Metáforas e outros recursos
Pedro J. Bondaczuk
O ser humano, incrível animal que ama, odeia, chora, ri e... pensa, gerou (e continua gerando) tamanha quantidade de idéias, que as palavras, em todos os idiomas que existem, se tornaram insuficientes para que fossem (e sejam) expressadas com pureza e com clareza. Teve, pois, (e ainda tem) que recorrer a outros recursos, quer gráficos, quer sonoros, quer audiovisuais ou quer, até mesmo, semânticos. Neste último caso, vale-se de metáforas. As línguas, dinâmicas como são, estão em perpétua metamorfose. Gestam, a todo o momento, novas palavras, assim como abortam sucessivamente outras, que caíram em desuso, num processo que não tem fim. Há quem abuse, todavia, da criação de neologismos, por absoluta ignorância, por desconhecer palavras que dizem exatamente o que quer dizer e que, por isso, cria novas, e se sente “genial” por isso.
Sou contrário, no entanto, a esse procedimento. Não se deve criar neologismos, quando forem desnecessários. Boa parte dos que são criados é dispensável se atentarmos bem. Defendo, por outro lado, a utilização correta das palavras que já existem no nosso idioma, e de forma clara, objetiva e oportuna. Vou mais longe: sou a favor que sejam utilizadas, sempre, aquelas mais conhecidas pela população (diria que são umas duas mil, se tanto).
Tenho sempre em vista que escrever é um ato de comunicação, e mais complexo do que pode parecer aos desavisados. Mas para nos comunicarmos bem, temos, sobretudo, que ser entendidos por “todos”. Se alguém não entender alguma coisa que escrevermos, por causa de uma eventual mania de esbanjar erudição, fracassaremos rotundamente em nosso texto, por mais sonoro e bem-arranjado que nos pareça. A boa comunicação dispensa pirotecnia verbal. Tem, como condição essencial, o entendimento por parte de quem lê.
Roman Jakobson, um dos maiores comunicadores do século passado, se vivo, concordaria comigo. Afinal, foi ele que declarou, certa feita: “ Prefiro evitar hoje termos novos em excesso. Por acaso, eu que já criei inúmeros neologismos, livrei-me dessa doença terminológica”. Da minha parte, estou tentando, também, me livrar dessa mania.
Mas há ocasiões em que as idéias que se quer expressar são tão complexas, que não há palavras em nosso dicionário que as definam com exatidão. O que fazer então em nome da clareza? Deixar para lá e fazer de conta que não se pensou aquilo? Recorrer a expressões emprestadas de outras línguas, como o francês e o inglês? Age-se muito dessa maneira e os galicismos e anglicismos, mesmo encarados pelos puristas como erros de estilo, com o tempo e o uso findam por se incorporar ao nosso léxico.
E quando a idéia é tão complexa que nem em outros idiomas existe expressão que a expresse com precisão e clareza? Nessas circunstâncias, “empreste-se” um recurso característico da poesia, que muitos utilizam em prosa, sem nenhuma necessidade: a metáfora. O filósofo alemão, de etnia judia, Ernst Cassirer, criador de uma “teoria dos símbolos” para definir cultura, justifica assim o uso desse recurso, notadamente poético (embora não exclusivo): “O homem, quisesse ou não, foi forçado a falar metaforicamente, e isto não porque não lhe fosse possível frear sua fantasia poética, mas antes porque devia esforçar-se ao máximo para dar expressão adequada às necessidades sempre crescentes de seu espírito. Portanto, por metáfora não mais se deve entender simplesmente a atividade deliberada de um poeta, a transposição consciente de uma palavra que passa de um objeto a outro”. Concordo com Cassirer.
Aliás, há tempos isso vem ocorrendo. Por exemplo, afirmar que o coração é a sede e a origem dos sentimentos e emoções é, até certo ponto, metafórico. Ainda se fosse o fígado... haveria alguma lógica, embora literalmente se trate de equívoco. Até uma criança razoavelmente informada sabe que quem comanda nossos sentimentos e pensamentos é o cérebro. Nele está a sede do amor, do ódio, da esperança, da fé, da amizade e vai por aí afora.
