Ópios do povo
Pedro J. Bondaczuk
Os pretensos ateus convictos vivem apregoando que “a religião é o ópio do povo”. Os religiosos, por seu turno, notadamente seus líderes, retrucam e asseguram que as ideologias, principalmente as que apregoam o ateísmo como eventual virtude, é que o são. Para os intelectuais (alguns, evidentemente), o que “narcotiza” profundamente o povo e o mantém letárgico, o impedindo de pensar em sua situação e, por conseqüência, de agir, é o velho e conhecido “panen et circenses”, simbolizado a caráter hoje em dia pelo futebol – que fanatiza milhões e milhões mundo afora – alienando os que não conseguem se dar conta que essa modalidade esportiva não é mais do que mero lazer e que deveria ser encarada como tal, como uma peça de teatro, uma ópera, um show musical ou outra diversão qualquer.
Simone Weil, por sua vez, escreveu: “Não é a religião, mas sim a revolução o ópio do povo”. E justo ela que no seu curto tempo de vida foi uma revolucionária, não somente na forma de pensar, mas também de agir!!! Essa escritora, filósofa, militante política e mística francesa, que faleceu em agosto de 1943, aos 34 anos de idade, vítima de tuberculose agravada pela inanição, lutou com bravura e valentia como voluntária na guerra civil espanhola e integrou a Resistência aos nazistas na França durante a Segunda Guerra Mundial. Recomendo-lhes que leiam mais a respeito dessa admirável figura. Pena que pouco se fala hoje sobre suas idéias e atitudes.
Todavia, o ópio que narcotiza o povo e o impede de se livrar dos vários tipos de opressão a que é submetido, em diversas partes do mundo é, de fato, e simultaneamente, tudo o que foi citado – religião, ideologias, futebol e revoluções – e ao mesmo tempo não é nada disso. É a “intensidade” com que as massas se apegam a tudo isso. Ou seja, é o fanatismo, que impede os fanáticos de pensarem com lucidez e racionalidade. Nem religião, nem ideologias, nem futebol e nem as revoluções são, necessária e intrinsecamente, ruins, desde que colocados no devido contexto. O sujeito tem o direito de acreditar no que lhe der na veneta, desde que não tente impor suas crenças a ninguém e muito menos pela força, violência e até homicídio.
É preciso, também, entender o conceito de “povo”, expressão genérica que não quer dizer muita coisa, por ser muito vaga. A maioria da humanidade é integrada por pessoas comuns. É composta pelos que são incapazes de iniciativas ousadas ou de juízos mesmo que rudimentares. Estes necessitam de quem os oriente, proteja e guie. Fazem parte do padrão comum e são necessários e indispensáveis. Constituem-se na força que concretiza as idéias da elite. Devem, portanto, ser credores, em uma sociedade equilibrada e justa, dos mesmos direitos fundamentais dos que constituem a "nata" social.
Os estudiosos de ciências humanas convencionaram denominar essa multidão amorfa e sem identidade de "massa" ou, o que é mais comum, de “povo”. É o conjunto passivo de ser moldado – ou por idéias tidas por consensuais, ou pela tirania – ao bel-prazer dos condutores. Em geral é manipulado, mediante os mais variados expedientes: pela força, pelo engodo, pelo suborno (o "panem et circenses") etc. O recurso mais utilizado nesta época dita "de comunicação total" é o da propaganda. É essa gente que está sujeita a ser “narcotizada”, e não importa por qual tipo de “ópio”: se pela religião, ou pela ideologia, ou pelo futebol ou por revoluções. Boa parte (para não dizer a maioria) o é por todos estes fatores. Não se livra deles porque não quer, já que hoje em dia abundam informações para livrar qualquer um que o queira – que se disponha a raciocinar com lógica e lucidez – da alienação.
A atividade em que mais conflitam instinto e razão é a religião. Instintivamente, por medo, recorremos sempre a um ser superior, de grande poder, que nos proteja de fenômenos que não compreendemos e que nos "ameaçam". O desconhecido sempre atemoriza. Nas religiões mais primitivas, as divindades (são múltiplas) são iracundas, eróticas, vingativas, com as piores características humanas e que se impõem pela força. Só indivíduos com racionalidade desenvolvida entendem que essa sabedoria universal, cuja denominação não importa, que criou e rege com leis simples e imutáveis galáxias, estrelas, planetas e tudo o que há; que fez a matéria e a energia e que mantém tudo funcionando com a precisão de um relógio (que alguns chamam de “natureza”, outros de “força cósmica” e outros, ainda, de “Deus”), é construtiva, positiva, racionalíssima e lógica.
