Sucesso e circunstâncias
Pedro J. Bondaczuk
O filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, afirmou que o homem não pode ser considerado isoladamente. Ao se avaliar sua história, devem ser levadas em conta “suas circunstâncias”. Cada qual tem as suas, que podem até ser parecidas, mas nunca iguais. Algumas pessoas chamam isso de “destino” e afirmam, dogmaticamente, que quando nascemos, o nosso já está predeterminado. Tolice.
As circunstâncias são aleatórias. Contudo, às vezes, temos condições de alterá-las. Nem sempre, todavia, contamos com essa possibilidade. De acordo com Gasset, o sucesso ou insucesso nessa alteração das circunstâncias é que irá determinar nosso êxito ou fracasso na vida. Gosto de refletir sobre esse tema. Já escrevi inúmeros ensaios e crônicas a respeito e, possivelmente, escreverei ainda muitos mais.
Quantos escritores já existiram, desde que um determinado sujeito inventou de escrever o primeiro livro? Algumas centenas de milhões, certamente. E quantos você conhece, pelo menos de nome, mesmo que nunca tenha lido sequer uma reles linha do que escreveram? Poucos. Pouquíssimos. Talvez não seja capaz de lembrar, sequer, de uma centena deles, se tanto.
Esses de que você se lembra são os que fizeram sucesso, o único permitido a nós, efêmeros e mortais humanos. O dinheiro que ganharam, as mulheres que tiveram, as homenagens que receberam não representam coisa alguma. O que conta é permanecer vivo na lembrança de gerações e gerações, através dos séculos e, alguns, de milênios, muitíssimo tempo após a morte e, quem sabe, até virar lenda ou mito. São os que ou tiveram circunstâncias favoráveis, ou que souberam fazê-las assim.
Há uma infinidade de escritores que só conseguiram notoriedade muitos anos após terem morrido. Não conheceram, em vida, o doce sabor do sucesso. Em contrapartida, há os que gozaram, enquanto vivos, das benesses do êxito. Tiveram fama, dinheiro, prestígio e foram assediados o tempo todo por admiradores. Bastaram, porém, poucos meses após sua morte, nem seus parentes mais próximos se lembraram mais de sua existência. Suas obras? Perderam-se em algum lugar e jamais foram resgatadas.
Há escritores que comeram o pão que o diabo amassou. Lutaram contra as circunstâncias e tiveram vidas miseráveis. Escreveram compulsivamente, porque se viram obrigados a tal. Camilo Castelo Branco, por exemplo, foi um deles. Aos 21 anos, raptou a jovem Patrícia Emília e acabou sendo preso, acusado de bigamia.
Mais tarde, apaixonou-se por Ana Plácido. Esta, no entanto, era casada e com um comerciante muito rico. E o escritor? Não tinha um gato para puxar pelo rabo. Impossibilitado de viver seu amor, voltou-se para a religião e ingressou num seminário. Isso, porém, durou pouco. Não tinha vocação religiosa. Um dia, sua amada largou do marido e foi viver com ele. Trocou uma vida de conforto e riqueza por outra de privações. Não tardou a enviuvar e pôde, dessa forma, casar-se com Castelo Branco. Nesses romances água com açúcar, este seria o “happy end” ideal, o de fazer as mocinhas ingênuas suspirarem de emoção. Não foi.
O casal vivia endividado, assediado por credores, levando vida miserável e infeliz. Afinal, essa história de que só de amor se vive existe apenas em (má) literatura. Castelo produziu, produziu e produziu. Publicou dezenas de romances. Não só porque tinha admirável talento, mas, sobretudo, por necessidade. Todavia, a maior parte do fruto do seu exaustivo trabalho foi parar em mãos alheias: ou dos editores ou dos credores.
Para complicar seu rosário de desventuras, em 1888 o escritor foi vítima de um acelerado processo de decadência orgânica, que o levaria á completa cegueira, em conseqüência de uma sífilis crônica. Não suportando circunstâncias tão daninhas, Camilo Castelo Branco suicidou-se, com um tiro de pistola, em 1° de junho de 1890.
Pelos critérios de sucesso usualmente adotados pela maioria pode-se dizer que foi tremendo fracassado. Mas foi? Você não se lembra do nome dele? Já não leu pelo menos um ou outro romance que ele escreveu? Seu nome não é usado para batizar ruas, centros culturais, escolas etc. em várias cidades do seu país? Não há, pelo menos em Portugal, estátuas dele por toda a parte?