O coração é importante, sim, (como ademais qualquer outro órgão do nosso corpo), pois tem a tarefa de bombear sangue, ininterruptamente, para todo o organismo, levando oxigênio e nutrientes para toda a parte e conduzindo gás carbônico para os pulmões, de onde é eliminado, como no processo (falando metaforicamente) de um escapamento de automóvel. Mas sempre que se quer expressar atração irresistível por uma pessoa, por exemplo, costuma-se dizer que o “coração tem amor por ela”. Óbvio que não tem. Quem tem é o cérebro. Quando se sofre uma frustração amorosa qualquer, dizemos estamos com “o coração partido”. Mas se alguém estiver nessa condição (literalmente)... é bom já ir providenciando o seu enterro.
Sobre a preponderância do fígado sobre o coração, encontrei este delicioso texto do poeta Pablo Neruda (que também não deixa de ser, por seu turno, metafórico) : “Enquanto o coração bate e atrai a partitura da mandolina, lá dentro filtras e repartes, separas e divides, multiplicas e engraxas, sobes e recolhes os fios e as gramas da vida, os últimos licores, as íntimas essências. Víscera submarina, medidor de sangue, vives cheio de mãos e olhos, medindo e transvasando em tua escondida câmara de alquimista. Amarelo é o teu sistema de hidrografia rubra, feiticeiro da mais perigosa profundidade do homem, ali escondido, sempre sempiterno, na usina, silencioso. E todo sentimento ou estímulo cresceu em tua maquinaria, recebeu alguma gota de tua elaboração infatigável, ao amor acrescentaste fogo ou melancolia; uma pequena célula equivocada ou uma fibra em teu trabalho, e o aviador se equivoca de céu, o tenor se precipita num silvo, ao astrônomo escapa um planeta”.
Na verdade, para ser honesto com você, paciente leitor, devo confessar que cheguei a esse texto por tabela. Não o encontrei diretamente em nenhum livro de Neruda como possa ter ficado implícito , mas transcrito por outro grande poeta (este, brasileiro, aliás mineiro), Paulo Mendes Campos, que fez essa citação na crônica intitulada “Bom-humor”, publicada na coluna que assinou por muitos anos na Revista Manchete, da Editora Bloch, neste caso uma de 1966. Ficou claro? Espero ter dado com competência meu recado de hoje.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O ser humano, incrível animal que ama, odeia, chora, ri e... pensa, gerou (e continua gerando) tamanha quantidade de idéias, que as palavras, em todos os idiomas que existem, se tornaram insuficientes para que fossem (e sejam) expressadas com pureza e com clareza. Teve, pois, (e ainda tem) que recorrer a outros recursos, quer gráficos, quer sonoros, quer audiovisuais ou quer, até mesmo, semânticos. Neste último caso, vale-se de metáforas. As línguas, dinâmicas como são, estão em perpétua metamorfose. Gestam, a todo o momento, novas palavras, assim como abortam sucessivamente outras, que caíram em desuso, num processo que não tem fim. Há quem abuse, todavia, da criação de neologismos, por absoluta ignorância, por desconhecer palavras que dizem exatamente o que quer dizer e que, por isso, cria novas, e se sente “genial” por isso.
Sou contrário, no entanto, a esse procedimento. Não se deve criar neologismos, quando forem desnecessários. Boa parte dos que são criados é dispensável se atentarmos bem. Defendo, por outro lado, a utilização correta das palavras que já existem no nosso idioma, e de forma clara, objetiva e oportuna. Vou mais longe: sou a favor que sejam utilizadas, sempre, aquelas mais conhecidas pela população (diria que são umas duas mil, se tanto).
Tenho sempre em vista que escrever é um ato de comunicação, e mais complexo do que pode parecer aos desavisados. Mas para nos comunicarmos bem, temos, sobretudo, que ser entendidos por “todos”. Se alguém não entender alguma coisa que escrevermos, por causa de uma eventual mania de esbanjar erudição, fracassaremos rotundamente em nosso texto, por mais sonoro e bem-arranjado que nos pareça. A boa comunicação dispensa pirotecnia verbal. Tem, como condição essencial, o entendimento por parte de quem lê.
Roman Jakobson, um dos maiores comunicadores do século passado, se vivo, concordaria comigo. Afinal, foi ele que declarou, certa feita: “ Prefiro evitar hoje termos novos em excesso. Por acaso, eu que já criei inúmeros neologismos, livrei-me dessa doença terminológica”. Da minha parte, estou tentando, também, me livrar dessa mania.
