender tudo e todos que o cercam e de criar, com a simples força do pensamento, o abstrato, ou seja, o que não existe.

Não fora sua racionalidade, e esse animal, fatalmente,, já teria desaparecido da Terra (e ainda corre riscos concretíssimos de desaparecer). Sua força física, como enfatizei inúmeras vezes, é muito inferior à de tantas feras, como o tigre. Sua audição nem de longe se aproxima da do morcego. Sua visão é ínfima perto da do lince ou da águia.

Graças ao raciocínio, porém, este ser, complexo e maravilhoso e, simultaneamente, tão imprevisível e contraditório, é o único que tem a capacidade de pensar, de criar, de transformar o ambiente em que vive e de dominar todos os outros animais.

A História da humanidade, infelizmente, foi escrita com sangue, muito sangue, derramado em nome de ideais supostamente nobres, mas que, na verdade, escondiam interesses inconfessáveis. Daí as contradições do nosso tempo no relacionamento das pessoas. Daí haver tanta cobiça, maldade, violência, ignorância, corrupção e injustiças. E as coisas só não são piores, porque homens generosos e sábios nos legaram (e seguem nos legando) idéias, conceitos e valores eternizados pelo tempo.

Os pensadores é que deveriam ser exaltados pelos historiadores, não os tiranos, os generais e os semeadores de morte e de destruição. Destruir pessoas e obras nunca foi heroísmo. Victor Hugo (sempre ele!), escreveu, num dos seus tantos e marcantes textos, o que parece o óbvio aos que têm bom-senso, mas que ainda não convenceu os néscios (a maioria):: “As idéias é o que se deve derramar, em vez de sangue, para fecundar os campos em que germina o futuro dos povos”. Derramemo-las, pois, generosa e profusamente, sem modéstia e sem limites.

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