Tuesday, March 01, 2011




Concorrência e parceria

Pedro J. Bondaczuk

Há pessoas que encaram a vida de forma permanentemente belicosa. Estão sempre com duas pedras nas mãos para atirar no primeiro incauto que lhes cruze o caminho. Vivem de mau-humor e não têm o menor escrúpulo em descarregar sua bílis nos outros. São incapazes de vislumbrar beleza, grandeza e transcendência ao seu redor. Tenho analisado muito este tipo e criei, até, uma legião de personagens com essas características. Afinal, “modelos” é que não me faltam e eles andam dando sopa por aí..
Outros tantos não entendem o sentido da palavra concorrência. Acham que quem concorre com eles é, liminarmente, seu inimigo. Vislumbram a vida como uma grande competição (e em certo aspecto é), em que somente os fortes e os espertos se saem bem. Nem sempre é assim (ou pelo menos não deveria ser) Não consigo assimilar essa postura, embora a respeite. Procuro, porém, por questão de prudência, colocar distância de trilhões de anos-luz de pessoas assim. Prefiro apostar em parcerias.
Encaro meus colegas escritores não como competidores por um mesmo espaço e muito menos como adversários aos quais devo derrotar, sob pena de ser derrotado por eles. Posso, perfeitamente, competir com alguém e ainda assim tê-lo como parceiro. Afinal, temos importante afinidade, a literatura e se formos sábios e práticos, partilharemos nossos conhecimentos e habilidades e ambos cresceremos. Para que um cresça, não é condição sine qua non que o outro diminua até desaparecer. Podemos (e devemos) crescer juntos.
Tive um imenso privilégio de conviver com escritores talentosíssimos, alguns já falecidos, que infelizmente não tiveram projeção proporcional aos seus inegáveis talentos. Três se destacam em minha memória, dos quais recebi profunda influência, que me tem sido utilíssima neste complicado, às vezes tenebroso e não raro frustrante mundo das letras: Mauro Sampaio, Maurício de Moraes e Uassyr Martinelli. Claro que há muitos outros, mas minha convivência com os três citados foi muito mais duradoura e profícua (e creio que para eles também).
Foram eles, por exemplo, que me abriram os olhos para determinadas nuances da poesia que antes de conhecê-los eu não havia atentado. Foram eles que vislumbraram em mim um poeta, coisa que até então eu duvidava (e que, sinceramente, ainda tenho grandes dúvidas).
Éramos, simultaneamente, concorrentes e parceiros. À primeira vista, pode parecer um paradoxo. Paradoxal ou não, porém, era assim que nos sentíamos. Estabelecemos uma “concorrência” de alto nível, cada um buscando superar o outro em sensibilidade e, acima de tudo, em criatividade. Líamos, uns para os outros, nossas produções e criticávamos, sem dó e nem piedade, o que entendíamos que fosse criticável.
Tais críticas, contudo, jamais chegaram a abalar nossa amizade, sequer a arranhá-la. Porquanto, não nos limitávamos a criticar, mas apontávamos os defeitos detectados nos respectivos textos e sugeríamos formas de correção. Éramos (e nos sentíamos assim), concorrentes, mas, simultaneamente, também parceiros. Muitos dos meus melhores poemas têm que ser partilhados com esses irmãos de fé, pois só ganharam qualidade por eu acatar seus reparos a eles. E vice-versa, claro.
Sempre que posso, trago, em meus textos, seus nomes e suas produções literárias à baila. Em um país sem memória, infelizmente foram esquecidos. Contudo, voltam a ser lembrados (e admirados) quando reproduzo trechos de seus magníficos poemas, crônicas e contos em todos os livros que tenho escrito, que, de uma forma ou de outra, melhoram a qualidade do que escrevo.
Fomos concorrentes, sim, mas jamais adversários e muito menos inimigos. Concorremos, sem dúvida, mas como pessoas que sempre se admiraram, quiseram bem umas às outras e principalmente se respeitaram. Sem abrir mão de nossos respectivos estilos e personalidades, fomos fiéis e leais parceiros e, muito mais do que isso, amigos no sentido lato do termo. E o lucro dessa parceria foi, é e sempre será partilhado, em idênticas proporções, por nós.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

1 comment:

Anonymous said...


Dos três que você mencionou, convivi mais com Mauro Sampaio e bastante também com o Uassyr. Já o Maurício de Moraes me encantava através de suas crônicas, não cheguei a conviver com eles. Você tem razão,
eram seres humanos extraordinários.
Uassyr ainda vive, mas afastou-se do ambiente acadêmico. Uma bobagem, pois hoje, depois de ir a tantos funerais, a competitividade acabou e a amizade vem sendo cultivada não só lá, mas em outras entidades que frequentamos. Um
abraço,
Ana Suzuki