Não creio que haja, de fato, ateus. Há, sim, quem não acredita nesse deus apregoado pela maioria das religiões. Crêem, contudo, na natureza, nas suas inflexíveis leis, na física, química e biologia. Acreditam, pois, em Deus, mas de outra forma. Estão longe, portanto, de serem ateus (embora façam questão de serem chamados assim). Religião, como a própria palavra sugere (vem de "religare", religar, tornar a juntar), é o retorno, pelo menos espiritual, do homem à origem divina. Daí ser rematada tolice a existência dessa infinidade de seitas. A religação é uma só, embora por infinitos caminhos. Cada qual sente essa necessidade à sua maneira, de conformidade com seu estágio mental. Uns fazem-no de forma evoluída, madura, racional, identificando Deus em cada célula do seu organismo. Outros, precisam de projeções, de estátuas, de ídolos, de lendas, mitos, dogmas, visualizações. Quem está certo? Quem está errado? Erra apenas quem não faz qualquer tentativa para se religar com a fonte de tudo o que há, inclusive ele mesmo.
Todos os períodos da História tiveram seus ídolos, seus Baals, seus “bezerros de ouro”, seus objetos de culto aos quais a maioria se inclinou e venerou. Daí o mundo, que poderia ser um Paraíso, ser este perverso “vale de lágrimas”, de sofrimentos e dores. O que retarda o entendimento e a solidariedade entre pessoas e povos é a ignorância. São os preconceitos. É a desmedida e ilógica ganância. É, em suma, a irracionalidade. Nem sempre os idolatrados são pessoas. A psiquiatra Nise da Silveira, no livro “Jung Vida e Obra”, aponta quais foram os ídolos do século passado: “O século XX conhece grandes ídolos: raça, sexo, Estado, partido, dinheiro, máquina...”.
O homem não sabe de coisa alguma com certeza. O que chama de ciência é um conjunto de hipóteses para explicar fenômenos que se repetem em determinadas condições. Tais explicações podem ou não ser verdadeiras, mesmo que convincentes. Teorias, ditas científicas, postas como dogmas num passado não muito remoto, hoje são objetos de riso. Da mesma forma, muita coisa aceita atualmente como verdade pode ser desmentida já amanhã. “Só sei que nada sei”, diria, pois, o filósofo, consciente das suas limitações e, por isso, sábio. Quanto aos ópios do povo... Há uma infinidade deles a justificarem a omissão dos covardes e a mediocridade dos tíbios.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
Os pretensos ateus convictos vivem apregoando que “a religião é o ópio do povo”. Os religiosos, por seu turno, notadamente seus líderes, retrucam e asseguram que as ideologias, principalmente as que apregoam o ateísmo como eventual virtude, é que o são. Para os intelectuais (alguns, evidentemente), o que “narcotiza” profundamente o povo e o mantém letárgico, o impedindo de pensar em sua situação e, por conseqüência, de agir, é o velho e conhecido “panen et circenses”, simbolizado a caráter hoje em dia pelo futebol – que fanatiza milhões e milhões mundo afora – alienando os que não conseguem se dar conta que essa modalidade esportiva não é mais do que mero lazer e que deveria ser encarada como tal, como uma peça de teatro, uma ópera, um show musical ou outra diversão qualquer.
Simone Weil, por sua vez, escreveu: “Não é a religião, mas sim a revolução o ópio do povo”. E justo ela que no seu curto tempo de vida foi uma revolucionária, não somente na forma de pensar, mas também de agir!!! Essa escritora, filósofa, militante política e mística francesa, que faleceu em agosto de 1943, aos 34 anos de idade, vítima de tuberculose agravada pela inanição, lutou com bravura e valentia como voluntária na guerra civil espanhola e integrou a Resistência aos nazistas na França durante a Segunda Guerra Mundial. Recomendo-lhes que leiam mais a respeito dessa admirável figura. Pena que pouco se fala hoje sobre suas idéias e atitudes.
Todavia, o ópio que narcotiza o povo e o impede de se livrar dos vários tipos de opressão a que é submetido, em diversas partes do mundo é, de fato, e simultaneamente, tudo o que foi citado – religião, ideologias, futebol e revoluções – e ao mesmo tempo não é nada disso. É a “intensidade” com que as massas se apegam a tudo isso. Ou seja, é o fanatismo, que impede os fanáticos de pensarem com lucidez e racionalidade. Nem religião, nem ideologias, nem futebol e nem as revoluções são, necessária e intrinsecamente, ruins, desde que colocados no devido contexto. O sujeito tem o direito de acreditar no que lhe der na veneta, desde que não tente impor suas crenças a ninguém e muito menos pela força, violência e até homicídio.