Mas há ocasiões em que as idéias que se quer expressar são tão complexas, que não há palavras em nosso dicionário que as definam com exatidão. O que fazer então em nome da clareza? Deixar para lá e fazer de conta que não se pensou aquilo? Recorrer a expressões emprestadas de outras línguas, como o francês e o inglês? Age-se muito dessa maneira e os galicismos e anglicismos, mesmo encarados pelos puristas como erros de estilo, com o tempo e o uso findam por se incorporar ao nosso léxico.
E quando a idéia é tão complexa que nem em outros idiomas existe expressão que a expresse com precisão e clareza? Nessas circunstâncias, “empreste-se” um recurso característico da poesia, que muitos utilizam em prosa, sem nenhuma necessidade: a metáfora. O filósofo alemão, de etnia judia, Ernst Cassirer, criador de uma “teoria dos símbolos” para definir cultura, justifica assim o uso desse recurso, notadamente poético (embora não exclusivo): “O homem, quisesse ou não, foi forçado a falar metaforicamente, e isto não porque não lhe fosse possível frear sua fantasia poética, mas antes porque devia esforçar-se ao máximo para dar expressão adequada às necessidades sempre crescentes de seu espírito. Portanto, por metáfora não mais se deve entender simplesmente a atividade deliberada de um poeta, a transposição consciente de uma palavra que passa de um objeto a outro”. Concordo com Cassirer.
Aliás, há tempos isso vem ocorrendo. Por exemplo, afirmar que o coração é a sede e a origem dos sentimentos e emoções é, até certo ponto, metafórico. Ainda se fosse o fígado... haveria alguma lógica, embora literalmente se trate de equívoco. Até uma criança razoavelmente informada sabe que quem comanda nossos sentimentos e pensamentos é o cérebro. Nele está a sede do amor, do ódio, da esperança, da fé, da amizade e vai por aí afora.
O coração é importante, sim, (como ademais qualquer outro órgão do nosso corpo), pois tem a tarefa de bombear sangue, ininterruptamente, para todo o organismo, levando oxigênio e nutrientes para toda a parte e conduzindo gás carbônico para os pulmões, de onde é eliminado, como no processo (falando metaforicamente) de um escapamento de automóvel. Mas sempre que se quer expressar atração irresistível por uma pessoa, por exemplo, costuma-se dizer que o “coração tem amor por ela”. Óbvio que não tem. Quem tem é o cérebro. Quando se sofre uma frustração amorosa qualquer, dizemos estamos com “o coração partido”. Mas se alguém estiver nessa condição (literalmente)... é bom já ir providenciando o seu enterro.
Sobre a preponderância do fígado sobre o coração, encontrei este delicioso texto do poeta Pablo Neruda (que também não deixa de ser, por seu turno, metafórico) : “Enquanto o coração bate e atrai a partitura da mandolina, lá dentro filtras e repartes, separas e divides, multiplicas e engraxas, sobes e recolhes os fios e as gramas da vida, os últimos licores, as íntimas essências. Víscera submarina, medidor de sangue, vives cheio de mãos e olhos, medindo e transvasando em tua escondida câmara de alquimista. Amarelo é o teu sistema de hidrografia rubra, feiticeiro da mais perigosa profundidade do homem, ali escondido, sempre sempiterno, na usina, silencioso. E todo sentimento ou estímulo cresceu em tua maquinaria, recebeu alguma gota de tua elaboração infatigável, ao amor acrescentaste fogo ou melancolia; uma pequena célula equivocada ou uma fibra em teu trabalho, e o aviador se equivoca de céu, o tenor se precipita num silvo, ao astrônomo escapa um planeta”.
Na verdade, para ser honesto com você, paciente leitor, devo confessar que cheguei a esse texto por tabela. Não o encontrei diretamente em nenhum livro de Neruda como possa ter ficado implícito , mas transcrito por outro grande poeta (este, brasileiro, aliás mineiro), Paulo Mendes Campos, que fez essa citação na crônica intitulada “Bom-humor”, publicada na coluna que assinou por muitos anos na Revista Manchete, da Editora Bloch, neste caso uma de 1966. Ficou claro? Espero ter dado com competência meu recado de hoje.
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