Desejável utopia.
Pedro J. Bondaczuk
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada com pompa e circunstância em reunião solene da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, traz, em seu preâmbulo, o seguinte: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Como manifestação de intenção, é perfeita. Mas na hora de pôr em prática esse magnífico texto... Temo que ainda se trate de letra morta. E nada indica que venha a ter, um dia, a pretendida praticidade e. sobretudo, universalidade.
Há determinados temas que detesto abordar. Os direitos humanos é um deles. Não porque não aprove esses princípios que, de tão elementares, deveriam ser consensuais e prescindir de bombásticas declarações. Muito pelo contrário. Não, também, por desconhecimento de causa. Os direitos humanos são um princípio tão óbvio, que o mais bronco dos broncos, o alienado dos alienados sabe do que se trata. E testemunha, a cada momento, sua desavergonhada violação.
Se há um assunto sobre o qual não consigo escrever com serenidade e eqüidistância, é este. Curiosamente, é um dos temas sobre os quais mais escrevi. E sempre rilhando os dentes, nauseado e cheio de revolta, não raro até com vergonha de fazer parte da espécie humana. Pode parecer uma declaração dramática em excesso, mas quem me conhece e convive comigo sabe que não é.
“Bem, as coisas, nesse aspecto, melhoraram muito, em relação a apenas um ou dois séculos atrás”, dirão os mais otimistas. Será? Então não há mais nenhuma violação dos direitos fundamentais do homem? Ninguém nasce, mundo afora, privado desde o berço da liberdade e todos, rigorosamente todos são tratados com igualdade em termos de dignidade e direitos? Ora, ora, ora.
Claro que, oficialmente, a escravidão, que até meados do século XIX era considerada “legítima” e “normal”, pelo menos oficialmente é tida como delito grave e as leis prevêem severas punições a quem lança mão desse nojento expediente. Então não há mais escravos, posto que de forma disfarçada? Todos, absolutamente todos os cerca de 7 bilhões de seres humanos são livres, libérrimos e têm seus direitos rigorosamente respeitados, desde que respeitem seu limite, que está onde o direito do próximo começa? Ora, ora, ora, nem o mais alienado dos alienados crê nessa balela.
Tempos atrás, escrevi um pequeno ensaio sobre a “escola de ditadura” em que somos “matriculados” desde o nascimento, condicionando-nos à submissão alheia. Observei, em determinado trecho: “As primeiras palavras que mentalizamos, na tenra infância, tão logo começamos a engatinhar e a tomar contato ativo com o mundo, é no sentido de restrição. ‘Não mexa nisso, não faça aquilo, não ponha isso na boca’ e vai por aí afora. Claro que os que nos dizem essas coisas (no caso nossos pais), agem no intuito de nos proteger. Mas é a nossa primeira ‘lição de ditadura’. Muitas outras virão a partir de então, ao longo de toda nossa vida. E as proibições vão aumentando de grau e de intensidade à medida que crescemos. Passam a ser uma constante no lar, na escola, no trabalho etc.”.
E não é o que acontece? As coisas já foram piores. Éramos educados não apenas mediante coação simbolizada por palavras, mas até não muito, eram comuns, a qualquer pretexto, os castigos corporais. No referido ensaio, também observei: “É um duro aprendizado para a vida em comunidade, onde precisamos abrir mão de parcela considerável de liberdade individual, em favor do grupo. Claro que as restrições são incômodas, antipáticas e impopulares. O homem, no entanto, somente é totalmente livre nos estritos limites da lei. Afinal, nosso direito começa somente onde o dos outros termina”. Deveria ser assim, mas não é.
Ditadores cínicos e cruéis ainda abundam, mundo afora, e pintam e bordam e cometem as piores atrocidades para se manterem no poder. Desgraçadamente, esses pilantras brotam como ervas daninhas justamente nos países mais pobres do Planeta, onde imperam a miséria e a ignorância. Locupletam-se às custas da profunda carência da população e, quando eventualmente são depostos, quase nunca devolvem aos cofres públicos o que deles surrupiaram. Esse tipo de tirania sempre existiu, mas não tomávamos conhecimento dele. Contudo, como as comunicações via satélite reduziram o Planeta à aldeia global apregoada por Marshall McLuhan, temos, em âmbito ampliado, uma situação idêntica à da França de julho de 1789, quando o princípio dos direitos humanos foi, pela primeira vez, reconhecido. E isso em pleno século XXI do Terceiro Milênio da Era Cristã. A fome, o desemprego, a falta de perspectivas de vida atormentam severamente a dois terços da humanidade, enquanto o um terço restante segue, estupidamente, incensando o “bezerro de ouro”, crente que a capacidade de tolerância ao sofrimento dos desvalidos seja infinita e inesgotável.