É preciso, também, entender o conceito de “povo”, expressão genérica que não quer dizer muita coisa, por ser muito vaga. A maioria da humanidade é integrada por pessoas comuns. É composta pelos que são incapazes de iniciativas ousadas ou de juízos mesmo que rudimentares. Estes necessitam de quem os oriente, proteja e guie. Fazem parte do padrão comum e são necessários e indispensáveis. Constituem-se na força que concretiza as idéias da elite. Devem, portanto, ser credores, em uma sociedade equilibrada e justa, dos mesmos direitos fundamentais dos que constituem a "nata" social.
Os estudiosos de ciências humanas convencionaram denominar essa multidão amorfa e sem identidade de "massa" ou, o que é mais comum, de “povo”. É o conjunto passivo de ser moldado – ou por idéias tidas por consensuais, ou pela tirania – ao bel-prazer dos condutores. Em geral é manipulado, mediante os mais variados expedientes: pela força, pelo engodo, pelo suborno (o "panem et circenses") etc. O recurso mais utilizado nesta época dita "de comunicação total" é o da propaganda. É essa gente que está sujeita a ser “narcotizada”, e não importa por qual tipo de “ópio”: se pela religião, ou pela ideologia, ou pelo futebol ou por revoluções. Boa parte (para não dizer a maioria) o é por todos estes fatores. Não se livra deles porque não quer, já que hoje em dia abundam informações para livrar qualquer um que o queira – que se disponha a raciocinar com lógica e lucidez – da alienação.
A atividade em que mais conflitam instinto e razão é a religião. Instintivamente, por medo, recorremos sempre a um ser superior, de grande poder, que nos proteja de fenômenos que não compreendemos e que nos "ameaçam". O desconhecido sempre atemoriza. Nas religiões mais primitivas, as divindades (são múltiplas) são iracundas, eróticas, vingativas, com as piores características humanas e que se impõem pela força. Só indivíduos com racionalidade desenvolvida entendem que essa sabedoria universal, cuja denominação não importa, que criou e rege com leis simples e imutáveis galáxias, estrelas, planetas e tudo o que há; que fez a matéria e a energia e que mantém tudo funcionando com a precisão de um relógio (que alguns chamam de “natureza”, outros de “força cósmica” e outros, ainda, de “Deus”), é construtiva, positiva, racionalíssima e lógica.
Não creio que haja, de fato, ateus. Há, sim, quem não acredita nesse deus apregoado pela maioria das religiões. Crêem, contudo, na natureza, nas suas inflexíveis leis, na física, química e biologia. Acreditam, pois, em Deus, mas de outra forma. Estão longe, portanto, de serem ateus (embora façam questão de serem chamados assim). Religião, como a própria palavra sugere (vem de "religare", religar, tornar a juntar), é o retorno, pelo menos espiritual, do homem à origem divina. Daí ser rematada tolice a existência dessa infinidade de seitas. A religação é uma só, embora por infinitos caminhos. Cada qual sente essa necessidade à sua maneira, de conformidade com seu estágio mental. Uns fazem-no de forma evoluída, madura, racional, identificando Deus em cada célula do seu organismo. Outros, precisam de projeções, de estátuas, de ídolos, de lendas, mitos, dogmas, visualizações. Quem está certo? Quem está errado? Erra apenas quem não faz qualquer tentativa para se religar com a fonte de tudo o que há, inclusive ele mesmo.
Todos os períodos da História tiveram seus ídolos, seus Baals, seus “bezerros de ouro”, seus objetos de culto aos quais a maioria se inclinou e venerou. Daí o mundo, que poderia ser um Paraíso, ser este perverso “vale de lágrimas”, de sofrimentos e dores. O que retarda o entendimento e a solidariedade entre pessoas e povos é a ignorância. São os preconceitos. É a desmedida e ilógica ganância. É, em suma, a irracionalidade. Nem sempre os idolatrados são pessoas. A psiquiatra Nise da Silveira, no livro “Jung Vida e Obra”, aponta quais foram os ídolos do século passado: “O século XX conhece grandes ídolos: raça, sexo, Estado, partido, dinheiro, máquina...”.
O homem não sabe de coisa alguma com certeza. O que chama de ciência é um conjunto de hipóteses para explicar fenômenos que se repetem em determinadas condições. Tais explicações podem ou não ser verdadeiras, mesmo que convincentes. Teorias, ditas científicas, postas como dogmas num passado não muito remoto, hoje são objetos de riso. Da mesma forma, muita coisa aceita atualmente como verdade pode ser desmentida já amanhã. “Só sei que nada sei”, diria, pois, o filósofo, consciente das suas limitações e, por isso, sábio. Quanto aos ópios do povo... Há uma infinidade deles a justificarem a omissão dos covardes e a mediocridade dos tíbios.
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