Wednesday, August 31, 2011







Poetisa conquista o Pulitzer

Pedro J. Bondaczuk

As mulheres, ultimamente, vêm conquistando prêmios e mais prêmios literários, mostrando que sensibilidade, talento e competência não são uma questão de sexo, como sempre enfatizei, contrariando os preconceituosos. Isso não significa que a atual geração de escritoras é melhor do que as que a precederam. Ocorre que agora vêm tendo mais oportunidades, o que não é nenhuma concessão, mas heróica conquista, feita com muita garra, muita luta e determinação.
Todo este preâmbulo – que em jornalismo é chamado de “nariz de cera” – é destinado apenas a informar que a californiana Kay Ryan, de 66 anos de idade, que além de professora universitária de língua inglesa é ensaísta e, sobretudo, poetisa, conquistou um dos maiores e mais cobiçados prêmios da atualidade – voltado basicamente para a comunicação jornalística, mas que galardoa também as excelentes produções artísticas (e literárias incluídas, “of course”) – o Pulitzer. A referida escritora foi a premiada de 2011 na categoria “Poesia”.
Ressalte-se que ela já havia conquistado outras tantas conhecidas e prestigiadas premiações literárias, todas em âmbito doméstico, embora nenhuma de tamanha relevância e projeção como esta. A escolha não causou surpresa alguma nos Estados Unidos, mas... Surpreendeu e pegou desprevenidos os meios culturais e literários brasileiros. Tanto que, se você procurar referências sobre Kay Ryan, digamos no “Google”, não encontrará nenhuma em português. Mas terá, certamente, uma enxurrada de informações em inglês.
O livro que lhe valeu tamanha projeção foi “The Best of it: new and select poems”, ainda inédito no Brasil. É estranho este ineditismo se levarmos em conta que, ainda em 2008, Kay Ryan já havia sido nomeada “Poet Laureate”, pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, sendo apenas a 16ª poeta (prefiro a expressão “poetisa”) em toda a história da instituição a receber tamanho reconhecimento. Desconfio, pois, que as nossas editoras marcaram bobeira ao não providenciarem tradução e respectiva publicação dos seus livros. Provavelmente, agora, irão se redimir. É o que espero. E que não me venham com esta bobagem de que “poesia não vende”. Nada vende se não for adequadamente divulgado.
Como não há referências a Kay Ryan em português, recorro aos críticos do seu país, os Estados Unidos. E eles caracterizam os poemas da ganhadora do Pulitzer 2011 como primando pela originalidade e “limpeza” idiomática. Pudera! É, por formação, professora de inglês, familiarizada, pois, com as nuances do rico e expressivo idioma de William Shakespeare. Muitos comparam-na a duas conterrâneas celebérrimas, Emily Dickinson e Marianne Moore. Discordo. Pelo pouco que li de Kay Ryan, considero-a muito mais original do que estas duas.
Além do que, aborda assuntos que à primeira vista, não são apropriados à poesia e, ainda assim, extrai beleza e transcendência deles. Confesso que gostei do que li. E olhem que sou exigente, exigentíssimo, até um tanto ranheta, quando se trata de poesia, o gênero da minha predileção (sendo ou não vendável, já que não faço da literatura fonte de renda, mas opção de vida). Ryan considera a “reabilitação dos clichês” como parte da missão do poeta. Entendo, todavia, que sua verdadeira missão é manter a qualidade da produção poética. Seus poemas são, na maioria, curtos, todavia enfáticos e incisivos.
O livro que lhe valeu o Pulitzer é uma espécie de seleta dos 47 anos da sua produção. São cerca de 200 poemas (excelente amostragem, portanto), muitos inéditos, mas vários deles publicados em outras obras suas, ou em jornais e revistas, a partir de 1954, quando começou a publicar os seus escritos.
Quando se fala de poetas (e de poetisas, evidentemente), nada ilustra melhor sua temática, estilo e criatividade do que seus textos. Seus eventuais dados biográficos, embora ajudem, são dispensáveis nestes casos para justificar ou não uma premiação do porte do Pulitzer.
Embora um único poema seja insuficiente para valorizar ou desvalorizar a obra poética de alguém, trago-lhes uma (apenas uma) das composições de Kay Ryan, para que vocês avaliem por si sós a qualidade desta poetisa. Ou pelo menos tenham ligeira idéia a respeito. Só peço-lhes para que não reparem na imperícia da tradução, feita por este Editor. E isto se justifica. Embora eu leia razoavelmente bem em inglês, meu conhecimento do idioma de Shelley, Eliot e de tantos outros dá somente para o gasto. E olhem lá!
Mas... feita a ressalva, deliciem-se com os versos de “Um impalpável silêncio, de Kay Ryan: “O que é mais delicioso/que um silêncio palpável/um látex cremoso de silêncio/que se mistura com uma vara comprida?/Esse silêncio é particularmente espesso/no fundo, um creme muito suave,/como uma tinta de qualidade/que se vende por galão.Este é um silêncio base/que só adquire cor/com, digamos, ligeiro toque/de verde, como quando um pássaro canta/com indolência sobre as árvores/que conheceu. É um silêncio/limpo, que não nos divide/é viscoso, como os sonhos,/mas como nos bons sonhos/em que as coisas doces perduram/muito além da credibilidade,/inclusive no sonho sabemos/que isto é um luxo”.
Gostaram? Eu gostei bastante. O Pulitzer 2011, na categoria “Poesia”, portanto, está, sem dúvida, em excelentes mãos.

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