Sunday, August 28, 2011







Itália vai às urnas


Pedro J. Bondaczuk


A Itália é um país sui generis, detentor de uma civilização tão evoluída que é dos poucos que podem ficar meses sem governo (como aconteceu com a recente crise política pela qual passou), sem que isso afete sua economia, sua sociedade ou sua vida nacional.
Não é por acaso que foi ali que surgiu o movimento para valorizar o homem como pessoa e não como mera peça de uma engrenagem chamada Estado, ainda no século IV, dando margem ao surgimento de notáveis gênios, como Leoni Battista Alberti, Leonardo da Vinci e Dante Aligheri, entre milhares de tantos outros.
Esse povo extraordinário e próspero vai às urnas, hoje, para servir de árbitro na briga dos políticos, que nunca conseguiram se entender. Como tem sido grande característica italiana desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os dois principais contendores dessa luta ainda são os mesmos: os democratas-cristãos e os comunistas.
Aliás, essa cordial briga foi bem retratada por Guareschi, com grande argúcia e muito humor. Ele foi o criador dos personagens Dom Camilo (um pároco de aldeia do interior, defensor intransigente do PDC, que vivia apregoando que os vermelhos eram comedores de criancinhas indefesas, mas que mantinha com eles secretas e cordiais relações) e Pepone (um marxista convicto que, no entanto, não abria mão das delícias capitalistas).
As histórias desses dois estereótipos foram tema de um seriado de muito sucesso no Brasil, na saudosa TV Tupi, ao longo de toda a década de 1950. E as coisas ainda continuam dessa mesma maneira. Comunistas e democratas-cristãos dividem quase que pela metade o eleitorado, que nunca foi muito interessado nessa controvérsia.
Na Itália, o voto é encarado como um direito de cidadania (que é o seu conceito correto) e não como uma obrigação imposta pelas autoridades. Por isso, as abstenções têm decidido eleições, tornando todas as pesquisas de opinião meros exercícios de adivinhação, nem sempre próximos da realidade.
Por exemplo, em junho de 1983, a taxa dos que deixaram de votar naquele ano se elevou para 16%. Por esse motivo, o PDC sofreu uma perda de quase 6% de votos e os comunistas, também, acabaram sendo prejudicados.
Na consulta às urnas de hoje e de amanhã, no entanto, há um fator novo a ser considerado: o Partido Socialista Italiano. O PSI nunca foi bom de voto. Mas, há 4 anos, obteve um terceiro lugar entre todos os partidos e, por uma dessas estranhas negociações entre os políticos, conseguiu a chefia de gabinete para o seu líder, Bettino Craxi.
Quando este assumiu, o país estava num autêntico caos. A inflação registrava taxas muito altas para os padrões europeus, o desemprego era considerável e o prestígio italiano, em âmbito internacional, não era tanto quanto a verdadeira importância do país permitia que fosse.
O dirigente do PSI, no entanto, com muito talento e, principalmente, deixando a sociedade em paz, interferindo o mínimo possível nas relações comerciais e trabalhistas, fez uma gestão que surpreendeu até seus partidários.
Hoje a Itália é autêntica ilha de tranqüilidade econômica em meio à crise que assola o mundo. Sua inflação foi contida, seu desemprego é baixo e seu povo vive cada vez melhor. Internacionalmente, o país goza de grande respeito e suas intervenções nas pendências mundiais têm sido as mais sensatas que se possa esperar. Craxi terá, certamente, seu cacife nas urnas aumentado. Não que vá derrotar os democratas-cristãos ou os comunistas. Longe disso.
Mas o seu partido não fará menos do que 12% dos votos. Com isso, passará a ocupar uma situação privilegiada. Como ninguém vai conseguir maioria, ou sequer 30% dos votos, qualquer partido que desejar o governo só poderá obter sucesso mediante coligações. E o PSI terá à sua escolha com quem vai querer se coligar, extraindo, logicamente, os benefícios que essa posição lhe possibilita.
Sem ele, não haverá gabinete. Dessa forma, Bettino Craxi, mesmo não sendo nenhum campeão de votos (até pelo contrário), com toda a certeza vai ser o grande vencedor desse confronto eleitoral. Sábia, muito sábia decisão do eleitorado italiano.

(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 14 de junho de 1987).

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