O nosso tempo, aliás, é o das grandes contradições. Nunca se falou tanto, por exemplo, em direitos humanos e jamais eles foram tão e cinicamente desrespeitados. Temos que agir, posto que ordeira e pacificamente, para modificar essa trágica realidade. Sei que se trata de mera utopia, mas que nos convém abraçar e tentar concretizar. Nós escritores, temos uma arma poderosa para isso: as idéias. Não podemos nos omitir, embora os resultados sejam duvidosos e, mesmo se vierem a ocorrer, tendem a ser a longuíssimo prazo. Porquanto (embora a afirmação, óbvia, já tenha se transformado em clichê), a omissão dos bons propicia a perversa atuação dos maus. Tenhamos isso sempre em mente!
É dever dos cidadãos que vivem sob democracias estáveis (mesmo que só na aparência) a cobrança de explicações sobre os desvios de conduta de seus governantes no que diz respeito aos direitos humanos, o que, convenhamos, raramente acontece. Não é somente no Terceiro Mundo que as arbitrariedades ocorrem. É indispensável que essas mazelas sejam exemplarmente punidas, ao amparo da lei, acima da qual ninguém pode estar (e rigorosamente sob a sua égide) para que o exemplo de respeito à vida e à dignidade humana frutifique e atinja às comunidades mais atrasadas e carentes do Planeta.
Com isso, haverá um parâmetro factível, que possibilitará contínua evolução no campo do Direito em âmbito global. Se isso for feito, certamente será lançada a semente, pelo menos uma, que conduzirá toda a humanidade, a longo prazo (mesmo que isso venha a demorar um milênio ou mais), a uma era de compreensão e de fraternidade, tendo a justiça por corolário. Utopia? Certamente! Mas tão desejável, que convém se empenhar ao máximo para torná-la, algum dia, concreta.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada com pompa e circunstância em reunião solene da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, traz, em seu preâmbulo, o seguinte: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Como manifestação de intenção, é perfeita. Mas na hora de pôr em prática esse magnífico texto... Temo que ainda se trate de letra morta. E nada indica que venha a ter, um dia, a pretendida praticidade e. sobretudo, universalidade.
Há determinados temas que detesto abordar. Os direitos humanos é um deles. Não porque não aprove esses princípios que, de tão elementares, deveriam ser consensuais e prescindir de bombásticas declarações. Muito pelo contrário. Não, também, por desconhecimento de causa. Os direitos humanos são um princípio tão óbvio, que o mais bronco dos broncos, o alienado dos alienados sabe do que se trata. E testemunha, a cada momento, sua desavergonhada violação.
Se há um assunto sobre o qual não consigo escrever com serenidade e eqüidistância, é este. Curiosamente, é um dos temas sobre os quais mais escrevi. E sempre rilhando os dentes, nauseado e cheio de revolta, não raro até com vergonha de fazer parte da espécie humana. Pode parecer uma declaração dramática em excesso, mas quem me conhece e convive comigo sabe que não é.
“Bem, as coisas, nesse aspecto, melhoraram muito, em relação a apenas um ou dois séculos atrás”, dirão os mais otimistas. Será? Então não há mais nenhuma violação dos direitos fundamentais do homem? Ninguém nasce, mundo afora, privado desde o berço da liberdade e todos, rigorosamente todos são tratados com igualdade em termos de dignidade e direitos? Ora, ora, ora.
Claro que, oficialmente, a escravidão, que até meados do século XIX era considerada “legítima” e “normal”, pelo menos oficialmente é tida como delito grave e as leis prevêem severas punições a quem lança mão desse nojento expediente. Então não há mais escravos, posto que de forma disfarçada? Todos, absolutamente todos os cerca de 7 bilhões de seres humanos são livres, libérrimos e têm seus direitos rigorosamente respeitados, desde que respeitem seu limite, que está onde o direito do próximo começa? Ora, ora, ora, nem o mais alienado dos alienados crê nessa balela.
