Tuesday, August 02, 2011







Intelectual imprescindível

Pedro J. Bondaczuk


O poeta e dramaturgo alemão, Bertholt Brecht, escreveu, em certa ocasião: “Há homens que lutam um dia e são bons. Há homens que lutam um ano e são muito bons. Há homens que lutam muitos anos e são melhores. Mas há os que lutam toda a vida: esses são imprescindíveis”. Essa constatação cabe a caráter para definir o poeta e crítico literário pernambucano Luiz Carlos Monteiro, nosso colaborador fixo nas últimas 83 semanas (presença obrigatória, aos sábados, na coluna “Porta Aberta” do “Literário”), incansável batalhador pela boa literatura em seu Estado natal, Pernambuco r, por extensão, no País..

Consternado, soube, no primeiro dia de agosto, pelo escritor (seu conterrâneo e nosso colunista desde a criação do Literário), Urariano Mota, que esse intelectual e sábio homem de letras faleceu. Seu falecimento ocorreu na noite de 25 de julho de 2011, aos 54 anos de idade. Tomei conhecimento, todavia, da sua morte, apenas hoje. Ainda no sábado, publiquei um seu excelente poema, sem saber que a publicação já era póstuma.

Luiz Carlos Monteiro foi vitimado por uma pancreatite aguda que ceifou, tão prematuramente, sua vida, deixando uma lacuna que talvez (ou provavelmente) jamais será preenchida, não somente na cultura e na arte pernambucanas, mas de todo o País. Em sua atividade, por ser dos que “lutaram toda a vida”, enquadra-se a caráter na categoria, citada por Bertholt Brecht, dos “homens imprescindíveis”.

Luiz Carlos Monteiro sentiu-se mal em sua cidade natal, Sertânia. Socorrido, foi transferido para Arcoverde, onde veio a falecer. Todavia, deixa-nos um legado não apenas de obras literárias, mas, sobretudo de luta pela valorização da figura do escritor. Integrou, por exemplo, ao lado de Cida Pedrosa, Raimundo de Moraes e outros tantos idealistas, do “Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco (MEIPE).

Sua obra, tesouro de sabedoria e sensibilidade para a posteridade, consiste de seis livros, a maioria de poesias, no seu estilo sóbrio, mas marcante e expressivo: “Na solidão do neon” (1983), “Vigília” (1990), “Poemas” (1999), “O impossível dizer e outros poemas” (2005), “Para ler Maximiano Campos” (2008), além de uma dissertação de mestrado, intitulada “Musa fragmentada – a poética de Carlos Pena Filho”, editada pela Editora Universitária.

Como crítico literário dos mais respeitáveis, “dissecou”, com critério e exatidão, os livros mais fundamentais à cultura lançados ultimamente, com ênfase nos grandes escritores pernambucanos, cuja literatura, convenhamos, é das mais ricas e privilegiadas. Mantinha um dos excelentes blogs literários da internet, “O mundo circundante” (HTTP://omundocircundante.blogspot.com), que freqüentei, assiduamente, no último um ano e meio e que me ilustrou sobremaneira.

Como derradeira e comovida homenagem a esse intelectual com “I” maiúsculo,, reproduzo o poema abaixo, lamentando, óbvio, que doravante, não haja outros da mesma qualidade, de autoria desse poeta iluminado, para nos encantar.

Os vaqueiros

I
Quem viveu na caatinga
e foi criado no mato,
nascido na Cacimbinha
entre Sertânia e o Brabo
pode não ter mãos certeiras
na derrubada do gado,
pode não ter mãos de seda
nem feitas de muitos calos,
mas guarda os que a caneta
lhe trouxe de verso e palavras
escritas na força e peleja
do poeta com seus fantasmas,
de menino que veio cedo
estudar e morar na cidade.

II
Quem foi criado no mato,
no ermo dos tabuleiros
já teve o traquejo do gado
gostando de ver no terreiro
das fazendas ou soltos no pasto
os bichos sobre os lajedos
pulando barrancos e grotas
tangidos pelos vaqueiros.

III
No Sertão há meninos vaqueiros
sem medo correndo prado.
Há os vaqueiros mais velhos
nas pegas de boi pelo mato.
Também os mais jovens vaqueiros
com sua sanha e amor pelo gado.
Há ainda as mulheres vaqueiras
que humanizam essa arte de macho.
E tem ainda os poetas vaqueiros
que improvisam aboio e toada.

IV
Mesmo que certos vaqueiros
atalhem o gado de moto
a tradição não se acaba
por ser ela a mais própria:
Tanger boi a cavalo
junta trabalho e esporte
e vem de tempos antigos
que não se tinha o transporte
perigoso, enviesado, de aço
de quem viaja em duas rodas.

V
O que mais conta ao vaqueiro
é a destreza no trato com os animais.
O que mais vale ao vaqueiro
é o lento preparo de bois e cavalos.
Cavalos para sela e torneio.
Bois para as festas de vaquejada.

VI
Mais de cinquenta léguas
tangem boiada os vaqueiros,
arreios recurvos nas selas
atrás de negócios nas feiras
do Sertão e Agreste, na leva
pastoril das rédeas ligeiras.
Contornam estradas e serras,
previnem o estouro e a perda
de reses só confiadas a eles.
Descansam à sombra das árvores
próximas de pasto e riacho
em terras de cacto e veredas.
Prosseguem ao sol incidente
nos verdes de cinza e distância
quando o gado desfila pungente
mugidos de preguiça inconstante
e desolado o azul se faz lento
aboiar pelo ermo horizonte.
(Inédito)


O escritor João Guimarães Rosa constatou, certa feita: “o poeta não morre, fica encantado”. Pois Luiz Carlos Monteiro, após nos encantar, agora se “encantou”. Todavia, sua obra permanece, para instruir e servir de parâmetro de qualidade à posteridade. Reitero, aqui, por ser pertinente, a citação de Bertholt Brecht: “Há homens que lutam um dia e são bons. Há homens que lutam um ano e são muito bons. Há homens que lutam muitos anos e são melhores. Mas há os que lutam toda a vida: esses são imprescindíveis”. Luiz Carlos Monteiro enquadra-se, a caráter, nesta última classificação. Ou seja, é da categoria dos “imprescindíveis”.

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