Ambiguidade das palavras
Pedro J. Bondaczuk
Vocês já notaram o quanto as palavras são ambíguas? Esta é uma das principais dificuldades de nos fazermos rigorosamente entendidos pelos que nos lêem. Outro obstáculo, óbvio, é, claro, a deficiência cultural de muitos leitores (provavelmente da maioria) que não contam com vasto vocabulário, em decorrência da baixa freqüência de leitura. Mas esta já é outra história.
E esta ambigüidade das palavras não se dá apenas em nosso idioma, em português. Conversei a respeito com escritores que se expressam em diversas outras línguas, como inglês, francês, alemão etc. e as queixas são as mesmas.
Há determinados trechos de textos, por exemplo, que quando citados fora do devido contexto, chegam a dizer, até, exatamente o oposto do que seu autor pretendeu. Daí o cuidado que sempre devemos ter com citações, precavendo-nos para que sejam feitas com as devidas contextualizações.
Além de ambíguas, as palavras são mutantes. Corrompem-se com facilidade, com o passar do tempo, e passam a ter significados bem diversos dos originais. Tomemos uma delas. Que tal o termo “anarquia”?. Como você o entende?
Certamente com o sentido de “bagunça”, de “desordem”, de “caos” e vai por aí afora. Mas não é isso o que a palavra de fato significa. Nomeia, na verdade, uma das maiores (e provavelmente mais desejadas) utopias humanas, que é uma vida em que se tenha absoluta liberdade, sem subordinação a nenhuma instituição: família, casamento, religião, governo etc.etc.etc.
Para que isso fosse possível, no entanto, seria preciso que as pessoas conhecessem e respeitassem seus limites. Que ninguém interferisse na vida de ninguém. Que cada qual fizesse o que bem entendesse, “desde que” (e é aqui que reside a impossibilidade de existência da verdadeira anarquia) não entrasse na esfera dos direitos alheios. A dificuldade reside no fato de que isso deveria ser automático, absolutamente espontâneo, sem nenhum tipo de pressão, imposição ou coação alheia.
Outra palavra corrompida é “medíocre”. Para você, qual é o seu significado? É, provavelmente, o de alguém muito ruim, muito incompetente, muito abaixo do aceitável. Mas ela não significa nada disso. Significa pessoa ou situação média. Ou seja, que não é nem excelente e muito menos péssima. Tempos atrás, chamar alguém de medíocre era até elogio. Hoje... é querer comprar briga.
Na pirâmide das competências podemos estimar, com certa razoabilidade, que a base, ou seja, a dos indivíduos que nitidamente estão abaixo da média (não importa por qual razão), é formada por 75% da população mundial. É o que os tiranos classificam, cinicamente, de “massa”, ou seja, que pode ser “moldada” conforme sua vontade.
Já o topo, o lugar nobre dos que, por circunstâncias diversas (genéticas, biológicas, sociais etc.), emergem como líderes, é integrado, digamos, por 5% dos habitantes da Terra (desconfio que seja bem menos). Os 20% restantes, portanto, seriam os “medíocres”. Ou seja, os que nem se destacam e nem são manipulados ao sabor da vontade dos tiranos. É esse grupo que faz as coisas, na verdade, andarem e acontecerem, que constrói, que trabalha, que produz etc. Chame, porém, alguém de medíocre para ver o que acontece. É briga na certa.
Querem outra expressão ambígua e de fundo até preconceituoso? Pois bem, cito a palavra “real”. Um dos seus significados (e desconfio que o original) é “relativo ao rei”. Interpretamo-la, todavia (bem como todas suas derivadas) como definição do que é verdadeiro, concreto, que de fato existe e/ou acontece, em contraposição ao fictício, ao imaginado, inventado etc.
Fica implícito que apenas “o rei” e tudo o que lhe diga respeito tem concretude, veracidade e existência. Tudo o mais seria mero detalhe. A figura de algum monarca foi tomada, genericamente, como parâmetro de perfeição. Todos sabemos (e de sobejo), todavia, através dos registros históricos, que a maioria dos reis foi tirana, opressiva, sanguinária, voluntariosa e vil. Muitos e muitos e muitos foram loucos, insanos, vingativos e irresponsáveis e impuseram sua vontade pessoal a ferro e fogo.