Tempos atrás, escrevi um pequeno ensaio sobre a “escola de ditadura” em que somos “matriculados” desde o nascimento, condicionando-nos à submissão alheia. Observei, em determinado trecho: “As primeiras palavras que mentalizamos, na tenra infância, tão logo começamos a engatinhar e a tomar contato ativo com o mundo, é no sentido de restrição. ‘Não mexa nisso, não faça aquilo, não ponha isso na boca’ e vai por aí afora. Claro que os que nos dizem essas coisas (no caso nossos pais), agem no intuito de nos proteger. Mas é a nossa primeira ‘lição de ditadura’. Muitas outras virão a partir de então, ao longo de toda nossa vida. E as proibições vão aumentando de grau e de intensidade à medida que crescemos. Passam a ser uma constante no lar, na escola, no trabalho etc.”.
E não é o que acontece? As coisas já foram piores. Éramos educados não apenas mediante coação simbolizada por palavras, mas até não muito, eram comuns, a qualquer pretexto, os castigos corporais. No referido ensaio, também observei: “É um duro aprendizado para a vida em comunidade, onde precisamos abrir mão de parcela considerável de liberdade individual, em favor do grupo. Claro que as restrições são incômodas, antipáticas e impopulares. O homem, no entanto, somente é totalmente livre nos estritos limites da lei. Afinal, nosso direito começa somente onde o dos outros termina”. Deveria ser assim, mas não é.
Ditadores cínicos e cruéis ainda abundam, mundo afora, e pintam e bordam e cometem as piores atrocidades para se manterem no poder. Desgraçadamente, esses pilantras brotam como ervas daninhas justamente nos países mais pobres do Planeta, onde imperam a miséria e a ignorância. Locupletam-se às custas da profunda carência da população e, quando eventualmente são depostos, quase nunca devolvem aos cofres públicos o que deles surrupiaram. Esse tipo de tirania sempre existiu, mas não tomávamos conhecimento dele. Contudo, como as comunicações via satélite reduziram o Planeta à aldeia global apregoada por Marshall McLuhan, temos, em âmbito ampliado, uma situação idêntica à da França de julho de 1789, quando o princípio dos direitos humanos foi, pela primeira vez, reconhecido. E isso em pleno século XXI do Terceiro Milênio da Era Cristã. A fome, o desemprego, a falta de perspectivas de vida atormentam severamente a dois terços da humanidade, enquanto o um terço restante segue, estupidamente, incensando o “bezerro de ouro”, crente que a capacidade de tolerância ao sofrimento dos desvalidos seja infinita e inesgotável.
O nosso tempo, aliás, é o das grandes contradições. Nunca se falou tanto, por exemplo, em direitos humanos e jamais eles foram tão e cinicamente desrespeitados. Temos que agir, posto que ordeira e pacificamente, para modificar essa trágica realidade. Sei que se trata de mera utopia, mas que nos convém abraçar e tentar concretizar. Nós escritores, temos uma arma poderosa para isso: as idéias. Não podemos nos omitir, embora os resultados sejam duvidosos e, mesmo se vierem a ocorrer, tendem a ser a longuíssimo prazo. Porquanto (embora a afirmação, óbvia, já tenha se transformado em clichê), a omissão dos bons propicia a perversa atuação dos maus. Tenhamos isso sempre em mente!
É dever dos cidadãos que vivem sob democracias estáveis (mesmo que só na aparência) a cobrança de explicações sobre os desvios de conduta de seus governantes no que diz respeito aos direitos humanos, o que, convenhamos, raramente acontece. Não é somente no Terceiro Mundo que as arbitrariedades ocorrem. É indispensável que essas mazelas sejam exemplarmente punidas, ao amparo da lei, acima da qual ninguém pode estar (e rigorosamente sob a sua égide) para que o exemplo de respeito à vida e à dignidade humana frutifique e atinja às comunidades mais atrasadas e carentes do Planeta.
Com isso, haverá um parâmetro factível, que possibilitará contínua evolução no campo do Direito em âmbito global. Se isso for feito, certamente será lançada a semente, pelo menos uma, que conduzirá toda a humanidade, a longo prazo (mesmo que isso venha a demorar um milênio ou mais), a uma era de compreensão e de fraternidade, tendo a justiça por corolário. Utopia? Certamente! Mas tão desejável, que convém se empenhar ao máximo para torná-la, algum dia, concreta.
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