Monday, March 07, 2011




Recado eleitoral dado com correção

Pedro J. Bondaczuk

A situação econômica e social em El Salvador, que já era de suma gravidade antes da ocorrência do devastador terremoto da semana passada, que arrasou 75% da sua capital, se tornou calamitosa. Sete anos de guerra civil causaram danos irreparáveis a esse povo, reduzindo essa minúsculas República centro-americana, a menor territorialmente e a mais populosa da região, à mais completa miséria.
Conforme inúmeros relatórios internacionais, antes do sismo, 75% dos salvadorenhos viviam abaixo das condições mínimas de pobreza. Ou seja, mal sobreviviam, subnutridos, desassistidos em termos de saúde pública e entregues à própria sorte. Ou melhor dizendo, ao próprio azar. E agora, o que será deles?
E qual a atitude que o mundo ocidental vai tomar diante das suas aflições? Os Estados Unidos, por exemplo, que se orgulhavam tanto, porque foi realizada uma eleição presidencial nesse país, sob o seu patrocínio, mesmo a República vivendo um conflito armado que já custou a vida de 50 a 70 mil pessoas, o que estavam fazendo até agora para que as causas da violência fossem atacadas e não somente suas conseqüências? Virtualmente, nada!
É verdade que o “pouco” dos norte-americanos é muito mais do que o “zero” de outras sociedades evoluídas. Os salvadorenhos, endividados até o pescoço com os banqueiros internacionais, com as exportações de seus três únicos produtos reduzidas à metade (café, algodão e açúcar), com a balança comercial crescentemente deficitária, com uma evasão de capitais equivalente à metade do Produto Interno Bruto e com uma taxa de desemprego e subemprego superior a 75%, virtualmente estavam sobrevivendo, até aqui, com os US$ 350 milhões anuais da ajuda proveniente de Washington. E apenas com isso.
Essa quantia, evidentemente, é uma ninharia e os mais necessitados, com certeza, jamais viram sequer a cor desse dinheiro. Se a situação já era tão calamitosa antes que a terra tremesse e que “em seis segundos trouxesse mais prejuízos do que os sete anos de guerra civil”, conforme palavras do presidente José Napoleon Duarte, agora ela configura uma autêntica tragédia nacional.
Os prejuízos materiais, oriundos do terremoto, podem ser estimados, bastante por baixo, em pelo menos US$ 1,8 bilhão. As cifras exatas devem ser pelo menos o dobro disso. Ou seja, a importância total do Produto Interno Bruto salvadorenho, que é a riqueza gerada por todos os seus cidadãos desde quando o país existe.
Para complicar tudo, o conflito armado está muito longe de acabar. Isso porque, a despeito de todas as demonstrações feitas por hábeis estrategistas militares de que não existem condições para que qualquer das partes vença a luta, ambos os lados parecem dispostos a ir às últimas conseqüências. Não por razões práticas ou por qualquer sentido de patriotismo.
Os motivos são, simplesmente, subjetivos. Prendem-se a estúpidas motivações ideológicas, como se um conjunto de enunciados filosóficos enchesse a barriga de alguém. Os salvadorenhos, certamente, estão pouco se lixando para as teorias ultrapassadas, posto que centenárias, de Karl Marx. Ou com os postulados de Keynes ou de qualquer outro economista capitalista que se deseje mencionar.
O que eles reivindicam é muito simples. É o direito ao trabalho e à justa remuneração. É o acesso ao ensino, à saúde pública e à esperança de que pelo menos as gerações mais jovens possam aspirar a um nível de vida mais digno, num clima de liberdade política e de justiça social. Que sistema ideológico permite isso é irrelevante.
A concentração de renda nesse país sempre foi um escândalo e nunca se constituiu em segredo para ninguém. Antes da guerra civil se dizia que toda a riqueza salvadorenha pertencia a somente 21 famílias. O restante, tinha que se contentar em viver de migalhas. Era lógico que isso não poderia perdurar, porque era imprudente, impudico, imoral, ilógico. E, no entanto, os tais “defensores da democracia e da liberdade” nunca fizeram nada para pressionar os governos ditatoriais desse país para que buscassem fazer as mudanças que o mínimo bom-senso recomendava.
O conflito armado era questão de tempo. Se não eclodisse em 1979, ocorreria no ano seguinte, ou no posterior, ou um mais adiante. O que vai acontecer aos salvadorenhos, doravante, vai depender muito da sinceridade dos que os podem ajudar. Não somente enviando donativos, mas, sobretudo, convocando esse povo à conciliação nacional e ao estabelecimento de regras sociais justas e negociadas que permitam uma convivência harmoniosa de sua gente.

(Comentário publicado na página 30, Variedades, do Correio Popular, em 21 de outubro de 1986).

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