Monday, March 14, 2011




Questão de interpretação

Pedro J. Bondaczuk


Estive raciocinando cá com meus botões: como nossos textos de hoje, nossos livros, nossas crônicas em jornais e revistas, nossos poemas postados em blogs, serão interpretados (e entendidos) pelos leitores do futuro, digamos, do ano de 2500 (caso sobrevivam, claro, e caiam em mãos de pessoas que vivam nessa época)?
Irão entender o que escrevemos? Sim, porque, provavelmente, a linguagem, então, será muito diferente da atual. Ou irão precisar de um novo “Champolion”, que descubra uma espécie de “pedra de roseta” dos nossos tempos, que possibilite a decifração dos nossos inúmeros alfabetos e cerca de 20 mil idiomas e dialetos que há pelo mundo afora neste século XXI?
Claro que estas reflexões não têm o mínimo sentido prático. Todavia, são ótimo exercício de imaginação. Portanto, por que não fazê-las? Muito do que escrevemos já não é interpretado como gostaríamos hoje, quanto mais num futuro remoto.
Por isso, defendo uma forma de se expressar simples, despojada e direta que, sem perder a elegância que se requer de um literato, seja entendida por todos os que forem alfabetizados, não importando seu grau cultural e nem quantos diplomas colecione (se inúmeros ou se nenhum)..
Ainda assim, não há a menor segurança de que nossos anseios, desejos, temores, esperanças, certezas etc., contidos em nossos textos, venham a ser minimamente compreendidos pelos eventuais leitores do futuro.
Tenho em mãos um romance, escrito por Walter M. Miller Jr., lançado no início dos anos 60 (e que não chegou a fazer grande sucesso), intitulado “Um canto para Leibowitz”, que ilustra a caráter estas considerações.
O enredo apresenta monges de determinada ordem religiosa (que não tem absolutamente nada a ver com as atuais), que, encerrados em um mosteiro, copiam fielmente e conservam com o máximo zelo textos científicos, que sobraram de uma guerra nuclear que pôs fim a uma civilização.
Como não entendem os conceitos expostos nesses livros, que coletaram nas raras bibliotecas não incendiadas, atribuem-lhes um significado divino, sagrado, mágico, transcendental. Os monges em questão já são da terceira ou quarta geração dos sobreviventes da hecatombe nuclear. Não têm a menor noção do que estão copiando. Sabem, através dos mais velhos, do desastre que se abateu sobre a Terra, mas desconhecem sua causa.
Um dia, porém, surge um desses gênios, que nascem em quantidades ínfimas a cada geração, com nível de compreensão inexplicável, mas bem acima da média, maior do que a maioria. Ele lê, entende e interpreta a documentação científica copiada pelos diligentes monges da ordem de São Leibowitz.
Alguns desses textos explicam (e detalham) como se poderiam fabricar bombas atômicas (cuja fabricação, aliás, nem é tão complicada assim. Não faz muito, circulou na internet a “fórmula” de produção desses artefatos perigosíssimos, cuja “utilidade” é apenas o extermínio em massa de populações). E, com a interpretação dos textos, supostamente sagrados, mas que na verdade eram profanos e mais, sumamente malévolos, a Terra voltou a ficar em perigo.
Quem quiser saber o desfecho desse romance, que o procure em algum sebo e o leia. Não serei eu o estraga-prazer de ninguém. O que quero ressaltar é o caráter de permanência dos nossos textos. Depois de escritos, e publicados, são como filhos que deixam o lar paterno a perambularem pelo mundo.
Perdemos a ascendência sobre eles e, não raro, até o contato com os mesmos. Podem se tornar líderes revolucionários, condutores de povos para a liberdade, solidariedade e justiça, ou perigosos e sanguinários bandidos, especialistas em violência e destruição. Quanto aos textos, nunca sabemos em que mãos, e quando, irão parar. E isso multiplica, claro, a nossa responsabilidade ao infinito. Pense nisso.

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