Sunday, March 27, 2011



Atividade política


Pedro J. Bondaczuk


Há pessoas que abominam tudo o que se relacione com política. Acham que não têm nada a ver com essa atividade e se recusam não só de participar, mas até de opinar a respeito. Estão equivocadas. Todos participamos, de uma forma ou outra – ou ativamente, através de militância, ou passivamente, até mesmo à nossa revelia, como alvos das ações dos militantes – desse conjunto de atos e idéias visando, pelo menos em teoria, ordenar as sociedades. Somos políticos, e o tempo todo, desde que residamos numa cidade (pois a palavra deriva de “polis”). Ao nos relacionarmos com o Poder Público (pagando ou sonegando impostos, por exemplo, ou reclamando e não raro exigindo melhorias ao redor de nosso domicílio ou, simplesmente, nos relacionando com os vizinhos), estamos assumindo determinada atitude política, que pode ser de apoio ou de contestação, conforme o caso. Fazemo-la em todos os lugares: no lar, na rua, na escola, no trabalho etc. É que muitos entendem essa atividade, “apenas”, como militância partidária, e de olho no poder. Ela é, “também” isso, mas não “somente”. Esse tipo de política eu também não aprecio muito e não raro abomino. Não é o que quero para a minha vida e a das pessoas que amo. Considero-o um mal necessário. A “grande política”, a que merece ser grafada com “P” maiúsculo e a que defendo com entusiasmo e vigor, se desenvolve, sobretudo, no terreno das idéias. São elas que balizam (quando existem) ou deixam de balizar (quando não) os atos dos militantes e dos sujeitos passivos. Tanto isso é verdade, que existe um ramo das ciências humanas que trata exclusivamente dessa atividade. Hoje em dia, os “cientistas políticos” têm cada vez maior espaço e mais prestígio na sociedade e, por conseqüência, na mídia. Uma determinada idéia, que envolva a comunidade e que, se posta em prática, venha a afetar (para o bem ou para o mal) uma grande quantidade de pessoas – uma cidade, um estado ou até mesmo uma nação ou, quem sabe, o mundo – precisa ser muito refletida, e debatida à exaustão, antes de ser praticada. Ainda assim... Ninguém pode garantir que seu resultado será o esperado por quem a gerou. A esse propósito, o historiador húngaro radicado nos Estados Unidos, John Lukács, observa, no livro “O fim do século 20 e o fim da era moderna”: “É muito mais significativo, e notável, o que os homens fazem com as idéias do que aquilo que as idéias fazem com os homens; que eles adaptarão suas idéias às circunstâncias em vez de tentar adaptar as circunstâncias a suas idéias”. Há, claro, quem tente fazer essa última adaptação, mas via de regra se dá mal. Não sabe o que fazer com as idéias, tanto as que gera, quanto as que toma conhecimento por ler, ouvir etc. As circunstâncias independem de sua vontade e de suas ações. Há quem insista em ficar refém do seu passado, como se a vida fosse linear e houvesse nela um determinismo que nos impedisse de mudar quando possível, necessário e oportuno. Há pessoas com vidas “pequenas” (no sentido da falta de brilho e de realizações) e que se submetem docilmente a essas circunstâncias, a essa pequenez, ou no máximo, a uma certa mediocridade, achando que esse seja seu “destino”. Não é. Fracassam por falta de espírito de luta. Submetem-se a idéias equivocadas sobre o próprio potencial e sobre a vida. E entram em desespero. O escritor irlandês G. W. Russell escreveu, no livro “Cooperação e Nacionalidade”, publicado em 1912: “Uma vida repleta de pequenez perpétua nos enche de desespero profundo e loucura da alma”. Pudera! A luta do ser humano (aquele que vive plenamente a sua humanidade), suas obrigações e obras, só terminam com a morte. E esta (felizmente) não sabemos como, onde e principalmente quando vai acontecer. Tanto pode ser várias décadas à frente, quanto no segundo seguinte. Nossa obrigação só expira com nosso último suspiro. Ninguém está preso a eventual determinismo que o anule e impeça de pelo menos tentar mudar circunstâncias adversas. Esse desejo de mudança e a correspondente ação nesse sentido são atitudes (e também é uma prática) políticas. Não podemos viver (e não vivemos, salvo cada vez mais raras exceções) sós. Estamos cercados por multidões, quer de amigos, quer de inimigos e principalmente de anônimos, (estes últimos nos são indiferentes enquanto nossos caminhos não se cruzam) que nos ajudam (ou atrapalham e até impedem) de mudar para melhor. Todos com quem cruzamos, de uma forma ou de outra, nos influenciam e são, de alguma maneira, influenciados por nós. O cronista Mário da Silva Brito explica com mais clareza o que quero dizer. Escreveu, em uma crônica datada de 1961, publicada no Suplemento Literário do jornal "O Estado de São Paulo": "Nunca fui eu só, ou só eu. Mas todos os outros. Os antepassados, os que me rodeiam, os que pertencem ao meu tempo. Os que amo e até os desconhecidos. Estou feito de pedaços. Sou uma soma de múltiplas parcelas humanas. Consigo somar até quantidades heterogêneas". Todos somos assim. Nosso próximo tende a nos enriquecer, a ampliar nossos horizontes e a estimular em nós o espírito de competição, sem o qual (desde que sadio) ninguém se sente motivado para qualquer realização (mesmo quando se opõe a nós). Pode, todavia, nos empobrecer, nos manter na ignorância e servidão, explorar nossos talentos e nossas forças e, em casos extremos, até nos destruir. E tudo isso tem, no fundo, no fundo, muito (se não tudo) a ver com política. Não aquela menor, nem sempre exercida com ética e idealismo, a partidária, que objetiva a conquista do poder, mas a mais ampla, a que diz respeito a relacionamentos sociais e a conquistas coletivas.

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