Pois é. Pelos critérios adotados para os escritores, ou seja, o da lembrança por parte de gerações que lhe sucederam e do respeito, quando não da reverência, pelo seu inegável talento, Camilo Castelo Branco foi, na verdade um vencedor. A despeito das circunstâncias.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, afirmou que o homem não pode ser considerado isoladamente. Ao se avaliar sua história, devem ser levadas em conta “suas circunstâncias”. Cada qual tem as suas, que podem até ser parecidas, mas nunca iguais. Algumas pessoas chamam isso de “destino” e afirmam, dogmaticamente, que quando nascemos, o nosso já está predeterminado. Tolice.
As circunstâncias são aleatórias. Contudo, às vezes, temos condições de alterá-las. Nem sempre, todavia, contamos com essa possibilidade. De acordo com Gasset, o sucesso ou insucesso nessa alteração das circunstâncias é que irá determinar nosso êxito ou fracasso na vida. Gosto de refletir sobre esse tema. Já escrevi inúmeros ensaios e crônicas a respeito e, possivelmente, escreverei ainda muitos mais.
Quantos escritores já existiram, desde que um determinado sujeito inventou de escrever o primeiro livro? Algumas centenas de milhões, certamente. E quantos você conhece, pelo menos de nome, mesmo que nunca tenha lido sequer uma reles linha do que escreveram? Poucos. Pouquíssimos. Talvez não seja capaz de lembrar, sequer, de uma centena deles, se tanto.
Esses de que você se lembra são os que fizeram sucesso, o único permitido a nós, efêmeros e mortais humanos. O dinheiro que ganharam, as mulheres que tiveram, as homenagens que receberam não representam coisa alguma. O que conta é permanecer vivo na lembrança de gerações e gerações, através dos séculos e, alguns, de milênios, muitíssimo tempo após a morte e, quem sabe, até virar lenda ou mito. São os que ou tiveram circunstâncias favoráveis, ou que souberam fazê-las assim.
Há uma infinidade de escritores que só conseguiram notoriedade muitos anos após terem morrido. Não conheceram, em vida, o doce sabor do sucesso. Em contrapartida, há os que gozaram, enquanto vivos, das benesses do êxito. Tiveram fama, dinheiro, prestígio e foram assediados o tempo todo por admiradores. Bastaram, porém, poucos meses após sua morte, nem seus parentes mais próximos se lembraram mais de sua existência. Suas obras? Perderam-se em algum lugar e jamais foram resgatadas.
Há escritores que comeram o pão que o diabo amassou. Lutaram contra as circunstâncias e tiveram vidas miseráveis. Escreveram compulsivamente, porque se viram obrigados a tal. Camilo Castelo Branco, por exemplo, foi um deles. Aos 21 anos, raptou a jovem Patrícia Emília e acabou sendo preso, acusado de bigamia.
Mais tarde, apaixonou-se por Ana Plácido. Esta, no entanto, era casada e com um comerciante muito rico. E o escritor? Não tinha um gato para puxar pelo rabo. Impossibilitado de viver seu amor, voltou-se para a religião e ingressou num seminário. Isso, porém, durou pouco. Não tinha vocação religiosa. Um dia, sua amada largou do marido e foi viver com ele. Trocou uma vida de conforto e riqueza por outra de privações. Não tardou a enviuvar e pôde, dessa forma, casar-se com Castelo Branco. Nesses romances água com açúcar, este seria o “happy end” ideal, o de fazer as mocinhas ingênuas suspirarem de emoção. Não foi.
O casal vivia endividado, assediado por credores, levando vida miserável e infeliz. Afinal, essa história de que só de amor se vive existe apenas em (má) literatura. Castelo produziu, produziu e produziu. Publicou dezenas de romances. Não só porque tinha admirável talento, mas, sobretudo, por necessidade. Todavia, a maior parte do fruto do seu exaustivo trabalho foi parar em mãos alheias: ou dos editores ou dos credores.
Para complicar seu rosário de desventuras, em 1888 o escritor foi vítima de um acelerado processo de decadência orgânica, que o levaria á completa cegueira, em conseqüência de uma sífilis crônica. Não suportando circunstâncias tão daninhas, Camilo Castelo Branco suicidou-se, com um tiro de pistola, em 1° de junho de 1890.
Pelos critérios de sucesso usualmente adotados pela maioria pode-se dizer que foi tremendo fracassado. Mas foi? Você não se lembra do nome dele? Já não leu pelo menos um ou outro romance que ele escreveu? Seu nome não é usado para batizar ruas, centros culturais, escolas etc. em várias cidades do seu país? Não há, pelo menos em Portugal, estátuas dele por toda a parte?
Pois é. Pelos critérios adotados para os escritores, ou seja, o da lembrança por parte de gerações que lhe sucederam e do respeito, quando não da reverência, pelo seu inegável talento, Camilo Castelo Branco foi, na verdade um vencedor. A despeito das circunstâncias.
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