Monday, August 01, 2011







Menor sensatez

Pedro J. Bondaczuk


O ser humano é um animal tão complexo porque não é movido, como os demais, apenas por instintos. Conta com um diferencial importante que o distingue, ou seja, a consciência, a capacidade de entendimento chamada genericamente de inteligência, o raciocínio, enfim, a razão. A esses ingredientes junta, ainda, o da emoção, que é um misto do instintivo com o racional.
Não se conhece ninguém (provavelmente nunca houve) ninguém mesmo que tivesse “apenas” uma dessas características. Ou seja, que fosse, por exemplo, movido exclusivamente por instinto. Ou que se mostrasse absolutamente racional, sem nada de instintivo ou de emocional em suas atitudes. Ou que fosse só sentimentos, em detrimento dos instintos e da razão. A “mistura” disso tudo é que varia de pessoa para pessoa.
Alguns são mais instintivos do que outros, mas têm, também, racionalidade e emoção. O mesmo vale para as outras características. Ou seja, há os que se mostram mais racionais e menos instintivos ou emotivos. E os que têm como característica preponderante a emoção. Já me perguntaram, quando levantei a questão, qual desses tipos é o melhor. Bela pergunta! Mas capciosa! Creio que dá empate triplo. Todos têm lá suas vantagens e desvantagens, desconfio que nas mesmas proporções.
Amiúde vemos pessoas agirem movidas apenas pela emoção, contrariando toda lógica. E se dão ora muito mal, ora muito bem. Para justificar esse procedimento, há um adágio popular, que de tão repetido se transformou em clichê, que diz que “o coração (e aqui não se refere especificamente ao órgão cuja função é somente a de bombear sangue para todo o corpo enquanto este se mantiver vivo, cuja tarefa para esse fim é, obviamente, essencial, mas a uma metafórica sede das emoções) tem razões que a própria razão desconhece”. E tem mesmo.
E quem é mais feliz, o racional, o emotivo ou o que prioriza os instintos? Também é impossível de determinar. Não há esse reducionismo implacável e definitivo na vida. Vários fatores têm que ser levados em conta, entre os quais as circunstâncias. Mais uma vez, portanto, opto pelo triplo empate.
O escritor francês, Raymond Radiguet, tem opinião diversa. Prioriza as emoções, não somente em relação aos instintos, mas, principalmente, à razão. Escreveu, a propósito: “Se o coração tem razões que a própria razão desconhece, isso deve-se ao fato da razão ser menos sensata do que o coração”. Será? Também não posso assegurar nem que esteja certo e muito menos errado. Você, inteligente leitor, tire suas próprias conclusões se ele tem ou não razão.
Aliás, este é outro dos tantos escritores sumamente polêmicos, dos que reúnem ao seu redor fanáticos adeptos e ferozes adversários. Foi um talento precoce. Sequer chegou a amadurecer, como ser humano. Viveu, apenas, meses a mais do que vinte anos. Nasceu em 28 de junho de 1903 e morreu em 12 de dezembro de 1923. Viveu intensamente e morreu antes de atingir, reitero, a maturidade. E já nem digo a literária, mas a literal, a humana.
Embora tenha sido famoso em seu tempo e apesar de sua principal obra, o romance “O diabo no corpo”, ter sido levada ao cinema, em duas versões diferentes (em 1947 por Claude Autant-Lara, estrelado por Gérard Philipe e em 1986, adaptada por Marco Bellocchio), é relativamente desconhecido no Brasil. E, ademais, esquecido na Europa.
Garotão talentoso, que com 16 anos de idade já era jornalista bastante requisitado em Paris, Radiguet associou-se a um grupo modernista que viria a fazer história nas artes.
Faziam parte deste círculo “feras” do porte de Jean Cocteau (que se tornou seu mentor e as más línguas diziam que seria seu amante), Juan Gris, Max Jacob e Pablo Picasso, entre outros. Como se vê, um elenco da pesada. Por sua precocidade, era mais conhecido como “Monsieur Bebê”. Ao o que Ernest Hemmingway, seu desafeto, acrescentou “Bebê Depravado”.
Em uma época em que as relações sexuais eram descritas mediante eufemismos, mais sugeridas do que propriamente descritas, as histórias de Radiguet estavam repletas de cenas picantes. Todavia, o jovem escritor se impôs não exatamente pelos seus enredos (apesar destes terem virado filmes muito depois da sua morte), mas por sua escrita sóbria e correta e seu estilo definido e objetivo. Supõe-se que, se vivesse mais anos, por exemplo até os 60, poderia ter produzido obras ainda mais profundas e valiosas (ou não, claro).
Radiguet morreu em decorrência de febre tifóide, que contraiu durante uma viagem ao exterior que fez na companhia de Jean Cocteau. Seu segundo (e último) romance, “Le bal Du Comte d’Orgel”), foi publicado postumamente, um ano após sua morte. O jovem escritor, o “Monsieur Bebê”, deixou, ainda, alguns poemas e uma peça teatral, que não tiveram o mesmo êxito de seus dois romances.
Concentrei-me na figura de Raymond Radiguet, aparentemente fugindo do tema destas reflexões, meio que de propósito. Essa aparente mudança de assunto teve triplo objetivo: Trazer à baila um bom escritor, um talento precoce que está um tanto esquecido; ressaltar sua falta de maturidade que, no entanto, não ofuscou sua genialidade e justificar, dessa forma, o fato dele priorizar o “coração”, ou seja, os sentimentos, em detrimento da razão. Afinal, na sua idade... os hormônios tendem a ofuscar os neurônios.

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