Sunday, March 27, 2011



Razão perde de novo para a força


Pedro J. Bondaczuk


O jornalista é aquele profissional ao qual compete trazer à luz da opinião pública a verdade dos fatos. Em situações de normalidade e em sociedades civilizadas e democráticas, esse exercício, muitas vezes, causa contrariedades, mas é respeitado pelos envolvidos. Ou, pelo menos, é tolerado. Mas há ocasiões em que esse “garimpo” da realidade do cotidiano se torna algo muito perigoso. Principalmente quando ocorre em países onde os direitos humanos não passam de mera expressão retórica, ou de simples ficção, como é o caso, atualmente, de El Salvador, engolfado numa sangrenta guerra civil, de dez anos de duração, que já foi responsável pela morte de pelo menos 70 mil pessoas. Anteontem, mais três heróis anônimos, cuja missão é trazer a lume, em tida a sua crueza e feiúra, fatos que muitos que se arrogam a poderosos preferiam que ficassem escondidos, tombaram nessa inglória batalha. Roberto Naves, de 30 anos, fotógrafo da agência de notícias britânica “Reuters”; Maurício Piñeda, de 26 anos, técnico de som do canal 12 de televisão de El Salvador e Cornélio Lagrow, cinegrafista da TV holandesa, foram feridos mortalmente quando faziam a cobertura das tumultuadas e violentas eleições desse país centro-americano. Eles foram atingidos por disparos efetuados por membros das Forças Armadas locais. Um terceiro profissional de imprensa, Luís Galdamez, de 34 anos, também foi baleado, ficando gravemente lesionado. Ele é igualmente fotógrafo. Trabalha para a “Reuters” em El Salvador. O crítico, a estas alturas, fica perguntando aos seus botões: O que esses jornalistas desejavam mostrar à opinião pública que os agentes de segurança não queriam que mostrassem? Seja o que for, certamente não haverá de ficar escondido. Não, pelo menos, para sempre. O próprio sacrifício de suas vidas, em respeito à verdade, fará com que esta apareça, nua e cruamente. É certo que ao profissional de imprensa não cabe a tarefa de “ser a notícia”, mas de veicular somente os fatos. A única exceção é um caso como este. Ou seja, quando a vítima da prepotência e da falta de tino dos atrabiliários é ele próprio. Apenas no ano passado, embora não tenhamos dados exatos, cerca de duas centenas de jornalistas foram “punidos” pelo seu trabalho. Muitos foram mortos. Outros acabaram sendo encarcerados, passando por torturas nas mãos de covardes insensatos, como se não fosse suficiente o tormento que eles passam diariamente vendo tanta injustiça, tanta corrupção e tanta insensibilidade mundo afora. Como se já não bastasse o sofrimento de assistir a esse desfile quotidiano de horrores, que constitui a matéria-prima do seu labor. Nossas homenagens, pois, aos companheiros que tombaram nesta milenar guerra entre a força bruta e a razão. (Artigo publicado na página 16, Internacional, do Correio Popular, em 21 de março de 1989).


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