Poderíamos citar várias outras palavras que têm esse caráter explícito de ambigüidade, mas creio que, para “provocação” intelectual (o verdadeiro objetivo deste texto), as mencionadas já bastam. Pensem, até como exercício de reflexão, em outras tantas expressões cujos significados sejam tão contraditórios, ou mais, quanto os destas.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
Vocês já notaram o quanto as palavras são ambíguas? Esta é uma das principais dificuldades de nos fazermos rigorosamente entendidos pelos que nos lêem. Outro obstáculo, óbvio, é, claro, a deficiência cultural de muitos leitores (provavelmente da maioria) que não contam com vasto vocabulário, em decorrência da baixa freqüência de leitura. Mas esta já é outra história.
E esta ambigüidade das palavras não se dá apenas em nosso idioma, em português. Conversei a respeito com escritores que se expressam em diversas outras línguas, como inglês, francês, alemão etc. e as queixas são as mesmas.
Há determinados trechos de textos, por exemplo, que quando citados fora do devido contexto, chegam a dizer, até, exatamente o oposto do que seu autor pretendeu. Daí o cuidado que sempre devemos ter com citações, precavendo-nos para que sejam feitas com as devidas contextualizações.
Além de ambíguas, as palavras são mutantes. Corrompem-se com facilidade, com o passar do tempo, e passam a ter significados bem diversos dos originais. Tomemos uma delas. Que tal o termo “anarquia”?. Como você o entende?
Certamente com o sentido de “bagunça”, de “desordem”, de “caos” e vai por aí afora. Mas não é isso o que a palavra de fato significa. Nomeia, na verdade, uma das maiores (e provavelmente mais desejadas) utopias humanas, que é uma vida em que se tenha absoluta liberdade, sem subordinação a nenhuma instituição: família, casamento, religião, governo etc.etc.etc.
Para que isso fosse possível, no entanto, seria preciso que as pessoas conhecessem e respeitassem seus limites. Que ninguém interferisse na vida de ninguém. Que cada qual fizesse o que bem entendesse, “desde que” (e é aqui que reside a impossibilidade de existência da verdadeira anarquia) não entrasse na esfera dos direitos alheios. A dificuldade reside no fato de que isso deveria ser automático, absolutamente espontâneo, sem nenhum tipo de pressão, imposição ou coação alheia.
Outra palavra corrompida é “medíocre”. Para você, qual é o seu significado? É, provavelmente, o de alguém muito ruim, muito incompetente, muito abaixo do aceitável. Mas ela não significa nada disso. Significa pessoa ou situação média. Ou seja, que não é nem excelente e muito menos péssima. Tempos atrás, chamar alguém de medíocre era até elogio. Hoje... é querer comprar briga.
Na pirâmide das competências podemos estimar, com certa razoabilidade, que a base, ou seja, a dos indivíduos que nitidamente estão abaixo da média (não importa por qual razão), é formada por 75% da população mundial. É o que os tiranos classificam, cinicamente, de “massa”, ou seja, que pode ser “moldada” conforme sua vontade.
Já o topo, o lugar nobre dos que, por circunstâncias diversas (genéticas, biológicas, sociais etc.), emergem como líderes, é integrado, digamos, por 5% dos habitantes da Terra (desconfio que seja bem menos). Os 20% restantes, portanto, seriam os “medíocres”. Ou seja, os que nem se destacam e nem são manipulados ao sabor da vontade dos tiranos. É esse grupo que faz as coisas, na verdade, andarem e acontecerem, que constrói, que trabalha, que produz etc. Chame, porém, alguém de medíocre para ver o que acontece. É briga na certa.
Querem outra expressão ambígua e de fundo até preconceituoso? Pois bem, cito a palavra “real”. Um dos seus significados (e desconfio que o original) é “relativo ao rei”. Interpretamo-la, todavia (bem como todas suas derivadas) como definição do que é verdadeiro, concreto, que de fato existe e/ou acontece, em contraposição ao fictício, ao imaginado, inventado etc.
Fica implícito que apenas “o rei” e tudo o que lhe diga respeito tem concretude, veracidade e existência. Tudo o mais seria mero detalhe. A figura de algum monarca foi tomada, genericamente, como parâmetro de perfeição. Todos sabemos (e de sobejo), todavia, através dos registros históricos, que a maioria dos reis foi tirana, opressiva, sanguinária, voluntariosa e vil. Muitos e muitos e muitos foram loucos, insanos, vingativos e irresponsáveis e impuseram sua vontade pessoal a ferro e fogo.
Poderíamos citar várias outras palavras que têm esse caráter explícito de ambigüidade, mas creio que, para “provocação” intelectual (o verdadeiro objetivo deste texto), as mencionadas já bastam. Pensem, até como exercício de reflexão, em outras tantas expressões cujos significados sejam tão contraditórios, ou mais, quanto os destas.
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